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2.1 Impacte da impermeabilização do solo no ciclo hidrológico e o risco de cheia e

2.1.1 Cheia versus Inundação

As cheias e inundações são fenómenos naturais com enorme poder destrutivo que ocorrem, muitas vezes, de forma rápida e por vezes inesperada. Os conceitos de cheia e inundação são muitas vezes empregues erradamente como sinónimos (Saraiva e Carvalho, 2009; Ramos, 2013). No entanto, é importante que se proceda a uma distinção entre os dois conceitos, uma vez que todas as cheias provocam inundações, mas nem todas as inundações são consequência de cheias (Ramos, 2013). Do ponto de vista estritamente hidrológico, uma situação de cheia acontece sempre que a precipitação dá origem à ocorrência de escoamento superficial direto (Lencastre e Franco, 2010), ou seja, quando há um aumento do caudal e, por conseguinte, ocorre extravase do leito e inundação das margens. Na linguagem corrente e no senso comum, a noção de cheia de um rio está associada à inundação dos terrenos marginais e à ocorrência de danos físicos e prejuízos materiais (Lencastre e Franco, 2010). Segundo Ramos (2013), o conceito de cheia foi proposto por Chow, em 1956, e refere-se a um fenómeno hidrológico extremo, de frequência variável, natural ou induzido pela ação humana, que consiste no transbordo de um curso de água relativamente ao seu leito ordinário, originando a inundação dos terrenos ribeirinhos. Uma inundação corresponde a um fenómeno hidrológico extremo, de frequência variável, natural ou induzido pela ação humana, que implica a submersão de uma área usualmente emersa (Ramos, 2013). Na Diretiva 2007/60/CE de 23 de outubro de 2007, relativa à avaliação e gestão dos riscos de inundações, a definição de inundação apresentada é a seguinte “cobertura temporária por água de uma terra normalmente não coberta por água. Inclui as cheias ocasionadas pelos rios, pelas torrentes de montanha e pelos cursos de água efémeros mediterrânicos, e as inundações ocasionadas pelo mar nas zonas costeiras, e pode excluir as inundações com origem em redes de esgotos”.

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Enquanto a principal causa das cheias é a precipitação intensa, as cheias são a principal causa das inundações (Rocha, 1998). Porém, para Ramos (2009) referido em Ramos (2013) as inundações devem-se a várias causas e, de acordo com estas, podem ser divididas em vários tipos, nomeadamente, inundações fluviais ou cheias, inundações de depressões topográficas, inundações costeiras e inundações urbanas.

Em Portugal, as inundações devem-se principalmente a cheias lentas dos grandes rios, a cheias rápidas dos rios e ribeiras de pequenas e médias bacias hidrográficas, à subida das águas subterrâneas em locais topograficamente deprimidos, a inundações devidas à sobrecarga dos sistemas de drenagem artificiais nos meios urbanos e a inundações costeiras devidas a galgamentos oceânicos (Ramos, 2013).

As cheias lentas dos grandes rios, normalmente conhecidas como “cheias progressivas”, resultam de longos períodos chuvosos que podem durar vários dias ou semanas e provocam a inundação de uma vasta área. Estas cheias não constituem, geralmente, um perigo para a população (Ramos e Reis, 2001), uma vez que, em países com um sistema de alerta eficaz, existe tempo para retirar pessoas e animais das áreas de inundação conhecidas (Costa, 1986 referido em Saraiva e Carvalho, 2009). Contrariamente, as cheias rápidas são perigosas e mortíferas, tais como as que ocorreram em 1967 e 1983 na região de Lisboa-Cascais, e em 1997 no Alentejo e Algarve, afetam as pequenas bacias de drenagem e são causadas por chuvadas fortes e concentradas. Formam-se ao fim de curtos períodos chuvosos (algumas horas ou minutos) de grande intensidade (Ramos e Reis, 2001). Este fenómeno é caracterizado por uma rápida subida do nível da água e grandes velocidades de escoamento, sendo, por isso, um acontecimento de difícil previsão e que pode causar graves danos. Do mesmo modo, as inundações urbanas em situações extremas podem originar perdas humanas, aquando da ocorrência de situações de grandes volumes de água num curto espaço de tempo e às dificuldades de escoamento da água (Costa, 1986 referido em Saraiva e Carvalho, 2009).

Existem cinco grupos de fatores que podem desencadear cheias e inundações: os climáticos, os marinhos, os geomorfológicos e os hidrogeológicos (Saraiva e Carvalho, 2009), sendo os climáticos o principal fator desencadeante deste fenómeno em Portugal (Ramos, 2013). A ocorrência de inundações em Portugal é influenciada pela sazonalidade das cheias, verificando-se que a maioria das inundações ocorre maioritariamente nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro, ocorrendo apenas uma reduzida percentagem no semestre seco (Rocha, 1993 referido em Rocha, 1998).

Entre 1960 e 2010, as cheias e inundações foram a catástrofe natural mais frequente no território português, correspondendo a 35% do total das catástrofes ocorridas (Figura 2.6). Adicionalmente, constituíram a segunda catástrofe mais mortífera e a segunda que atingiu um maior número de pessoas (Ramos, 2013).

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Figura 2.6 Catástrofes naturais ocorridas em Portugal, entre 1960 e 2010 (Fonte: Ramos, 2013)

Em termos de perdas económicas, as cheias e inundações juntamente com as tempestades são os perigos naturais mais significativos na Europa. Este tipo de desastre natural pode resultar em perdas de vida, pode provocar danos a infraestruturas residenciais e comerciais e, ainda, pode incrementar o risco de poluição da água e, consequentemente, a propagação de doenças (EC, 2013a).

A natureza do impacte das inundações está dependente da vulnerabilidade de uma determinada região, sendo aquela influenciada pelas características socioeconómicas e demográficas e pelo tipo de inundação (EC, 2013a).

Na Tabela 2.1 enumeram-se algumas ocorrências de cheias com maior magnitude e que ocorreram em Portugal continental, abrangendo as grandes e pequenas bacias hidrográficas.

Inversamente a outros perigos de origem meteorológica, como ondas de calor, por exemplo, as cheias e inundações apenas afetam zonas específicas do território, sendo estas denominadas por áreas inundáveis. Neste sentido, é fundamental defini-las e cartografá-las, utilizando uma terminologia comum a todos os agentes envolvidos nas questões inerentes ao risco de cheia e inundação (Ramos, 2013).

De acordo com o Decreto-Lei n.º 239/2012, de 2 de novembro que estabelece o Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional (RJREN), entende-se por “zonas ameaçadas pelas cheias” (ZAC) ou “zonas inundáveis” “as áreas suscetíveis de inundação por transbordo de água do leito dos cursos de água devido à ocorrência de caudais elevados”. O mesmo documento legislativo assevera que a delimitação das ZAC é feita com recurso a modelação hidrológica e hidráulica que permita o cálculo das áreas inundáveis com período de retorno de 100 anos da observação de marcas ou registos de eventos históricos e de dados cartográficos e de critérios geomorfológicos, pedológicos e topográficos. Na delimitação destas zonas podem ser considerados períodos de retorno mais baixos.

No entanto, e apesar da demarcação da Reserva Ecológica Nacional (REN) nos Planos Diretores Municipais (PDM’s) ter, na sua maioria, incluído os leitos dos cursos de água e as ZAC, é necessário reforçar a sua atualização e procederem à elaboração da cartografia de zonas inundáveis, abrangendo

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os perímetros urbanos, sendo este um contributo bastante importante para a correta atuação das autoridades face a situações de emergência (Saraiva e Carvalho, 2009).

De acordo com o Decreto-Lei n.º 115/2010, de 22 de outubro as cartas de zonas inundáveis para áreas de risco cobrem as zonas geográficas suscetíveis de serem inundadas. Acresça-se ainda o facto de as cartas das zonas inundáveis serem uma ferramenta indispensável no processo de demarcação da REN. O Decreto-Lei n.º 364/98, de 21 de novembro estabelece a obrigatoriedade de elaboração de uma carta de zonas inundáveis nos municípios com aglomerados urbanos atingidos por cheias, que integrará os planos municipais de ordenamento do território (PMOT’s).

Tabela 2.1 Cronologia das grandes cheias ocorridas em Portugal continental (Fonte: APA, 2016b)

Ano Hidrológico Localização

1909/10 Rios Lima e Douro

1947/48 Rio Douro, Mondego e Tejo

1949/50 Rio Sado

1954/55 Rio Tejo

1961/62 Rios Mondego e Douro

1962/63 Rio Sado

1965/66 Rios Douro e Mondego

1967/68 Rio Tejo e área metropolitana de Lisboa

1968/69 Rio Mondego

1977/78 Rios Douro e Tejo e Arade

1978/79 Rios Minho, Ave, Douro, Tejo e Guadiana

1981/82 Rio Tejo e área metropolitana de Lisboa

1983/84 Rio Sado e área metropolitana de Lisboa

1987/88 Rio Lima

1989/90 Rios Douro, Lis, Tejo e Gilão

1995/96 Rios Douro, Mondego, Tejo e Guadiana

1997/98 Baixo Alentejo e serra algarvia

2000/01 Rios Tejo, Mondego e Douro

2006/07 Rios Mondego e Tejo

2007/08 Área metropolitana de Lisboa

2.2 As alterações climáticas em ambiente urbano e o agravamento do risco de cheia

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