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A cidadania nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica

As atuais Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica – DCNEB se baseiam no direito da pessoa ao seu pleno desenvolvimento, à preparação para exercer a cidadania e à qualificação para o trabalho, como já vimos definido na Constituição Federal e na LDB. O artigo 1º dessas diretrizes reforça essa ideia na vivência e convivência em ambiente educativo, enfatizando a responsabilidade do Estado, da família e da sociedade brasileira, o que, por vezes, exige a consciência cidadã para usufruto dos direitos e plenitude do desenvolvimento.

Ao longo de todo o texto da Resolução nº 4/2010, que regulamenta as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica, evidencia-se o compromisso de

embasar o processo pedagógico nos fundamentos da cidadania. O que nos leva a questionar no presente trabalho, a formação do cidadão ativo, questionador, sujeito que interage com o meio em que vive, que exerce em plenitude ações cidadãs, que nos espaços escolares vivencia aprendizagens significativas dimensionadas à sua totalidade enquanto sujeito, à plenitude humana.

Para enfatizar a abordagem quanto à cidadania nas diretrizes, apontamos algumas considerações relevantes do corpo do texto da própria resolução. No artigo 3º o “papel indicador de opções políticas, sociais, culturais, educacionais, e a função da educação, na sua relação com um projeto de Nação, tendo como referência os objetivos constitucionais, fundamentando-se na cidadania e na dignidade da pessoa” (BRASIL, 2010, p.01) evidencia, segundo Alves e Locco (2009), que as Diretrizes são indicativas, mandatórias, cabendo aos sistemas de ensino e às instituições educacionais planejar o trabalho com práticas pedagógicas fundamentadas na cidadania, com ações que corroborem a democracia, processos que possibilitem a reflexão crítica, consciente, fundamentada nos princípios sociais, constitucionais, na historicidade.

Entendemos que o projeto de nação constante no artigo 3º, abrange um ideal para o país, não uma determinação, que seria utópica. Para configurar esse ideal precisam ser levadas em consideração as normas da CF de 1988, a própria cidadania e princípios como a igualdade, a liberdade, a solidariedade, a sustentabilidade, o respeito, a justiça social, a diversidade, entre outros. Os responsáveis são então aqueles que estão diretamente ligados ao projeto nacional de educação, a saber: poder público, família, sociedade e escola.

A inter-relação dos artigos supracitados acontece na reflexão sobre trabalho e educação, onde Arroyo (1998) afirma incentivar a pedagogia e a todos nós a buscarmos uma visão articulada e densa da teoria do educativo, superando o praticismo dos receituários sobre como ensinar para entendermos melhor o que é educar. Essa reflexão nos leva a questionar: O profissional, atuante na educação básica, quanto a consciência e possibilidade, em meio às práticas diárias, tende a discutir sobre os caminhos de seu trabalho? A relação trabalho e educação está sendo pensada frente à complexidade contemporânea da sociedade? Buscamos na própria resolução indícios para responder as indagações levantadas.

Para a garantia do padrão de qualidade, com pleno acesso, inclusão e permanência na escola, com redução da evasão, retenção e distorção idade/ano/série o artigo 8º assevera resultar na qualidade social da educação, que é uma conquista

coletiva de todos os sujeitos do processo educativo. O envolvimento coletivo é reforçado ao longo da resolução, que fundamentando-se na cidadania, objetiva disseminar a ideia de civilidade ativa, de cidadãos partícipes e conscientes.

Uma preocupação advém da reflexão de Dayrell (2007) ao lembrar que só a partir da década de 1990 com a expansão da educação, as escolas passam a receber um contingente cada vez mais heterogêneo de alunos, marcados pelo contexto de uma sociedade desigual, com altos índices de pobreza e violência, que delimitam os horizontes possíveis de ação dos jovens na sua relação com a escola. Esses jovens trazem consigo para o interior da escola os conflitos e contradições de uma estrutura social excludente, interferindo nas suas trajetórias escolares e colocando novos desafios à escola. Antes disso a elitização da educação era marca do cenário nacional.

Ao mesmo tempo, ocorreu uma migração significativa dos alunos das camadas altas e médias para a rede particular de ensino, que experimentou uma expansão significativa na última década, uma nova face da elitização que consolidou o sistema público de ensino no Brasil como uma “escola para pobres”, reduzindo e muito o seu poder de pressão e o zelo pela qualidade. Nesse processo, o próprio sentido do ensino médio veio se transformando. (DAYRELL, 2007, p 1116)

As transformações do ensino médio se deram tanto pela caracterização quanto por torná-lo a última etapa da educação básica o que, para muitos, significava o fim do acesso à escolarização.

Rever a afirmação categórica a centralidade da escola de qualidade social pressupõe alguns requisitos elencados no artigo 9º, entre eles, o inciso IX, “realização de parceria com órgãos, tais como os de assistência social e desenvolvimento humano, cidadania, ciência e tecnologia, esporte, turismo, cultura e arte, saúde, meio ambiente. ” (BRASIL, 2010 p. 03). Dessa forma, ao pensar a função social da escola vale considerar o que afirma Canivez:

Se toda comunidade política é caracteriza pela coexistência de várias tradições, a escolaridade tem significado particular. A escola, de fato, institui a cidadania. É ela o lugar onde as crianças deixam de pertencer exclusivamente à família para integrarem-se numa comunidade mais ampla em que os indivíduos estão reunidos não por vínculos de parentesco ou de afinidade, mas pela obrigação de viver em comum. A escola institui, em outras palavras, a coabitação de seres diferentes sob a autoridade de uma mesma regra (1991, p.33).

Assim há uma estreita articulação entre as relações de convivência social, instituídas pela escola e a cidadania. É no exercício da convivência entre os seres diferentes que se aprendem normas, sem as quais a sociedade não sobrevive. Por isso, queremos analisar, até que ponto essas normas são reforçadas e ressaltadas no contexto educativo, tornando profícua a experiência cidadã no ambiente escolar.

Algumas pesquisas já demonstraram que há uma grande preocupação com os resultados das avaliações externas escolares, assim como com os resultados dos próprios alunos em determinadas avaliações e esses resultados tornam-se foco do trabalho educativo, ao contrário de uma prática didaticamente cidadã, vemos uma política ainda castradora que trabalha como num campo de batalha treinando as crianças e adolescentes da educação básica, desenvolvendo um processo mecanizado, impossibilitando ou reduzindo ao máximo as atividades democráticas, interativas, diretamente associadas à prática.

Para Vieira (1998) isso se traduz no fato de a escola poder vir a ser chamada a orientar-se para a adequação das necessidades individuais ao meio, como ocorreu sob a égide do escolanovismo (“tendência liberal renovada progressista”).

Refletir sobre a configuração das DCNEB, que, se mal compreendidas, podem resultar em projetos pedagógicos baseados em princípios equivocados, pode-se objetivar meramente treinar os alunos para as avaliações externas de aferição de resultados, não colaborando significativamente na construção de saberes que tornem profícua a formação cidadã.

Nesse sentido, o § 1º do artigo 13 das DCNEB trata a difusão dos “valores fundamentais do interesse social, dos direitos e deveres dos cidadãos, do respeito ao bem comum e à ordem democrática, considerando as condições de escolaridade dos estudantes em cada estabelecimento de ensino, a orientação para o trabalho, a promoção de práticas educativas formais e não-formais” (BRASIL, 2010, p. 03).

A estreita articulação do ensino planejado pela escola e as vivências do aluno, constitui fator relevante na formação cidadã, na construção de uma vida escolar democrática e participante. Há a necessidade de reinvenção do trabalho educativo, e isso está indicado implicitamente na Resolução 4/2010 ao apontar que o processo de ensino e aprendizagem realizado se construa de maneira dinâmica, tornando proveitoso o espaço e o tempo que se vive na escola, determinando a estrutura da escola, como o autor menciona.

Ao abordar a formação básica comum e a parte diversificada, a resolução em seu artigo 14 diz:

A base nacional comum na Educação Básica constitui-se de conhecimentos, saberes e valores produzidos culturalmente, expressos nas políticas públicas e gerados nas instituições produtoras do conhecimento científico e tecnológico; no mundo do trabalho; no desenvolvimento das linguagens; nas atividades desportivas e corporais; na produção artística; nas formas diversas de exercício da cidadania; e nos movimentos sociais. (BRASIL, 2010, p.03-04) Desse modo a formação básica deve se pautar na vivência, naquilo que a sociedade oferece, nos costumes e interações com o meio e que se está ou encontra-se inserido. Desenvolver o pleno desenvolvimento da pessoa humana, como prevê a legislação é algo sumariamente complexo e abrangente, que requer aproximação do sujeito com o todo que o circunda e vai além de atividades escolares ditadas por materiais didáticos. Apresenta-se como instigantes e inovadoras, as premissas legais que atribuem esse propósito da educação, na prática a realidade muitas vezes é diferente por falta de uma série de recursos materiais, humanos, subsidiados ou não pelo poder público.

Podemos considerar também, que as formas diversas de exercício da cidadania, consequentemente a participação em ações sociais, movimentos sindicais e trabalhistas, o exercício do voto, a liberdade de ir e vir e se manifestar, entre outros, nos remetem às políticas sociais que nas últimas décadas, acompanharam as transformações ocorridas na organização política no Estado, desvinculando-o da obrigatoriedade de garantir a inserção social. Castel (1995) afirma que a questão social é um desafio para a sociedade, isso porque é através dela que a sociedade “experimenta o enigma de sua coesão e tenta conjurar o risco de sua fratura” (p. 18).

Desse modo, as DCNEB consideram que os valores sociais, bem como os direitos e deveres dos cidadãos, relacionam-se com o bem comum e com a ordem democrática. Estes são conceitos que requerem a atenção da comunidade escolar para efeito de organização curricular, cuja discussão tem como alvo e motivação a temática da construção de identidades sociais e culturais. A problematização sobre essa temática contribui para que se possa compreender, coletivamente, que educação cidadã consiste na interação entre os sujeitos, preparando-os por meio das atividades desenvolvidas na escola, individualmente e em equipe, para se tornarem aptos a contribuir para a

construção de uma sociedade mais solidária, em que se exerça a liberdade, a autonomia e a responsabilidade. (BRASIL, 2010a, p. 20)

A consolidação das premissas legais, resultantes de um trabalho coletivo das equipes escolares, será conquistada quando a escola desempenhar com afinco sua função social. Vieira (1998) considera que as funções políticas e sociais da escola são atravessadas pelos interesses das classes sociais, o que torna necessário situar a contribuição de tendências em diferentes concepções do papel da escola e, consequentemente, de sua função política e social na construção da cidadania.

3.4. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – DCNEM, avanços e