• Nenhum resultado encontrado

Ciclos lunares que sinalizaram professores artistas

2 SEGUNDA LUA

2.2 Ciclos lunares que sinalizaram professores artistas

Compartilhamos a atuação com professores e deparamo-nos com muitos outros, cada um com suas especificidades de formação e atuação, como os professores artistas, termo que uso, de modo geral, no contexto do ensino da arte.

A composição do ser professor com o ser artista, como produtor de arte, não é condicionante para que esse seja reconhecido como um “professor artista”, nas pesquisas que tenho acompanhado sobre este tema.

Os pesquisadores têm validado estudos que fazem referência a esta estreita relação e usam diferenciadas formas de escrita para “professor artista”.

Dentre esses estudos, encontramos o professor artista (LOPONTE, 2006), o artista-professor e o artista-etc. (BASBAUM, 2005; ALMEIDA, 2009; MATTAR, 2010), o artista/professor ou o professor/artista (FÁVERO, 2006; VAZ e OLIVEIRA, 2011), os educadores-artistas, os professores-artistas e o docente artista (CORAZA, 2002; PINEAU, 2010), o docente-artista (FORTE, 2013), o artista/docente (MARQUES, 1999-2012) e o artista-pesquisador- professor (IRWIN, 2013).

Sobre essas grafias do termo, no Formulário Ortográfico (2013), o uso do hífen define o termo como palavra composta formando uma unidade de sentido, enquanto que a barra (/), segundo Luft (1989), indica relações opositivas e de contraste, no sentido de escolha que, também, pode ser utilizada como recurso poético da escrita.

Para que possamos conhecer um pouco deste universo por onde adentraremos, apresentaremos as diferentes formas que cada pesquisador elege para grafar esse termo. Também apresentaremos algumas

considerações a respeito do conceito, sem distinção entre aquelas que consideram o professor que é artista e o professor que não produz enquanto artista visual.

Marcelo Forte, em sua dissertação24, aborda o “professor-artista” e a “docência-artística”, para pensar a formação no campo da docência em artes visuais e se posiciona:

Quando falo de professores-artistas não estou necessariamente abordando o professor da educação formal, que também é artista, inserido no campo institucionalizado das Artes Visuais. Um professor que também é artista, para mim, é aquele que, antes de pensar que técnica utilizar em suas aulas, pensa de que maneira pode afetar seus alunos, se aproximar deles e que se permite inventar e reinventar, a partir de proposições já gastas do ambiente escolar. (2013, p. 37).

O autor não faz distinção entre o professor que é artista ou não, pois, para ele, a ação do professor-artista pode ser uma possibilidade de se instaurar outras práticas que desconstroem as percepções já estabelecidas, a forma como as coisas, os sujeitos e os conhecimentos sempre foram compreendidos. Para o autor, os professores-artistas operam com a poética que está para as

________________

24

Atravessando Territórios: Fazendo-se docente-artista no processo de Formação, na Universidade Federal de Goiás, 2013.

artes e se apropriam dela para pensar a docência nos espaços educativos, incorporada aos planejamentos e ações que inter-relacionam uma instância à outra na materialidade da cultura. (FORTE, 2013, p. 37).

Basbaum (2005), que é um artista brasileiro e professor de Arte da Universidade Federal do Rio de Janeiro, reconhece que prática criadora em arte se desenvolve na interação com um público participante e colaborador. Esse artista apresentou o conceito de „artista-etc.‟, que compreende o trânsito por instâncias outras, o fazer do artista compartilhado com outros fazeres, incorporando outras atuações. Nesse contexto, podem ser apontadas diversas categorias, apesar de o autor observar que esses „artistas-etc.‟ não se configuram facilmente em categorias e, por isso, faz a distinção do vocabulário explicando que:

Quando um artista é artista em tempo integral, nós o chamaremos de „artista-artista‟; quando o artista questiona a natureza e a função de seu papel como artista, escreveremos „artista-etc.‟ (de modo que poderemos imaginar diversas categorias: artista-curador, artista- escritor, artista-ativista, artista-produtor, artista-agenciador, artista- teórico, artista-terapeuta, artista-professor, artista-químico, etc.). (BASBAUM, 2005, p. 01).

Desse modo, o autor evidencia que cada uma dessas categorias pressupõe um sujeito que atua de forma diferenciada, instaurando

questionamentos que emergirão a cada ação articulada, da função de artista, com outras quaisquer combinadas.

O autor explica que o artista-etc. é visto como desenvolvimento e extensão do artista multimídia, do artista intermídia, do artista conceitual, “traz ainda para o primeiro plano conexões entre arte&vida (o „an-artista‟ de Kaprow)25 e arte & comunidades, abrindo caminho para a rica e curiosa mistura entre singularidade e acaso, diferenças culturais e sociais, e o pensamento”. (BASBAUM, 2005, p. 01-02). Nesse texto do autor, é apresentada uma abordagem mais pontual de supostas ações do artista-curador no campo da arte contemporânea, na Documenta26 de Kassel, na Alemanha.

A pesquisa de Almeida (2009) buscou compreender os modos como os artistas-professores experienciam e pensam suas práticas no cotidiano do Ensino Superior. Ela apresenta considerações sobre o ensino de artes visuais e o trabalho de artistas plásticos na condição de professores das graduações. Sobre essa atuação, a autora escreve que

________________

25 Em “The Education of the Un-artist”, partes I, II e III (1971, 1972 e 1974), ele [Krapow] analisa o que é percebido como a morte da arte em favor da própria vida, a emergência do que Kaprow alternativamente se refere como “un-art”, “nonart”, ou “postart,” (ou, o que mais tarde ele se refere como “lifelike art”), a importância de atuar na arte como vida, e os potenciais modelos tecnológicos da pós-arte do futuro. (apud SNEED, 2011, p. 05-06)

26

Documenta é considerada uma das importantes exposições internacionais de arte contemporânea, que acontece a cada cinco anos, na Alemanha.

a relação entre ensino e produção de arte ocorre, em primeiro lugar, nas trocas que acontecem entre uma atividade e outra. Muitas vezes, as questões, as pesquisas, a temática, os materiais e os procedimentos que os artistas-professores desenvolvem em seu trabalho pessoal são levados para a sala de aula. (2009, p.82).

Para a autora, a partir das entrevistas realizadas, o entendimento desses artistas-professores é de que o fazer arte é resultado de muito esforço e dedicação, conhecimento, experiência e trabalho, fundamentando uma proposta de ensino que contemple abordagens teóricas e práticas em processo. Eles são artistas-professores com experiência e atuação compartilhada, sobre os quais ainda paira a ideia de artista como uma figura incomum, e do professor, como um profissional banal. Entretanto, esses artistas-professores

[...] reconhecem a complementaridade entre ensinar e produzir arte; para eles são atividades que se completam, embora cada uma tenha sua especificidade, que não nega a contradição de ser artista e ser professor; [...] o trabalho docente do artista-professor se difere do trabalho dos demais professores, assim como a produção e o ensino da arte se distinguem, mesmo que se complementem. [...] só e possível “ser artista‟ porque “ser professor” garante a sobrevivência do “artista-professor”. (ALMEIDA, 2009, p.150-151).

Nessa relação, a atuação do professor-artista também atende demandas financeiras garantidas pelo vínculo profissional com a instituição de ensino. Em

muitos casos, o reconhecimento e o retorno financeiro para o artista é algo de difícil acesso na sociedade contemporânea brasileira.

Sumaya Mattar (2011) apresenta a ideia de que ambos,

artista e educador, são propositores de experiências com a arte e trabalham guiados por uma intenção. Ambos desenvolvem projetos criadores. Enquanto o artista desenvolve projetos poéticos, o educador desenvolve projetos poético-pedagógicos, igualmente inacabados, que exigem estudo, pesquisa e experimentação. (2011, p. 1163).

A autora aborda a ideia de que o artista e o educador constroem experiências artísticas e estéticas, num processo de produção poética e de ensino e de aprendizagem, que possa ser significativo para os educandos, da mesma forma que possa ser movimentado criadoramente, na produção da arte.

Em se tratando da perspectiva desenvolvida na pesquisa de Fávero e Schmidlin (2008), o artista/professor

[...] é compreendido como propositor e portador de uma necessidade de conhecer algo, que não deixa de ser conhecimento de si mesmo. Ou seja, um corpo criador/um corpo professor, no mesmo corpo. O corpo que, para Edith Derdik (2001, p. 16), é um continente dividido em ilhas de vida vivida que contém certas experiências historicamente legalizadas, mas que, como uma grande colagem,

forma um todo íntegro, coerente, único, coeso, idealizando uma nostálgica experiência de equilíbrio, constitutivo na formação do sujeito. (2008, p. 1050).

Nessa condição de artista/professor, a “formação do sujeito identifica o „ser artista‟ e mobiliza formas de operar com os conflitos e apaziguamentos que também são estabelecidos nas relações do ser institucional. Ao se afastar da prática artística, o artista–professor inibe o movimento criativo gerador de todo o processo pertinente ao ensino de arte”. (FÁVERO, 2007, p. 02).

Segundo a autora, essa proposição é pensada a partir da experiência nos acontecimentos que são reunidos numa relação poético/pedagógica. A proposição, então, se instaura com a necessidade de se problematizar o artista/professor na construção curricular dos cursos de graduação em Artes Visuais, Licenciatura e Bacharelado, do Centro de Artes (CEART) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), para a atuação na contemporaneidade. Fávero compreende a atuação desse sujeito como uma

constante busca de conhecimento que entrelaça convergências com divergências, que surgem durante as ações; ser artista/professor também estimula o processo contínuo de ordenamento e desordenamento da posição artística e acadêmica, fortalecendo seu posicionamento diante do aluno, da organização e da sociedade em que se insere. (SCHMIDLIN; FÁVERO, 2008, p. 1051).

Desse modo, reafirma a necessidade de se repensar a formação docente e artística, como forma de vivência pedagógica e poética, para

explicitar as articulações operadas nessa construção do conhecimento em torno da figura do artista/professor.

São outros olhares sobre os lugares do professor/artista, olhares esses promovidos por ações artísticas capazes de produzir deslocamentos, “pensando de que modos se faz possível deslocar relações dicotômicas, para a promoção de transversalidades entre as experiências vividas”. (VAZ; OLIVEIRA, 2011, p. 1174).

O artigo das autoras Vaz e Oliveira, sobre a formação docente em Artes Visuais e os papéis de professores/artistas, está pautado na cultura visual como forma de mobilizar o pensamento e a aproximação com os processos sociais e a produção artística. Isso feito a partir da arte relacional (BOURRIAUD, 2011), numa perspectiva que extrapola os limites dos espaços institucionais.

A formação institucional, com intensas atividades na pesquisa poética e na qualificação docente, nem sempre constrói um diálogo, em ambos os campos, que seja significativo para a formação do professor/artista. Ao fim, a proposta do professor/artista apresentada pelas autoras é de construir, conjuntamente, relações de aprendizagens, a partir de olhares ampliados sobre a experiência pautada em ações coletivas, para reconceituar o agir no mundo. (VAZ; OLIVEIRA, 2011).

Outro texto que traz a questão da arte relacional é o de Marques (2012), cuja abordagem do “artista/docente” iniciou com reflexões a partir do “artista propositor”, aproximando-se dos conceitos de Lygia Clarck e Hélio Oiticica, que tem o público como aquele que realiza a obra de arte, incorporado nas produções artísticas contemporâneas e sensível às propostas que os projetos anunciam.

Em suas pesquisas e experimentações, a autora percebeu que o conceito de artista propositor “não dava conta do que acreditava em termos de educação: buscava um artista propositor consciente de sua função educacional, um artista propositor educador ou, o artista/docente”. (MARQUES, 2012, p. 30). Para Marques,

artista-docente é aquele que, não abandonando suas possibilidades de criar, interpretar, dirigir, tem também como função e busca explícita a educação em seu sentido mais amplo. Ou seja, abre-se a possibilidade de que processos de criação artística possam ser revistos e repensados como processos explicitamente educacionais. (2012, p. 112).

A autora atribui ao artista/docente a condição de propositor que produz arte e educa ao mesmo tempo, num hibridismo que lança um convite para a atuação artística e para o educar em conjunto. Isso sendo feito em um processo de aprendizagem compartilhada juntamente com diálogos múltiplos.

A partir de outros escritos, a professora e pesquisadora Corazza, embasada nos Estudos Culturais, articula a Pedagogia Cultural com mudanças na prática e na formação do educador. No artigo que apresenta “Contribuições de Deleuze e Guatarri para a pesquisa em educação”, cita os “educadores- artistas” e “professores-artistas”, que

[...] são tomados em segmentos de devir-simulacro, cujas fibras levam deste devir a outros, transformam estes devires naquele, atravessam limiares de poderes, saberes, subjetividades. (...) quando os professores-artistas compõem, pintam, estudam, escrevem, pesquisam, ensinam, eles têm apenas um único objetivo: desencadear devires. (2012, p. 07)

Nesse estudo da autora, também são citados os “pedagogos-artistas” e os “professores-pedagogos-educadores-artistas”, que “invocam uma zona objetiva de indeterminação ou de incerteza, comum e indiscernível, na qual não se pode dizer onde passam as fronteiras de uns e de outros”. (CORAZZA, 2012, p. 08).

Pineau apresenta pinceladas críticas sobre a concepção de professor- artista e professor-ator. Sua pesquisa tem o foco nas “poéticas educacionais”, portanto, salienta conexões entre poética, representação (performance), processo e poder, numa atuação baseada na dimensão criativa e construída na prática pedagógica, mutável e contínua, a partir da negociação com os

educandos acerca das formas de conhecer. A atuação do professor-artista “salienta as dimensões estéticas do ensinar e aprender, o contínuo fazer e refazer de ideias e identidades no espaço compartilhado da sala de aula”. (PINEAU,2010, p. 98)

Dialogando com essa autora, Rachel escreve que o professor-artista

possui o potencial de transformar o espaço da sala de aula em um local menos opressor ao abrir espaços que não se limitem a hierarquias entre quem ensina e quem aprende. A arte e o artista podem se fazer presentes na sala da aula e promoverem uma ressignificação do espaço ao estimular e dar vazão ao desejo, ao sabor/saber estético, à multiplicidade de concepções que podem ser geradas a partir da práxis artístico-pedagógica. (2014, p. 54).

As autoras destacam o cuidado que devemos ter com as categorizações que podem fragilizar, tanto a experiência educacional, quanto a experiência artística. Isso pode acontecer a partir de uma interpretação reducionista baseada na novidade e no sucesso da lógica do entretenimento.

Loponte apresenta a pesquisa baseada na “formação docente, tendo como foco a arte e a experiência estética, possibilitando práticas de arte, criação e invenção da própria docência” (LOPONTE, 2006, p. 07), para compor o que chamou de “docência artista”. Nesse sentido, a experiência artística é considerada estando intrínseca à própria docência, e o professor não precisa ser artista, para ser considerado “docente artista”.

“Reviver a experiência do criar na formação docente, invenções de si mesmo na docência, criar „obras de arte‟ em práticas pedagógicas” e inundar os modos de constituir-se como docente, são considerações da autora sobre a potencialidade da arte e da experiência estética. Isso tudo na busca para instabilizar as certezas da docência em artes como de qualquer outra área, abrindo espaços de criação na docência como “invenção de si”, no cotidiano dos professores. (LOPONTE, 2006, p.12).

Nessas considerações, o professor cria formas inventivas de experienciar esteticamente na sua prática pedagógica, de modo a perceber-se enquanto docente que movimenta deslocamentos. Isso tudo a fim de produzir maneiras de pensar a educação estética em artes.

Irwin apresenta o conceito de A/r/tografia (A/r/t = artist – researcher – teacher), que inclui o professor artista também como pesquisador. Conceito esse, como indicativo do trânsito pela criação, pela ação e pelo conhecimento.

Artista-pesquisador-professor são habitantes dessas fronteiras ao re- criarem, re-pesquisarem e re-aprenderem modos de compreensão, apreciação e representação do mundo. Abraçam a existente mestiçagem que integra saber, ação e criação, uma existência de fluxo entre intelecto, sentimento e prática. Obras de arte criadas nessa terceiridade sustentam uma grande promessa já que tentam integrar todas essas características e, como resultado, oferecem uma experiência estética para os que são testemunhas dessa profunda integração. Talvez seja na „produção‟ de nosso trabalho como artistas-pesquisadores-professores quando começamos a nos questionar sobre como temos ensinado e como os métodos tradicionais precisam da vida e de viver. Eles aspiram por um significado mais evidente, desejam criar, e eles almejam suas próprias expressões de certeza e de ambiguidade. (2008, p. 91).

Esse artista-pesquisador-professor, trafegando por lugares que não são definidos por linhas de contorno, mas por margens dispersas, que promovem a mestiçagem – na experiência estética, na criação poética e nos processos educativos – podem problematizar o que tem sido produzido nesses espaços transitados e compartilhados.

Ao fim, formas de pensar, falar e agir para constituir-se como professor e artista, produtor ou não de arte, foram apresentadas pelos pesquisadores aqui elencados. Essas ideias sinalizam uma parte do que já tem sido abordado nesse campo e nos oferecem subsídios, para que possamos pensar o educadorartista, sua formação e sua atuação.

Definir os limites do lugar de educador e do lugar do artista não demanda resposta. Isso acontece porque o interesse desse estudo não está

em responder, mas sim em compreender as problematizações como forma de pensar os entre-lugares ocupados na experiência e na atuação do educadorartista, sem demarcação de linhas de contorno.