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Cidade contemporânea e paisagem urbana

33 Depoimento de Ivo Arzua.

7 REFERENCIAL TEÓRICO

7.1 CONCEITOS PRELIMINARES

7.1.3 Cidade contemporânea e paisagem urbana

Figura 80 - Aspecto da circulação de pedestres em área urbana

Fonte: Elaborado pelo autor com base em: http://www.criticatac.ro/? attachment_id=87

A cidade contemporânea não é tão somente a dualidade entre lugar e não lugar, mas urbe que funciona como pólo de atração econômica e cultural. Concentra não apenas massa de populações, mas desigualdades sociais e territoriais.

A partir da década de noventa do século passado, os principais centros urbanos assistiram uma expansão de caráter metropolitano, revelando transformações ocorridas em curto intervalo de tempo.

Presenciou-se um processo de crescimento difuso em direção às regiões em que se integram, evidenciando uma fluidez ou dissolução dos limites urbanos.

A cidade passou a configurar um nó num sistema em rede ou de fluxos.

Assiste-nos um novo imaginário para definir o espaço urbano contemporâneo, no qual a cidade, fonte histórica do assentamento e da permanência, constitui hoje mais do que nunca o espaço símbolo da mobilidade." (ABASCAL, 2005, p.3).

A atuação na cidade contemporânea implica o entendimento da dinâmica urbana e a rapidez dessas transformações, sendo que a cidade é alvo e agente, visto que a dimensão urbana da sociedade atingiu impressionante magnitude. Esse aumento da concentração urbana propicia, por um lado, multiplicidade, intensidade e dinamismo ao desenvolvimento econômico e social, alavancando impulsos de transformação que extrapolam o âmbito local e contribuem com desdobramentos que repercutem na dimensão metropolitana.

Por outro lado, a concentração urbana conduzida inadequadamente ocasiona problemáticas que, de modo geral, causam a descontinuidade do território e a consequente deterioração da vida coletiva, deixando os grandes centros atuais na emergência de soluções de toda ordem de escala. É com esse sentido que a ideia de "metropolização"41 é entendida na pesquisa. Esse questionamento é preponderante na construção da paisagem contemporânea; repleta de ambiguidades, a paisagem atual é o campo para o enfrentamento das mudanças resultantes do modo como tem sido encarado o planejamento urbano, a organização do território e o trato com o meio ambiente, fatores que estão na base da discussão sobre a qualificação das cidades.

41 "Metropolização" é um termo empregado pelo autor. É aplicado no âmbito desta pesquisa, ao processo de formação e expansão dos espaços sem qualificação urbana em decorrência da alta concentração de populações e desigualdades territoriais e sociais. Distingue e aponta especificamente a formação das áreas deficitárias das atuais metrópoles.

A condição urbana atual é mutável; privilegiam-se a mudança e a transformação. Na tentativa de absorver essas mudanças, no tempo, a paisagem urbana contemporânea tem na "arquitetura"42um agente adaptável à velocidade das suas transformações. Na relação entre arquitetura e cidade, o projeto urbano apresenta-se como mediador amplo e aberto e, segundo Abascal (2007, p.6)," utiliza o planejamento na escala necessária de um desenho urbano do qual faz parte ativa a arquitetura contemporânea". Nesta pesquisa, quando se discute a atividade projetual, propõe-se intervir na cidade existente; e o olhar para esta cidade contemporânea, com problemas de múltiplas variáveis em conexão, desperta reflexões.

Curitiba é uma metrópole regional com experiência em pesquisa, planejamento e intervenções urbanas. Esses saberes têm proporcionado caminhos mais acertados para a correção, recondução ou monitoramento das práticas arquitetônicas e urbanas. Contudo, com a veloz modificação da paisagem urbana contemporânea, as mudanças atingem a "arquitetura da cidade" e a população; comprometem a visão do plano, do projeto e da gestão.

Não é alvo desta pesquisa o planejamento da cidade, mas o enfoque sobre projetos urbanos é pertinente àquele campo disciplinar. Neste estudo procura-se incorporar a visão do projeto urbano ao plano, na tentativa de obter outras ferramentas de estudo por meio da compreensão da heterogeneidade urbana, e desta maneira, possibilita a interação com a multiplicidade de urgências sobre as quais é preciso atuar.

A dinâmica urbana exige o manejo continuado da cidade. Nesse sentido, a busca de soluções para a cidade contemporânea através do planejamento urbano – de caráter normativo – abre espaço para o questionamento da intervenção na totalidade da cidade; essa afirmação tem respaldo em Abascal (2007) quando coloca como inadequado esse posicionamento diante da complexidade urbana atual.

Entende-se que a paisagem urbana como resultado do processo de formação e transformação da cidade é episódica, na medida em que retém momentos diversos da formação do espaço, e permite que se entreveja o processo evolutivo da cidade. Um olhar sobre a cidade a partir dos elementos que a compõem e da relação recíproca entre eles proporciona uma visão mais ampla e completa da complexidade urbana.

42 Arquitetura aqui é empregada como denominação do conjunto dos elementos que compõem a cidade, próprio da visão de Rossi (2001, p.4): "A natureza coletiva da arquitetura tem na cidade seu objeto de estudo, na medida em que a arquitetura remonta, nos motivos da sua própria projetação, as características gerais da cidade".

No panorama atual de Curitiba observa-se o crescimento urbano que configura o processo de "metropolização", percebido da mesma forma, em muitas capitais brasileiras em estágio equivalente de desenvolvimento.

Na escala metropolitana atual, as concentrações humanas exigem, conforme Abascal (2007, p. 6),

[...] uma outra forma de pensar o domínio urbano [...] A arquitetura urbana e metropolitana define temas e escalas novas, que acolhem áreas e edifícios industriais ociosos, vazios urbanos, centros de negócios e serviços, lazer e cultura, estação para interconexões de transportes, espaços comerciais e esportivos, que se justapõem e geram atividades urbanas. [...] Essa adaptação, entre o que pré- existe e o que se impõe como nova necessidade realiza uma conexão, uma articulação espacial ou a sua negação, entre o espaço renovado que se insere e os outros.

Figura 81 - Aspecto da área central de Curitiba. Reordenação da paisagem urbana da Rua XV de Novembro (Rua das Flores)

O residente urbano representa hoje mais da metade da população mundial, fato este constatado pela Organização das Nações Unidas (ONU, 2007). Segundo a mesma fonte, este índice é crescente, confirmando que a condição do homem como ser urbano é um fato. Sob este prognóstico, as preocupações de ordem ambiental e social induzem a questões sobre o território: o que ele nos diz sobre o modo no qual seguem expandindo- se as cidades? Até que ponto a paisagem, esse complexo físico, biótico e antrópico pode suportar o modo como se faz arquitetura e urbanismo? Ao se intuir respostas na paisagem agenciada pelo homem, pode-se perguntar: como se encontra a relação entre eles?

A questão mostra-se inquietante quando se percebe que, na sua tradição milenar de formação, crescimento e expansão, as sociedades humanas produziram paisagens diversas e dentro de expectativas relativamente sustentáveis43, de forma planejada e espontânea; atualmente, num processo de retomada e recuperação da própria trajetória de ocupação e transformação do território, os homens são chamados a gerir o insustentável e "projetar a sua paisagem". A Europa tem procedido assim há décadas; nas Américas, ainda é predominante a visão de ocupação do território que impede a sua retomada como "lugar".

Na atualidade, cada vez mais cidades como Curitiba são centros atrativos com crescimento continuado que produzem um incremento positivo gerado pelo desenvolvimento urbano. Se ignoradas as intervenções, no tempo, essenciais para a correta assimilação daquele incremento, o suporte dessas ações, o espaço urbano, não vai absorver corretamente o volume de transformações inerentes ao crescimento urbano, reproduzindo, consequentemente, um ambiente contraditório, desqualificado no seu aspecto físico-espacial e conturbado no seu aspecto político-social. O resultado é um cenário comum aos centros urbanos brasileiros de grandeza equivalente: cidades deixam de ser lugares de convivência – um atributo da cidade – e passam a desempenhar mais a função de lugares de afluência e passagem, característica que vêm prevalecendo no contexto das metrópoles contemporâneas.

43 O termo sustentável é aqui aplicado com conotação generalizante, compreendendo o que concerne ao baixo impacto no meio ambiente. As primeiras sociedades humanas, às quais se refere o texto, não são vistas sobre a luz do conceito contemporâneo de sustentabilidade.

E a paisagem urbana gera novamente questões: quais são os nichos de projeto, os instrumentos para a sua reformulação, os tempos de sua transformação, as ferramentas de sua expressão?

Figura 82 - O domínio do urbanizado

Fonte: http://ga.search.bipmedia.com/ wallpapers/Others/35

Em um cenário de conformação urbana e metropolitana, procuram-se tentativas de respostas a essas questões discutindo-se o espaço urbano, segundo Abascal (2005, p.10), sob

os conceitos de expansão e concentração, totalidade e fragmento, inovação e conservação, projeto e estratégia: [...] O que parece ser apenas uma ação pontual num tecido urbano na verdade se encontra relacionado à cidade em sua totalidade, suportando

estratégias de alimentação e recuperação de periferias, patrimônio histórico, promoção de habitação e ações diretas sobre os espaços públicos. O poder público, na maior parte das vezes municipal ou estadual atua intensamente no objetivo de captar recursos gerados por meio de sua intermediação junto a investidores e proprietários, gerindo e equilibrando (ou não) a valorização de terrenos urbanos [...]

Intervenções urbanas pontuais, orientadas por gestão técnica e política compartilhadas, possibilitam repropor às cidades a condição de lugares de convivência, gerando efeitos que revelam a diversidade e promovam a dinâmica da cidade. Esse conceito tem na base a cidade pensada para os seus usuários, em contraposição ao anonimato dos lugares sem urbanidade. Na dificuldade de integração e continuidade com as áreas ordenadas da cidade, a "metropolização" vai configurando lugares de afluência e passagem, onde o caráter predominantemente mercantilista44 da metrópole atual parece uniformizar e achatar o valioso potencial urbano que é a diversidade.

Essa visão tem sustentação nas linhas de atuação dos autores arrolados no referencial histórico, na sua visão cultural e dedicada à escala da cidade e na tessitura de relações estabelecidas entre seus fatos urbanos.

44 O termo é aqui empregado como "propensão a sujeitar ou relacionar qualquer coisa ao interesse comercial, ao lucro, às vantagens financeiras." (HOUAISS, 2001).