• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 INSTRUMENTOS NORMATIVOS NACIONAIS E A

3.2. A CIÊNCIA DA RESTAURAÇÃO: O CONCEITO DE

A restauração de ecossistemas é tema antigo na legislação ambiental no Brasil, já tendo sido tratada na antiga LPVN Brasileiro, Lei nº 4771, de 196531 (BRASIL,

1965). Diante da crescente degradação dos ecossistemas mundiais, a temática tem ganhado cada vez mais espaço na agenda ambiental internacional e nacional, tornando- se objeto de acordos internacionais, leis e decretos nacionais. No Brasil, são diversos os instrumentos normativos que tratam da restauração de ecossistemas, no entanto, o fazem de maneira pouco coesa no que diz à utilização dos conceitos da ciência da restauração. Embora essa seja uma ciência em plena construção, alguns conceitos já se firmaram e devem ser aplicados de forma coerente na legislação vigente, pois estes definirão objetivos, metas e resultados de políticas públicas. Por essa razão, optou-se por fazer uma breve revisão acerca do desenvolvimento da ciência da restauração ecológica e seus conceitos no Brasil.

Rodrigues e colaboradores (2009) dividem o desenvolvimento do conceito, dos objetivos e das metodologias de restauração em quatro fases e propõem outras quatro fases para evolução dessa ciência. Na primeira fase, que se estende até o início dos anos 1980, a restauração se restringia ao plantio de árvores, exóticas ou nativas, sem critérios ecológicos para a escolha e combinação das espécies e sem preocupação com o papel da diversidade na restauração de áreas degradadas. A fase 2, que perdurou até meados da década de 1980, focou nos fundamentos da sucessão ecológica determinística e incorporou a ideia de plantio de árvores nativas brasileiras, embora as “nativas” não pertencessem necessariamente ao mesmo ecossistema a ser restaurado. Nessa fase as espécies foram classificadas em grupos sucessionais segundo suas características biológicas (pioneiras, secundários ou climáxicas) e priorizando-se o plantio de pioneiras. Ainda não havia a preocupação em assegurar a diversidade vegetal, o que foi incorporado na fase 3, a qual perdurou até o início dos anos 2000. Essa fase buscava reproduzir uma floresta-modelo, sem considerar, no entanto, que poderia haver diferentes clímax possíveis numa sucessão ecológica, a depender das diferentes trajetórias de distúrbio da área a ser restaurada. Ainda nessa fase, o plantio de mudas era a método principal de restauração. Na fase 4, considerada a fase atual, agregou-se a

31 A Lei nº 4771, de 15/09/1965 foi revogada pela Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, que instituiu a

68 possibilidade de atuação de fatores estocásticos sobre a trajetória de sucessão e passou- se a considerar o contexto espacial do entorno, de onde viriam as espécies que comporiam a comunidade. Admite-se que os ecossistemas são sistemas abertos e que o processo de sucessão ecológica pode apresentar diferentes direções, abandona-se, assim, a concepção de floresta-modelo e incorporam-se princípios da Ecologia de Paisagens na ciência da restauração. No mesmo sentido Hobbs & Norton (1996) enfatizam a importância de se desenvolver metodologias de restauração que sejam aplicáveis na escala de paisagem, tanto para propósitos de produção quanto de conservação. O foco passou a ser a restauração dos processos ecológicos responsáveis pela reconstrução da comunidade, cuja estrutura e funcionalidade deveriam se manter ao longo do tempo. A partir dessa fase, novas estratégias de restauração além do plantio de mudas, tais como a rebrota de trocos ou raízes, a regeneração natural, banco de sementes, dispersão e semeadura direta passam a ser consideradas.

As fases seguintes são consideradas desafios para o futuro da restauração ecológica e se resumem da seguinte forma: fase 5, incorporação da diversidade genética nos projetos de restauração; fase 6, inserção de outras formas de vida, além das vegetais, aos processos de restauração, fatores que dariam suporte à sustentabilidade da comunidade restaurada; fase 7, inclusão de grupos funcionais, baseando-se em conhecimentos da biologia das espécies e, por fim, fase 8, a qual incorporaria uma visão ecossistêmica do processo de restauração ecológica (RODRIGUES et. al., 2009). Muitos desses outros aspectos da restauração têm sido implementados em alguns projetos de restauração, porém, de forma isolada e experimental, o que ainda não fornece embasamento para aplicação das metodologias em larga escala.

Ao longo da evolução da ciência da restauração alguns objetivos e concepções iniciais foram se alterando de forma a dar espaço para uma visão mais integrada do processo de restauração, a qual privilegia a sustentabilidade da comunidade recuperada, em detrimento da necessidade de se realizar uma cópia fiel da composição de espécies do ecossistema de referência (REIS et al. 2006, apus RODRIGUES at.al., 2009). Por muito tempo o conceito de “restauração” foi usado de forma restrita, significando o retorno à condição original do ecossistema (ENGEL & PARROTTA, 2003). Hoje em dia, o que se procura restaurar em relação aos ecossistemas originais são características de estrutura, biomassa, ciclagem de matéria e energia, o que não significa necessariamente o seu retorno à condição original (NERY et. al. 2013). A concepção de

69 que os ecossistemas podem existir em estados estáveis alternativos, dependendo de sua história, é relevante para a definição de metas de restauração (HOBBS & NORTON, 1996). Nesse sentido a Sociedade Internacional para a Restauração Ecológica (SER) define “restauração ecológica” como:

uma atividade deliberada que visa recuperar aspectos da estrutura e das funções ecológicas de um ecossistema que foi degradado, danificado ou destruído. Um ecossistema é considerado recuperado – e restaurado – quando apresenta recursos bióticos e abióticos suficientes para continuar seu desenvolvimento sem intervenções adicionais (SER, 2004).

Engel e Parrotta (2003) explicam que por muito tempo predominou e ainda predomina o uso do termo “recuperação” em detrimento de “restauração” por se ainda acreditar, erroneamente, que restaurar um ecossistema significa trazê-lo a sua condição original, o que seria quase impossível de alcançar. O termo “recuperação” tem significado mais amplo, e tem sido amplamente utilizado no Brasil para remeter-se indistintamente a aplicação de diferentes técnicas que visam melhorar as condições ambientais de um dado ecossistema degradado (ARONSON et. al., 2011). A “recuperação” normalmente tem objetivos mais simples, como gerar estabilidade do solo ou aumentar a produtividade de local, entretanto, pode também significar uma etapa do processo de restauração ecológica, desde que inclua a preocupação em adicionar diversidade, recuperar processos ecossistêmicos e gerar estabilidade a longo prazo (ENGEL & PARROTTA, 2003), o que seria a opção ideal para promover a conservação de ecossistemas.

A análise do conceito em si é relevante, pois o referencial teórico usado na definição de restauração será o balizador de resultados almejados e de metodologia e monitoramento a serem aplicados em projetos de restauração ecológica (NERY et.al., 2013). Ademais, a observação do desenvolvimento da ciência da restauração é forma de averiguar até que ponto a promulgação de instrumentos normativos acompanha o conhecimento científico disponível até aquele momento.