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CAPÍTULO 2 – AGENTES SOCIAIS CONSUMIDORES E

3.2 Cidadania e democracia: o que a geografia tem a considerar sobre esse par

Inicialmente, é importante esclarecer a premissa adotada no título dessa secção: boa parte do levantamento bibliográfico consultado nas reflexões aqui tratadas aponta tal relação entre cidadania e democracia enquanto um duplo condicionamento. Quando são apontadas uma cidadania sem democracia (muitas vezes sinônimo de participação parcial ou condição

72 A esse respeito, Teixeira; Machado (1986, p. 67) comentam que “uma cidade é um conjunto de bairros, cada um com fisionomia própria, resultante da sua função, de seus habitantes e de sua idade. Todos esses bairros, mais ou menos integrados entre si, formam a cidade. Um bairro urbano tem uma feição que só a ele pertence, uma vida particular, uma alma”. Soares (1990, p. 120) também é precisa em suas colocações: “não se pode compreender uma cidade sem analisar os seus bairros, mas ao estudarmos um bairro temos sempre que ter em mente a cidade a que ele pertence”.

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cívica) ou uma democracia sem cidadania (muitas vezes sinônimo de representação ou “vontade da maioria” inconsciente), tais relações são vistas como incompletas, irregulares ou injustas do ponto de vista social ou político73. Tal relação é discutida por Bauman (2013, p. 21)

Uma das chagas mais evidentes dos regimes democráticos é a contradição entre universalidade formal dos direitos democráticos (garantidos de modo igual a todos os cidadãos) e a capacidade nem tão universal de seus portadores de exercer de fato esses direitos; em outras palavras, a brecha entre a condição jurídica de um “cidadão

de jure” e a capacidade prática de um “cidadão de facto – brecha que, em teoria,

seria superada por indivíduos que entregam suas capacidades e recursos próprios, dos quais, contudo, eles podem não dispor –, o que ocorre num enorme número de casos.

As relações entre Estado e sociedade civil, bem como os problemas decorrentes e conhecidos nos meios midiáticos como corrupção e concentração de poder também atuam enquanto fatores determinantes dessa relação. Ao analisar a expressão “sociedade civil”, Bobbio (2010) aborda três acepções: sociedade civil seria o que sobrou após uma boa delimitação do poder estatal; a sociedade civil resultaria nos contra-poderes e nas resistências, nas reações contra a dominação, nas lutas por emancipação; e a terceira acepção, que evoca o fim do estado, a dissolução do poder político e a reabsorção da sociedade política pela sociedade civil, nos moldes gramscianos. Nesses termos, a sociedade civil

é o lugar onde surgem e se desenvolvem os conflitos econômicos, sociais, ideológicos, religiosos, que as instituições estatais têm o dever de resolver ou através da mediação ou através da repressão. Sujeitos desses conflitos e portanto da sociedade civil exatamente enquanto contraposta ao Estado são as classes sociais, ou mais amplamente os grupos, os movimentos, as associações, as organizações que as representam ou se declaram seus representantes; ao lado das organizações de classe, os grupos de interesse, as associações de vários gêneros com fins sociais, e indiretamente políticos, os movimentos de emancipação de grupos étnicos, de defesa dos direitos civis, de libertação da mulher, os movimentos de jovens etc (BOBBIO, 2010, p. 35-36).

A dialética entre cidadania e democracia se justificapelas dinâmicas e transformações no decorrer do processo sociohistórico, ao passo que as democracias do mundo atual, além de variarem nos tipos, também se diferenciam nas idades, com, inclusive, momentos de ruptura (como ditaduras, estados de sítio ou de exceção) e de mudança (maior ou menor capacidade de participação, novas demandas quanto às políticas públicas). Relacionando política, democracia, cidadania e seus limites, Bauman (2000, p. 12) reflete sobre seu estado de arte

A arte da política, se for democrática, é a arte de desmontar os limites à liberdade dos cidadãos; mas é também a arte da autolimitação: a de libertar os indivíduos para capacitá-los a traçar, individual e coletivamente, seus próprios limites individuais e coletivos. Esta segunda característica foi praticamente perdida. Todos os limites

73 Desigualdades, vulnerabilidades, desestabilizações e contestações estão entre as consequências de uma cidadania democrática, segundo Holston (2013).

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estão fora dos limites. Qualquer tentativa de autolimitação é considerada o primeiro passo no caminho que leva direto ao gulag, como se não houvesse nada além da opção entre a ditadura do mercado e a do governo sobre as nossas necessidades – como se não houvesse lugar para a cidadania fora do consumismo. É nessa e só nessa forma que os mercados financeiro e mercantil toleram a cidadania. E é essa forma que os governos do dia promovem e cultivam.

O processo de construção histórico-geográfica brasileira é famoso ao apresentar diferentes padrões ou níveis de cidadania74, tanto em escalas e como em contextos local- regionais: um objetivo implícito desse trabalho consiste em apontar a geografia, a dimensão espacial dessas manifestações. Uma proposição ou caracterização da cidadania vem de Oliveira (1999, p. 117)

Entendemos cidadania como uma dada condição humana – de consciência política e social – que traz em si um ideal de bem-estar e felicidade que tem variado historicamente, de acordo com a diversidade das culturas. Como elementos desta condição temos: a participação e o nível de consciência política, o grau de igualdade ou equidade, o grau de liberdade, o nível de garantia de um conjunto de direitos, o grau de acessibilidade a bens, serviços e equipamentos sociais. O cidadão é, então, o indivíduo normatizado, ou seja, vivendo sob normas, conformadas pelo desenvolvimento material e cultural da sociedade a que pertence, acordadas por um contrato social (estatuto de direitos e deveres) e ajuizadas e reguladas pelo Estado. Portanto, a cidadania depende da condição material e cultural que possui um indivíduo, concebida como herança histórica, da posição social que ele ocupa na sociedade em questão e do nível de participação nas decisões que definem os seus rumos nas diferentes escalas social e geográfica, da comunidade local ao poder do Estado nacional.

A cidadania, como é concebida atualmente, passa por um processo de desconstrução, seja quanto à sua ideia original, seja quanto aos processos que a construíram no decorrer da história humana. A falta de rigor quanto a sua definição e ao seu exercício, resultou em uma desconfiança quanto a sua potencialidade ou mesmo uma transfiguração: o cidadão hoje, para além de seus direitos e deveres, passou a ser aquele que consome, que tem acesso a um conjunto de bens, status ou qualidades “diferenciadas”. O processo de empoderamento do cidadão se tornou desigual sob essas circunstâncias (HOLSTON, 2013). Tal transfiguração já tinha sido apontada por Santos (1987) quando da elaboração da Constituição de 1988. Na ocasião, o autor apontava e perguntava se havia cidadãos neste país. Talvez seja essa outra reflexão para a discussão. Como aponta Oliveira (2011, p. 184), o trabalho com a cidadania deve ser pensado em suas possibilidades

Não basta mais reconhecer a importância da temática da cidadania para a Geografia e o papel que o espaço e o território jogam nesse nexo político, ou mesmo a insuficiência do conceito de cidadania como potencial transformador da sociedade, é necessário, mais do que caminhos teórico-conceituais para a questão, que busquemos possibilidades metodológicas de compreensão/análise da realidade e

74 Ver, entre outras perspectivas, Carvalho (2011), Houston (2013), Santos (1987) e a obra organizada por Botelho; Schwarcz (2012).

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construção do conhecimento em nossa disciplina para, a partir daí, contribuir para a elaboração individual e coletiva de projetos futuros.

A cidadania no Brasil75 foi muitas vezes restrita a uma minoria, dos tempos em que para se votar era necessário apresentar dada renda até tempos recentes, quando nos chamados “anos de chumbo” da Ditadura Militar, o voto era uma coisa quase irrelevante no contexto do poder centralizado. É curioso – mas não surpresa – que, em pleno do século XXI, o Estado e outros grupos hegemônicos defendam a cidadania e democracia através do voto76, quando o resultado obtido muitas vezes é a reprodução de um contexto político continuísta e retrógrado, como o que se tem aqui na região Nordeste, e com uma cidadania negada e alienada como um dos traços marcantes. Houve casos como a cidadania regulada pós-1930, apontada por Wanderley Guilherme dos Santos (1987, p. 68), relacionando a condição ocupacional e a cidadania

Por cidadania regulada entendo o conceito de cidadania cujas raízes encontram-se, não em um código de valores políticos, mas em um sistema de estratificação ocupacional, e que, ademais, tal sistema de estratificação ocupacional é definido por norma legal. Em outras palavras, são cidadãos todos aqueles membros da comunidade que se encontram localizados em qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas em lei. A extensão da cidadania se faz, pois, via regulamentação de novas profissões e/ou ocupações, em primeiro lugar, e mediante ampliação do escopo dos direitos associados a estas profissões, antes que por expansão dos valores inerentes ao conceito de membro da comunidade. A cidadania está embutida na profissão e os direitos do cidadão restringem-se aos direitos do lugar que ocupa no processo produtivo tal como reconhecido por lei. [...] A associação entre cidadania e ocupação proporcionará as condições institucionais para que se inflem, posteriormente, os conceitos de marginalidade e de mercado informal de trabalho, uma vez que nestas últimas categorias ficarão incluídos não apenas os desempregados, os subempregados e os empregados instáveis, mas, igualmente, todos aqueles cujas ocupações, por mais regulares e estáveis, não tenham sido ainda regulamentadas.

A cidadania vem sendo colocada sob a égide do capitalismo líquido parasitário (BAUMAN, 2010) em uma condição consumista, nos moldes do que Milton Santos denunciava na passagem do cidadão imperfeito ao consumidor mais-que-perfeito. Contudo, o próprio eleitor exaltado enquanto cidadão nos processos eleitorais não é necessariamente um cidadão (até porque, como se verá adiante, o direito ao voto e a participação nas eleições constitui apenas uma das facetas da cidadania entre outros direitos). Como assinala o autor,

O consumidor não é o cidadão. Nem o consumidor de bens materiais, ilusões tornadas realidades como símbolos: a casa própria, o automóvel, os objetos, as coisas que dão status. Nem o consumidor de bens imateriais ou culturais, regalias de

75 Uma obra de referência para se discutir a história da cidadania no contexto brasileiro é a de Carvalho (2011). 76 Ao discutir o avanço da cidadania no contexto brasileiro, bem como as novidades do processo de urbanização, Holston (2013, p. 150) apontou uma consciência de participação dos cidadãos desfavorecidos: “um novo tipo de argumento a favor da participação entre esses novos cidadãos urbanos: eles começaram a raciocinar que, embora pobres, tinham na verdade estabelecido ‘verdadeiros interesses’ no Estado-nação como construtores da cidade, contribuintes e consumidores modernos”.

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um consumo elitizado como o turismo e as viagens, os clubes e as diversões pagas; ou de bens conquistados para participar ainda mais do consumo, como a educação profissional, pseudo-educação que não conduz ao entendimento do mundo. O eleitor também não é forçosamente o cidadão, pois o eleitor pode existir sem que o indivíduo realize inteiramente suas potencialidades como participante ativo e dinâmico de uma comunidade. O papel desse eleitor não-cidadão se esgota no momento do voto; sua dimensão é singular, como o é a do consumidor (SANTOS, 1987, p. 41).

Além da associação entre cidadania e consumismo, ou, ainda, entre cidadania e status trabalhista/acesso ao mercado formal de trabalho, também surgem debates envolvendo as possibilidades dessa condição – enquanto emancipação política – frente à emancipação humana, mediante possibilidade de superação da ordem social capitalista vigente (TONET, 2011). Contra essa última oposição, concorda-se aqui com a proposta de Harvey (2014, p. 271) de complementação, e não de antagonismo, entre as lutas. Segundo o autor,

O universo da cidadania e dos direitos, em algum corpo político de natureza superior, não se opõe necessariamente ao das classes e da luta. O cidadão e o camarada podem marchar juntos na luta anticapitalista, mesmo que muitas vezes trabalhem e escalas distintas. Mas isso só pode acontecer se nos tornarmos, como já insistia Park há muito tempo, mais “conscientes da natureza de nossa tarefa”, que é construir coletivamente a cidade socialista sobre as ruínas da urbanização capitalista destrutiva. Esse é o ar da cidade que pode tornar as pessoas verdadeiramente livres. Isso, porém, implica uma revolução no pensamento e nas práticas anticapitalistas. Há também na literatura sobre o tema uma recorrente abordagem sobre os elementos que comporiam a cidadania, baseados na obra – hoje clássica na discussão do tema – de Marshall. Para o autor, a cidadania seria composta dos elementos civis, políticos e sociais, como caracterizados a seguir

O elemento civil é composto dos direitos necessários para a liberdade individual – liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos, e o direito à justiça. Este último difere dos outros porque é o direito de defender e afirmar todos os direitos em têrmos de igualdade com os outros e pelo devido encaminhamento processual. Isto nos mostra que as instituições mais intimamente associadas com os direitos civis são os tribunais de justiça. Por elemento político se deve entender o direito de participar no exercício do poder político, como um membro de um organismo investido de autoridade política ou como um eleitor dos membros de tal organismo. As instituições correspondentes são o parlamento e conselhos de Gôverno local. O elemento social se refere a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade. As instituições mais intimamente ligadas com êle são o sistema educacional e os serviços sociais (MARSHALL, 1967, p. 63-64).

Respeitando os limites de tal definição, seu contexto inglês e tomando cuidado para não adotar um possível “modelo evolucionista”, sobretudo no caso brasileiro, o que fica evidente nas ideias de Marshall é a proposta de cidadania enquanto processo/construção por parte da luta dos trabalhadores por direitos e melhorias de vida (aspectos bem defendidos por, entre outros, COUTINHO, 2008a). O que não implica uma sobreposição ou “harmonia” entre

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os elementos/direitos, cada um atuando no jogo de forças que compõem a cidadania de cada contexto. Sobre o contexto brasileiro, Carvalho (2011) aponta que primeiro vieram os direitos sociais, implantados durante a era Vargas. Depois vieram os direitos políticos, de maneira talvez bizarra: a maior expansão do direito do voto se deu na ditadura militar enquanto alegoria do próprio regime. Finalmente, ainda hoje muitos direitos civis, a base da sequência de Marshall, continuam inacessíveis à maioria da população. A ordem foi inversa à do autor inglês.

Em espaços-tempos cuja categoria de classe social tem dado lugar à novos movimentos de reivindicação e grupos sociais diversos inseridos na classe trabalhadora (o que se traduz, de um lado, em uma fragmentação da classe e, de outro, em um processo de complexificação da sociedade como um todo, dependendo de quem analisa), Sorj (2004, p. 31) aponta as lutas por direitos nesse início de século e mudanças na interpretação de Marshall

Nesse início de século XXI, no lugar do modelo de Marshall, de um conjunto de formas de cidadania que vão se acumulando, o que se apresenta é um processo bastante diferente, de implosão de direitos, com a transformação dos direitos civis e políticos pela inclusão de novos sujeitos sociais (gênero, crianças, minorias sexuais), o surgimento de novas esferas de direitos (como ecologia, reprodução, informação) e uma constante mutação (e por vezes declínio) de direitos sociais aparentemente consolidados, em particular os ligados ao mundo do trabalho.

Na concepção de Holston (2013), ao analisar questões da cidadania no contexto brasileiro, esta seria dialeticamente situada entre as trincheiras diferenciadas de classes e grupos sociais, e as insurgências de um cotidiano histórico. Segundo o autor, a cidadania na contemporaneidade se desenvolve em montagens de formas entrincheiradas e insurgentes, numa relação conflituosa e geralmente perigosa, pois as formações históricas dominantes simultaneamente produzem e restringem possíveis formulações ao contrário. Como se poderia prever, o insurgente irrompe nos mesmos lugares que sustentam o entrincheirado, mas sob circunstâncias alteradas.

Partindo do exposto, cidadania não seria “apenas” um status, mas uma prática, uma construção, e enquanto tal, demanda uma territorialidade, esta jamais fruto do acaso e sempre contextualizada. Se as formulações de Marshall datam da metade do século XX, hoje, com o advento do neoliberalismo77 como fase atual do capitalismo, a cidadania passou por mudanças e questionamentos, sobretudo quanto ao seu alicerce, o Estado de bem-estar social. Este, aqui

77 Partindo de uma análise dos direitos sociais na obra de Marx, Coutinho (2008a) aponta que as medidas neoliberais atuam sobre tais direitos na medida em que eles impõem limites à lógica do mercado, favorecendo o trabalho em sua luta para com o capital. Colocado enquanto direitos da classe trabalhadora, o neoliberalismo limita e suprime, para manter as taxas/ritmos de lucratividade.

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situado enquanto agente mediador e associado à manutenção do status quo, sem, contudo, estar atrelado à imagem de comitê burguês em absoluto: o Estado – partindo de um viés gramsciano – manifesta um conjunto de interesses, com seus respectivos conflitos e práticas muitas vezes representantes de uma hegemonia que se dá além das condições socioeconômicas, mas também sob dimensões cultural e política. O Estado constitui junto ao capital lógicas onde os direitos e a cidadania se inserem, como aponta Harvey (2013b, p. 194), junto à territorialidade e sua soberania

Os direitos se reúnem em torno de duas lógicas dominantes do poder – a do Estado territorial e a do capital. Por mais que desejemos que os direitos sejam universais, é o Estado que os tem de pôr em prática. Quando o poder estatal não tem vontade política, as noções de direitos permanecem vazias. Logo, os direitos são derivados da cidadania e por ela condicionados. Então, a territorialidade da jurisdição se torna um problema a considerar. E um problema biunívoco: surgem questões difíceis por causa de pessoas não membros de Estados, imigrantes ilegais etc. Quem é e quem não é “cidadão” vem a ser uma grave questão que define princípios de inclusão e exclusão na especificação territorial do Estado. A maneira de o Estado exercer soberania com relação a direitos também é uma questão objeto de contestação, mas as regras globais implícitas na acumulação neoliberal do capital impõem limites a essa soberania (como a China vem descobrindo).

O Estado hoje é concebido sob uma perspectiva integradora, em que classes e grupos sociais interagem e onde os conflitos em uma determinada área podem não consistir enquanto consenso ou ditame para as demais. Quando o Estado é questionado quanto aos limites e “reduções” na internacionalização da economia, os direitos que constituem a cidadania também entram em discussão respeitando as particularidades dos contextos ainda nacionais

A redução do poder do Estado afeta a natureza dos antigos direitos, sobretudo dos direitos políticos e sociais. Se os direitos políticos significam participação no governo, uma diminuição no poder do governo reduz também a relevância do direito de participar. Por outro lado, a ampliação da competição internacional coloca pressão sobre o custo da mão de obra e sobre as finanças estatais, o que acaba afetando o emprego e os gastos do governo, do qual dependem os direitos sociais. Desse modo, as mudanças recentes têm recolocado em pauta o debate sobre o problema da cidadania, mesmo nos países em que ele parecia estar razoavelmente resolvido (CARVALHO, 2011, p. 13).

Refletindo sobre a efetividade/plenitude da cidadania, outro debate importante sobre cidadania diz respeito às suas possibilidades passiva e ativa. Segundo Coutinho (2008a, p. 60) “a primeira Constituição que emerge da Revolução Francesa, a de 1791, que expressa a hegemonia dos liberais, consagrou legalmente essa distinção entre ‘cidadão ativo’ e ‘cidadão passivo’”, distinção essa entre o usufruto dos direitos de voto e civis. Contudo, o próprio autor argumenta que a cidadania plena incorpora os direitos civis, mas vai além deles. Da discussão entre cidadania, democracia e o usufruto de espaços para criação de direitos, Vieira (2009) comenta que a cidadania, em acordo com a democracia, se constrói a partir de espaços de luta e instituições para sua expressão cotidiana, significando necessariamente conquista e

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consolidação social e política. A cidadania passiva (e aqui poderíamos até questionar essa expressão, quando da negação da cidadania), outorgada pelo Estado, se diferencia da cidadania ativa, na qual o cidadão, portador de direitos e deveres, é essencialmente criador de direitos para abrir novos espaços de participação política.

Associando tal uso de espaços para criação de direitos e participação política, pode-se aqui estabelecer um diálogo entre os espaços citados pelo autor anterior com o conceito de espaço político adotado por Castro (2012, p. 66-67)

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