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2 “OS NORDESTINOS NO RIO E O NORDESTE ABANDONADO” – APOLÔNIO DOS SANTOS EM TERRAS ALHEIAS

2.2 CICLO PRODUTIVO E RELAÇÕES SOCIAIS MOBILIZADAS PELO CORDEL

O contato mais comum da população nordestina com o cordel ocorre, até os dias atuais, em feiras livres, em que os folhetos são expostos a seus possíveis compradores. A venda dos folhetos, entretanto, é apenas a última etapa de um longo processo de produção, que vemos representado a seguir:

Figura 4- Processo de produção do folheto de cordel.

Fonte: Elaborado pela autora. FOLHETEIRO Divulgação, venda e permuta TIPÓGRAFO Impressão e montagem do folheto XILÓGRAFO Concepção e matriz da capa EDITOR Revisão de linguagem e forma CORDELISTA Concepção, execução da obra

A professora Rosilene Melo, escrevendo sobre a Tipografia São Francisco, discute sobre a articulação das atividades que existe durante todo processo de produção (MELO, 2010, p. 79). Não existem funções isoladas. Os sujeitos que participam da elaboração do folheto precisam estar conectados a todo tempo, cada um desempenha sua função, mas ao mesmo tempo participa e colabora na função do outro. O cordelista é a peça chave desse processo, que faz toda articulação das informações para que o produto final tenha coerência e seja apropriado ao tema proposto.

A tipografia é o local de produção, é onde o folheto de cordel passa por todo processo de impressão. O proprietário da tipografia pode ser chamado de tipógrafo, é ele quem coordena e fiscaliza todo trabalho de montagem das matrizes com os tipos, o procedimento de impressão e a montagem dos folhetos. O tipógrafo também poderia, nas décadas de 1960 a 1990, ser editor, como é o caso do proprietário da Tipografia Pontes, José Alves Pontes. Ele não apenas fazia a impressão de muitos dos cordéis de Apolônio dos Santos, como também trabalhava na edição, corrigindo a parte ortográfica e de composição poética, pois ele também atuava como poeta de folhetos de cordéis. A Tipografia Pontes localizava-se em Guarabira na Rua Prefeito Manoel Simões, foi inaugurada em 1960 quando o proprietário José Pontes comprou de Manoel Camilo peças e máquinas. Em entrevista ao professor Maurílio Sousa (2009, p. 153-154), Pontes afirmou que a tipografia funcionou até meados da década de 1980.

Um dos elementos mais importantes do folheto de cordel é a capa, porque ela é a primeira imagem com que o leitor tem contato. Na banca de cordel, os folhetos são expostos de forma que o cliente possa ver todas as capas. Elas, em geral, são compostas pelo título, nome do autor e imagem.

Até 1920, os folhetos de cordéis eram ilustrados através de clichês zincografados, com imagens de revistas e jornais. Eram gravados nas capas dos cordéis sem muita preocupação em harmonizar com o poema do folheto. A partir da segunda década do século XX, é que as tipografias começam a se preocupar em ilustrar a capa do folheto de acordo com o tema abordado. Os editores perceberam que a ilustração chama mais a atenção do leitor e por isso aumenta o número de vendas.

O professor Rodrigo Correia aponta alguns fatores que podem ter contribuído no processo de tornar a xilogravura uma tradição. O excesso de madeira nas

regiões do nordeste; o distanciamento com os novos recursos gráficos para criação de imagens; o baixo custo de produção; e a obra de Mestre Noza, “Via Sacra”, publicada em Paris, que proporcionou a técnica um caráter oficialmente artístico. Para ele, a xilogravura passou a integrar o espaço artístico popular brasileiro, quando ganhou características técnicas peculiares do nordeste. As ilustrações xilogravadas, que são criadas com base na leitura do folheto, quando prontas e impressas nas capas, transmitem em uma linguagem direta entre a mensagem do emissor (o cordelista) e o receptor (o leitor) (CORREIA, 2011).

É nesse contexto que a xilogravura passa a ser inserida nas capas de cordéis, por ser uma arte de confecção barata e passível de encomenda. A Xilogravura é uma arte que, assim como o cordel, tem origens europeias, apesar de a técnica ter surgido na China por volta de século VI. Chegou ao Brasil através dos jesuítas, que a utilizavam na divulgação das imagens dos santos, e foi, ao longo dos anos, se reformulando e ganhando novos significados. Atualmente, a xilogravura está totalmente incorporada ao universo da arte popular nordestina, tanto em parceria com o folheto de cordel como na condição de obra artística independente.

A publicação do cordel passa também pela criação dos meios de divulgação e marketing, que normalmente é feito na quarta capa do folheto. Nesse espaço, habitualmente são indicados os locais de impressão ou venda, informações sobre o autor, sugestões de outros títulos para leitura ou mesmo uma propaganda. Quando o poeta tem uma banca ou barraca fixa de venda dos folhetos de cordéis, ela é chamada de folhetaria e o proprietário da banca de folheteiro e/ou cordelista. Isso significa que nem todo folheteiro é um cordelista, podendo ser apenas proprietário e vendedor na banca; apesar de se constituir em exceções. Mark Curran (2014, p. 10) explica que existem agentes folheteiros com a função apenas de viajar vendendo os folhetos. Em geral, no período em estudo, a folhetaria pertencia ao próprio cordelista.

O cordelista/proprietário da banca cuida da divulgação do seu próprio material, mas também dos folhetos de outros autores, que são adquiridos por meio de permuta. A divulgação não está apenas no escrito da quarta capa, ela também é realizada pelo poeta quando este se comunica e interage com seu público. Por exemplo, existia uma associação entre ser Nordestino e a qualidade do cordel. O cordelista faz questão de falar ao leitor que a originalidade do seu cordel decorre de ser um poeta nordestino. Ele também destaca seu conhecimento, tenta mostrar, a

todo instante, a diversidade de assuntos em sua banca. Muitos cordelistas cantam seus versos como forma de atrair a atenção dos leitores.

O fato do cordelista não ser desenvolto em versar seus poemas em voz alta não desvincula literatura de cordel da tradição oral. Referindo-se ao folheto de cordel Lemaria afirma que “Esse texto impresso é um suporte da voz, da memória”. A construção poética exige a rítmica, a memorização, o improviso, a cantoria, ainda que estes elementos ocorram em silêncio, mentalmente no momento da produção, sem uma performance pública, esses se encontram na passagem do texto oral para o impresso (LEMARIA, 2002). A declamação dos versos é uma estratégia utilizada pelos poetas, que memorizam e cantam em voz alta as primeiras estrofes do folheto, para atrair o leitor-ouvinte e ocultam o final para despertar o interesse e curiosidade. Essa é uma prática comum nas feiras livres da região Nordeste, mas também em centros urbanos, como a Feira de São Cristóvão no Rio de Janeiro, um dos principais locais para realização dessas performances.

2.3 O CORDELISTA APOLÔNIO DOS SANTOS

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