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2. A DINÂMICA RECENTE DOS FLUXOS FINANCEIROS PARA AS ECONOMIAS

2.2. Os movimentos de liquidez a partir da década de 1990

2.2.1. O ciclo de liquidez do período 1990-1998

Prates e Farhi (2004) mostram que, depois da abertura da Conta Capitais, o primeiro ciclo pronunciado de liquidez dirigido às economias emergentes ocorreu no final da década de 1980 e meados da década de 1990, coincidindo com o início das reformas impostas pelo Consenso de Washington e com a consolidação da supremacia dos mercados financeiros.

A queda da rentabilidade nos países centrais devido à fase descendente do ciclo econômico e financeiro determinou um excesso de liquidez internacional. De acordo com Appy et al. (1995), citado em Prates (1999), o colapso do mercado de Junk Bonds58 nos Estados Unidos em 1989 deixou insatisfeita a demanda dos investidores internacionais por aplicações de alta rentabilidade, o que abriu espaço para os títulos dos países emergentes. Assim, a década de 1990 é caracterizada por ser um período em que os investidores passam a ter maior propensão a investimento em praças de alto risco, principalmente após a redução da taxa básica de juros norte-americana (CINTRA; PRATES, 2005).

Dessa maneira percebe-se que os condicionantes fundamentais do retorno dos fluxos voluntários para as economias emergentes no início da década de 1990 foram os fatores       

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externos (pull factors): a nova dinâmica financeira internacional (comandada pela supremacia dos mercados financeiros) e a conjuntura econômica nos países centrais, ou, mais precisamente, a etapa do ciclo financeiro (contexto de sobreliquidez e queda da rentabilidade dos ativos) (PRATES, 1999).

Além dos condicionantes externos, há a influência secundária dos fatores internos. Um deles é a elevação da rentabilidade financeira (aumento das taxas de juros), sobretudo na América Latina, associada aos planos de estabilização econômica (BAER, 1995). Os processos de privatização e de renegociação da dívida externa antiga dos países nos moldes do Plano Brady, também foram fatores internos que colaboraram para a entrada de recursos nas economias emergentes.

Os elementos mostrados acima, especialmente os fatores externos, foram responsáveis pela fartura dos capitais internacionais das economias emergentes durante década de noventa. Nesse momento, “os países foram inundados pela maré do capital líquido e especulativo que desdobrou do centro para a periferia emergente” (BELUZZO, 1995a).

Foi observada uma saída de capitais dos países centrais para as economias emergentes (sobretudo para a América Latina) em busca de maior rentabilidade, visto que se apresenta um movimento de queda nas taxas de juros norte-americanas. Munhoz e Corrêa (2009) mostram que esses fluxos de capitais estavam vinculados, sobretudo, aos Investimentos em Carteira, que possuem um viés mais especulativo, buscando alta lucratividade e a possibilidade de ganhos de arbitragem. Além disso, foram realizados elevados volumes de Investimentos Direto Estrangeiros, que estavam envolvidos nos processos de privatizações das empresas públicas.

Mas, como argumentam as autoras supracitadas, com o tempo foi-se reduzindo a cautela dos investimentos internacionais bem como dos tomadores de empréstimos das economias emergentes, resultando no aumento da especulação entre ativos e operações mais alavancadas, e numa consequente bolha especulativa nos ativos das economias emergentes.

O primeiro sinal de alerta desse ciclo de expansão ocorreu em 1994 com a crise do México, que coincidiu com um período de sucessivas elevações das taxas de juros norte- americanas. A economia mexicana pode ser vista como a primeira vítima da brusca reversão dos fluxos financeiros internacionais. Esta crise também pode ser considerada a primeira manifestação de contágio dos mercados no contexto de globalização financeira59. Nas semanas que se seguiram à crise do México, os mercados de câmbio, de ações e de títulos dos       

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países emergentes sofreram consideráveis pressões. Apesar de tais pressões terem sido sentidas em regiões longínquas como no território asiático, foram muito mais intensas na América Latina.

Em 1995, após terem sido adotadas as medidas de liberalização comercial e financeira, defendidas pelo Consenso de Washington, a crise mexicana levou um grande número de investidores (nacionais e estrangeiros) a venderem seus ativos (ações e títulos) e a retirar grandes volumes de capitais do conjunto das economias emergentes, principalmente das latino-americanas. Essas reações rápidas e indiscriminadas dos investidores, típicas de movimentos de pânico descoordenados, tornaram-se um dos traços característicos das reversões dos ciclos de liquidez em um contexto de globalização financeira e predomínio das finanças de mercado, a partir de um fato aparentemente localizado (PRATES; FARHI, 2004). Contudo, o impacto da crise mexicana reduziu-se a um sinal de alerta e teve curta duração nos países emergentes, inclusive no Brasil. O nível de liquidez internacional continuou elevado. Em meados de 1995, os capitais externos, sobretudo os de curto prazo, voltaram a se dirigir para as economias emergentes e, em 1996, seu volume já chegava a superar o registrado em 199460.

Em 1997, com a crise asiática, ocorreu uma crise mais aguda que a mexicana. A crise financeira que atingiu drasticamente algumas economias do leste e sudoeste asiático pode ser interpretada de várias maneiras. Mas existe a percepção de que esta possui um eixo comum: o acúmulo de capitais voláteis de curto prazo em relação às reservas disponíveis tornou os regimes cambiais vigentes insustentáveis, provocando intensa onda especulativa e fuga de capital com consequente colapso do câmbio e do preço dos ativos domésticos (MEDEIROS, 2001).

Com o efeito contágio, a crise asiática atinge os outros países periféricos (tanto da própria região asiática, quanto da América Latina) e, assim, inicia-se o fim da fase de alta liquidez para as economias emergentes. Como argumenta Munhoz e Corrêa (2009), pode-se dizer que esta fase se encerra definitivamente com a crise da Rússia em 199861, sendo que depois dela os mercados financeiros entram numa fase de redução de liquidez, período que engloba a crise cambial brasileira em 1999 e as crises da Turquia e da Argentina em 2001/2002. O desinflar da bolha especulativa nas bolsas de valores americanas, que repercutiu       

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Mas assegurar a continuidade dos fluxos de capitais representou um custo adicional para as economias emergentes. Os capitais internacionais passaram a exigir remunerações mais elevadas que as anteriores, diante da elevação na percepção dos riscos.  

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A crise da Rússia estoura no dia 17 de agosto de 1998. O governo Russo anuncia a desvalorização do rublo e uma moratória, que inicialmente teria 90 dias de interrupção nos pagamentos externos. 

nos preços das ações no mundo todo, os ataques de 11 de setembro de 2001 e a revelação de escândalos contábeis em corporações americanas de capital aberto aprofundaram ainda mais a retração dos fluxos de capitais direcionados às economias emergentes62.

Todavia, essa tendência de contração dos fluxos de capitais direcionados às economias periféricas não foi linear. De 1999 ao final de 2002, pequenos ciclos de liquidez alternaram-se com períodos de relativa escassez. Essa dinâmica de ‘feast or famine’, ou seja, abundância ou escassez, caracterizou o mercado internacional de capitais, principalmente os de títulos de dívida que, neste período, constituiu-se na principal modalidade de recursos captados pelas economias emergentes (PRATES; FARHI, 2004).