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Entre os dias 23 a 30 de junho de 2014 a RSB, principalmente a região entre o RS e SC, houve a ocorrência de um grande acumulado de chuva, conforme mostra a figura 9. A chuva iniciou no dia 23 no noroeste do RS (Figura 9A) e deslocou-se para norte no dia 24 (Figura 9B), concentrando-se na fronteira entre o RS e SC, persistindo nesta região até o dia 27. Os dias 25 (Figura 9C), 26 (Figura 9D) e 27 (Figura 9E) foram os dias em que foram observados os maiores acumulados de chuva em 24 horas, chegando a 70 mm, 80 mm e até 120 mm, respectivamente. No dia 28 a chuva já começava a diminuir e dia 29 a chuva foi intensa, mas se concentrou somente no centro do RS. No dia 30 a chuva diminuiu significativamente. O acumulado total do evento (Figura 9I) foi superior aos 300 mm na fronteira do RS e SC e principalmente nas cidades citadas de Iraí e Chapecó. Além disso, considerando a normal climatológica de 1961-1990 do INMET, o acumulado total corresponde a mais de 120% da normal climatológica na metade norte do RS, oeste de SC e sul do Paraná (PR), com exceção de Iraí e Chapecó, onde o acumulado total corresponde a mais e 300% da normal climatológica.

Figura 9 – Acumulado de chuva em mm de A) - H) entre os dias 23 e 30 de junho de 2014, respectivamente, e I) o total acumulado durante os 7 dias de evento.

4.2 Análise Sinótica

Analisando as condições atmosféricas 48 horas antes do início do evento na RSB, dia 21 às 12 UTC (Figura 10A), é possível visualizar a atuação de um centro de alta pressão sobre o oeste da RSB, junto a uma crista em médios níveis. O giro anticiclônico associado ao centro de alta pressão favorece o transporte de ar relativamente mais quente e úmido de regiões de latitudes mais baixas para as latitudes mais elevadas, refletindo diretamente na espessura da camada, gerando esta crista (Figura não mostrada). Além disso, é possível observar a atuação de dois centros de baixa pressão, um a oeste dos Andes associado a um cavado em fase

em médios níveis com deslocamento para leste, enquanto que o outro se encontra a leste da Patagônia, sobre o OA. No dia 22 e 23, todos os sistemas deslocam-se para leste fazendo com que a borda ocidental da Alta Subtropical do Atlântico Sul (ASAS) atuar sobre a RSB, ocasionando aumentos locais de temperatura e umidade (Figura 10B e 12A). Também há a intensificação do vento em 850 hPa sobre o PAR e norte da ARG, caracterizando a corrente de jato de norte sobre a RSB como Jatos de Baixos Níveis (JBN), de acordo com o critério um de Bonner (1968).

Ainda no dia 23 a ocorrência de chuva esteve associada a convergência de umidade na baixa troposfera (Figura 11A) e altas temperaturas (Figura 12A) devido a circulação do vento na borda oeste da ASAS, bem como movimentos ascendentes no oeste da RSB (Figura 11A), presença da advecção de vorticidade em altos níveis associado a um cavado de onda curta sobre o norte da ARG (dissipando ao longo do dia 23), e por fim a convergência de massa em baixos níveis ocasionado pela aceleração do JBN no norte da ARG, proporcionando a ocorrência de uma difluência em altos níveis (Figura 13A-C). Posteriormente, no dia 24, houve a passagem de um sistema frontal associado ao deslocamento para norte de um ciclone no Sul da AS, localizado em 50°S de latitude e 50°O de longitude (Figura 10C), que provocou acumulados de chuva próximo dos 20 mm (Figura 9B).

Entre os dias 25 e 27, a circulação da borda ocidental da ASAS continua a proporcionar a convergência de umidade nos níveis mais próximos da superfície (Figura 11B-D) e elevação das temperaturas (Figura 12B-D), favorecendo a formação de uma extensa área de pressões relativamente mais baixas sobre as partes central e sudeste da AS, chegando a gerar uma circulação ciclônica fechada na costa da RSB (Figuras 10D-F). Essa configuração foi responsável por fortes chuvas no oeste Catarinense (Figuras 9C-D). É importante destacar que a vorticidade em médios níveis não possui papel destacado nestes dias. Um exemplo é a advecção de vorticidade ciclônica desprezível observada (campo não mostrado).

A partir do dia 27, o cavado em níveis médios começa a influenciar de maneira substancial a atmosfera na camada próxima à superfície, por meio da advecção de vorticidade ciclônica (Figura 14B). O seu lento deslocamento proporciona uma ciclogênese em superfície sobre o oeste da RSB (Figuras 10F-H). Esta ciclogênese gera convergência em baixos níveis (Figura 14A) e consequentemente uma forte difluência em altos níveis (Figura 14B). Além disso, contribui para a continuidade das chuvas intensas sobre a RSB (Figuras 9F-G)

devido à intensa convergência do fluxo de umidade na baixa troposfera (Figura 11D- F), o que levou a um aumento da temperatura potencial equivalente sobre a região (Figura 12D-F). Além disso, pode-se notar uma grande difluência em altos níveis sobre a região de formação da ciclogênese em superfície. A dinâmica dos níveis médios e o aporte termodinâmico na baixa troposfera colaboraram para movimentos ascendentes importantes (Figuras 11D-E), responsáveis pela formação de tempestades nessa região.

Ao final do evento, a partir do dia 30 de junho, o ciclone encontra-se atuando predominantemente sobre o Atlântico (Figura 10I), com a sua borda ocidental transportando ar relativamente mais frio para a região (Figura não mostrada) e apenas chuvas fracas são observadas sobre a RSB (Figura 9I). Também pode ser observado em níveis médios um vórtice ciclônico praticamente em fase com o ciclone em superfície.

Um aspecto interessante a se destacar é a mudança de inclinação do eixo do cavado ao longo dos dias desse evento. Desde o dia 25 de junho, em que é melhor observado, até o dia 27 de junho, ele possui uma inclinação orientada NW-SE. Após o dia 27, a inclinação muda para NE-SO. Essa mudança de inclinação pode contribuir para movimentos ascendentes mais intensos e também tempestades mais severas (MACDONALD, 1976; COSSETIN et al., 2016).

Figura 10 – Campos de pressão ao nível médio do mar (linha cheia) e altura geopotencial (linha pontilhada) às 12 Z para os dias a) 21, b) 23, c) 24, d) 25, e)26, f) 27, g)28, h) 29 e i) 30 do mês de junho de 2014. Ressalta-se que foi aplicado uma máscara sobre os Andes com o objetivo de retirar os ruídos causados pela cadeia de montanhas.

Figura 11 – Campos de convergência do fluxo de umidade integrado na vertical entre 1000 e 700 hPa (10-7 s-1) sombreado e ômega em 500 hPa (Pa s-1) em contorno pontilhado às 12 Z para os dias a) 23,

b) 25, c) 26, d) 27, e) 28 e f) 29.

Figura 12 – Campos de temperatura potencial equivalente (Kelvin) em contorno e vetor vento em 850 hPa às 12 Z para os dias a) 23, b) 25, c) 26, d) 27, e) 28 e f) 29.

Figura 13 – Campos para o dia 23 às 06Z de A) divergência em contorno com linha pontilhada (valores negativos) e linha cheia (valores positivos) com o vento em barbelas para o nível de 850 hPa, B) vento (linha de corrente) e velocidade do vento (sombreado) para o nível de 250 hPa e advecção de vorticidade em contorno com linha tracejada (valores negativos) e linha cheia (valores positivos), e C) imagem de satélite da temperatura realçada.

Figura 14 – Idem a figura 13, mas para o dia 27 às 12Z.

Para verificar mais detalhadamente a interação entre o cavado em níveis médios e o ciclone em superfície foi feito um corte longitudinal da componente meridional do vento tendendo a zero e da vorticidade relativa, onde o vento meridional positivo (negativo) indica vento de sul (norte), indicando assim o eixo do cavado (SILVA JÚNIOR e NUNES, 2017). No dia 26 (Figura 15 A) nota-se que havia vorticidade negativa somente nos níveis mais próximos a superfície, com pouca ou nenhuma interação com os níveis médios, uma vez que o eixo do cavado também não estava presente. No dia 28 (Figura 15 B), é possível visualizar o eixo do cavado a 65°W de longitude e se aproximando da região de atuação do centro de baixa pressão em superfície em 54°W, junto a um aumento significativo da vorticidade se

estendendo da superfície até os níveis médios. No dia 29 (Figura 15 C) é possível notar que o eixo do cavado em níveis médios se encontra sobreposto a região do centro de baixa pressão em superfície, em torno de 53°W, não apresentando inclinação da vorticidade relativa com a vertical, porém sendo possível notar um aumento ainda maior da vorticidade negativa, em relação ao dia anterior, em toda camada atmosférica devido a atuação do cavado.

Figura 15 – Perfil vertical da componente meridional do vento tendendo a zero (m s-1) sombreado e da

vorticidade relativa (s-1) em linha pontilhada para a) latitude de 30S e dia 26 às 06 UTC, b) latitude de

26S e dia 28 às 06 UTC e c) latitude de 30S e dia 29 às 12 UTC.

Para os dias de maior ocorrência de chuva, dias 26 (Figura 9D), 27 (Figura 9E), 28 (Figura 9F) e 29 (Figura 9G), foram feitas seções verticais (Figura 16A – D), onde é possível notar que em todos os dias havia uma circulação ciclônica (linha preta tracejada) devido a inversão dos valores da componente meridional do vento. Junto a isso pode-se notar um significativo movimento ascendente somado a significativos valores de umidade específica em toda camada mais próxima da superfície. A presença destes ingredientes e a persistência dos mesmos favoreceu a manutenção e desenvolvimento das tempestades na região.

Figura 16 – Perfil vertical do vento meridional em contorno com os valores positivos em linhas sólidas e negativos em pontilhado, vetor vento obtido com a componente zonal do vento e a velocidade vertical em m/s (multiplicada por um fator de conversão: 100) e por fim a umidade específica em sombreado em g.kg-1 para a) latitude de 28S e dia 26 às 12Z, b) latitude de 27S e dia 27 às 00Z, c)

latitude 27S e dia 28 às 00Z e d) latitude de 30S e dia 29 às 00Z. A linha preta tracejada indica a posição do ciclone extratropical.

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