• Nenhum resultado encontrado

3. Uma nova posição na divisão espacial do trabalho: a expansão do Vetor

3.1. Homogeneização o capital em busca de suas condições reprodutivas

3.1.1. Choque de Gestão e Planejamento Estratégico

Brenner e Theodore (2012) tratam dos momentos destrutivos e criativos da localização neoliberal, o que identificamos como parte do processo de homogeneização. A ideia é que o “neoliberalismo de fato” na cidade é resultado do desmantelamento da estrutura anterior existente e simultânea construção, baseada agora nas exigências do modo de acumulação flexível, mas dependente da trajetória regulatória anteriormente existente. Entre os momentos de destruição estão, entre outros: o desmantelamento de sistemas anteriores de apoio do governo central aos locais; a imposição de austeridade fiscal; desmantelamento de formas burocratizadas e hierárquicas da administração local; eliminação de monopólios públicos para provisão de serviços públicos; eliminação de políticas compensatórias regionais e crescente exposição da economia local à competição internacional. Estes momentos selecionados podem ser ilustrados pela política do choque de gestão aplicada em Minas Gerais a partir de 2003.

Antes de expor um pouco mais sobre o choque de gestão mineiro, cabe destacar seu antecedente, qual seja a reforma administrativa e fiscal realizada pelo governo federal a partir de 1995 e que já pode em si ser apontado como parte do processo de destruição criativa neoliberal em escala nacional. A justificativa da reforma administrativa era a crise fiscal do governo federal e toda ela baseava-se na necessidade de uma pretensa modernização do Estado e mais diretamente pela necessidade de se ajustar às exigências das agências de crédito. Corrêa (2007) cita o plano diretor do então Ministério da Reforma Administrativa do Aparelho do Estado (Mare) como fonte das cinco orientações para a reforma administrativa: introduzir a lógica de resultados do setor privado no setor público; fortalecer carreiras gerenciais e consideradas estratégicas; encorajar a descentralização, delegação e devolução; revisar princípios hierárquicos do funcionalismo público; e reduzir o Estado empreendedor por meio de privatizações (CORRÊA, 2007:491).

Corrêa afirma que esta reforma institucionalizada a partir de 1995 é “o

marco institucional para a promoção de reformas administrativas nos demais entes da Federação”. Destaca, porém, que em Minas Gerais a reforma proposta foi além, com

foco marcante no planejamento estratégico e gestão voltada a resultados (CORRÊA, 2007:492). O choque de gestão se caracterizaria em sua formulação pela priorização de políticas públicas eleitas como estratégicas e pela “reengenharia” do Estado. A intervenção estatal como um todo deveria ser justificada através de planos e baseada fortemente em resultados que seriam acompanhados pelo estabelecimento de um sistema de metas e acordo de resultados pactuado dentro de todos os órgãos públicos. O planejamento estratégico torna-se factualmente a política de governo quando, passando pela aprovação da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), atrela-se esta ferramenta ao orçamento estadual. Isso se dá, primeiramente via Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (PMDI).

O PMDI consolida os planos do novo grupo no poder para Minas Gerais e relaciona as propostas de reforma administrativa e propostas de desenvolvimento econômico, em viés claramente neoliberal. Seguindo o arcabouço da reforma federal de 1995, o plano se direcionava para o enxugamento do aparelho estatal e baseava- se no discurso da eficiência.

O Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado 2003-2020 é o primeiro documento a mencionar a intenção de se desenvolver o entorno do Aeroporto Internacional Tancredo Neves. O item “Aspirações para o Futuro de Minas Gerais a Longo Prazo” apresenta a seguinte passagem sobre a RMBH:

“Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, está o cérebro do Estado, um centro irradiador e aglutinador e um polo de serviços de alta qualidade, com vida cultural exuberante e referência internacional. Os municípios do entorno da capital combinam o crescimento industrial com a preservação ambiental. Próximo ao aeroporto de Confins há um grande centro industrial, com várias empresas de informática e de biotecnologia ao seu redor.”(SEPLAG MG, 2003:75)

Observa-se que há, no estabelecimento da visão de futuro buscada pelo governo estadual para este espaço, a intenção clara de inserir a RMBH nos fluxos mais recentes do desenvolvimento capitalista. Neste primeiro documento, é

destacado brevemente o potencial subutilizado do aeroporto e é indicada a criação de um aeroporto industrial como política pública visando o aumento das exportações e a criação de uma plataforma logística. A partir dele, todas as intervenções realizadas são ancoradas (ou justificadas) por documentos que alimentam o planejamento estratégico encampado pelo governo estadual, em especial as que se relacionam ao desenvolvimento urbano, como vimos na existência dos dois grandes planos que apoiam a ideia de Aerotrópole (O Plano Macro Estrutural e o Master Plan da RMBH, como colocado anteriormente).

O planejamento estratégico aparece também como legitimação do investimento público envolvido neste processo no Vetor Norte da RMBH e, como característico dos discursos de homogeneização, fundamenta-se na ideia de modernidade, na qual, neste momento histórico, o próprio planejamento estratégico é componente. Além disso, o governo de Minas utiliza-se dos planos e diagnósticos como mostra de seu comprometimento com o processo e com os empreendimentos frente os investidores, ao mesmo tempo que justifica os investimentos como necessários, caminhos únicos para o desenvolvimento e modernização do Estado.

O Planejamento Estratégico de Cidades aparece como modelo de gestão do espaço urbano desde a década de 1980. Adequado ao padrão de acumulação neoliberal, coloca o Estado em segundo plano e as cidades como a escala de poder principal, e defende a associação público-privada para provimento de infraestruturas e serviços. A cidade passa a ser enxergada como uma empresa que garantirá receita e provimento de serviços públicos por meio da atração de negócios numa competição contínua com outras cidades, em que o produto a ser vendido no mercado global é o ambiente próprio à instalação de empresas e ao investimento, e outras atividades econômicas capazes de promover o desenvolvimento local (LIMA JUNIOR, 2003).

As atribuições estatais são redefinidas dentro do planejamento estratégico, direcionadas completamente para o provimento de infraestruturas físicas e sociais que estejam voltadas a subsidiar e apoiar novas formas de acumulação de capital, para o espaço e para incentivo ao empreendedorismo, especialmente via desregulação, redução da burocracia e parcerias. Concomitantemente, o Estado se afasta de políticas distributivas e de intervenções que procurem orientar o desenvolvimento econômico em seus termos (SWYNGEDOUW; MOULAERT; RODRÍGUEZ, 2002).

Arantes (2000) aponta as contradições do Planejamento Estratégico e destaca o fato de que o Estado, antes responsável por regulamentar e controlar a cidade, inibindo a especulação, agora atua para desregulamentar e pode até incentivar o desenvolvimento de um mercado especulativo. Essa dinâmica pode ser observada no Vetor Norte da RMBH. Os planos de desenvolvimento econômico, em especial o Plano Macro Estrutural e o Master Plan, apontam a possibilidade de valorização imobiliária como positiva e são, em si mesmos, instrumentos de promoção da área. Mais especificamente, os planos citam empreendimentos privados ainda duvidosos como parte do desenvolvimento local, o que dá a eles credibilidade, abrindo margem para responsabilizações futuras em caso de problemas, como ocorre com o condomínio Reserva Real (item 2.2.13).

Segundo Compans (2005), no modelo do planejamento estratégico os governos atuam investindo na modernização da infraestrutura e cedendo espaço para o setor privado nas atribuições antes estatais, como na provisão e gestão de equipamentos públicos. Ao mesmo tempo, procuram construir um consenso em torno da definição de prioridades estratégicas para investimento enquanto adotam uma racionalidade empresarial. O Choque de Gestão e o Plano Macro Estrutural são utilizados como propaganda da própria eficiência governamental.

A autora também afirma que, na perspectiva dos autores que consideram as cidades como escalas preferenciais de inserção nos circuitos globais da economia, o planejamento estratégico é um mecanismo para escolher os “produtos campeões”, ou seja, as intervenções que comandariam as exportações locais e o desenvolvimento da área (COMPANS, 2005:112). O produto campeão exposto pelo planejamento estratégico mineiro, e que também participa no processo de homogeneização, do território é a Aerotrópole.

Documentos relacionados