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Desde criança conhecemos a história de Ali Babá e os 40 ladrões. As histórias infantis falam de um jovem que abre uma caverna, verdadeiro covil de 40 ladrões, ao falar as palavras abra-te césamo. Dentro daquele covil estavam os objetos roubados pelos ladrões, que ali escondiam o fruto do seu esforço diário. As imagens dos livros infantis nos mostram muito ouro, muitas riquezas des- cobertas por aquele jovem que teria dito abra-te césamo. Histórias como esta faz povoar no imagi- nário de muitas crianças – que um dia crescem e se tornam adultas – a imagem de que os ladrões são pessoas que se enriquecem com aquilo que roubam dos outros. Ou mesmo inscreve em nossos preconceitos que se tratam de pessoas que escolheram viver de prejudicar os outros (subtraindo-lhes o que possuem). Existem verdades em uma fábula como a de Ali Babá. Talvez ela, como ficção, nos sirva como instrumento alegórico para repensar, a parti da relação com histórias reais, o imaginário que possamos ter sobre o que é ser um ladrão.208

Veremos ao longo desta pesquisa que os mendigos e os feirantes foram acusados de explora- ção alheia e sentenciados por um discurso apologético ao trabalho. Assim também ocorreu com os ladrões209. Mas o que veremos é que existem certos sentenciamentos sociais nas vidas de subaltenos

que os marcam de forma indelével, de modo que as alternativas encontradas nem sempre são as do trabalho. Vamos ver que muitos buscaram o trabalho para sair de sua condição profunda de pobreza, contudo a própria subordinação lhes empurrou ao crime. Outros, como veremos, até foram senten- ciados em suas vidas, contudo tinham no roubo um estilo de vida. Este sem dúvida foi o caso do ladrão profissional Vida Gozada (Boaventura Pereira da Silva) que utilizava dos roubos para reali- zar desejos materiais quase impossíveis para pessoas pobres. Mas este exemplo não nos pode enga- nar. O roubo como prática social é um complexo entre precariedade material de quem a pratica, des- credibilidade na instituição propriedade privada, aventura e os desejos de realização material impos- 208 A história infantil é totalmente distinta da contada em As mil e uma noites. Nesta Ali Babá não é um jovem, mas um homem pobre, casado, que tinha um irmão que por sorte casou com uma mulher rica e deste casamento ganhou um comércio. O nome de seu irmão era Cassim Babá, era ganancioso e possuía uma escrava chamada Morjana. Esta escra- va é praticamente a “heroína” da história e em algumas versões do conto a história se chama Ali Babá e os quarenta

ladrões mortos por uma escrava. Para uma edição mais completa deste conto, ver GALLAND, Atonine. As mil e uma

noites. Tradução Alberto Diniz; apresentação de Malba Tahan. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002; para uma edição mais simplificada, ainda que interessante, ver ACHCAR, Francisco (coord). As mil e uma noites. Ed. virtual.

209 Estou ciente de que ao reportar à estes sujeitos como ladrões, estou endossando um sentenciamento arbitrário e his- tórico que tem culminado na segregação, exclusão e sujeição destes indivíduos. Ainda assim utilizarei o termo ladrão para designar estes indivíduos que de alguma forma viveram do expediente de roubo, o que por vezes foi tomado como profissão.

sibilitados pela exploração de classes e influenciados pela propaganda de consumo capitalista. Antes, o roubo à residências e lojas eram mais comuns do que o assalto à mão armada, que nos levam celulares e carteiras nos dias de hoje. De modo que aqueles ladrões se valiam mais de uma habilidade de invasão à propriedade alheia do que de atuação no meio público, nas ruas, com armas. Mas como era prática do roubo? O que a favorecia ou estimulava? Quem eram estes ladrões?

Neste capítulo analisarei alguns dados estatísticos sobre Itabuna para compreender a situação de pobreza e as dificuldades de manutenção de uma vida formal como trabalhador. Estas informa- ções devem construir um quadro geral sobre o que entendo ter sido um estimulo social para a mar- ginalização e criminalização de alguns subalternos, em geral homens jovens, que se tornaram conhecidos como ladrões.

O início da década de 1950 foi um ambiente com grandes dificuldades econômicas. Seca, inflação, luta dos feirantes contra o governo municipal, tudo isso gerou um aumento nos preços dos alimentos e, consequentemente, uma dificuldade na vida das pessoas pobres210. Enquanto tudo isto

acontecia, a cidade crescia, como se pode observar na Tabela 3. Mais e mais trabalhadores chega- vam à região produtora de cacau em busca de trabalho.

Tabela 3: Crescimento populacional do município e cidade de Itabu- na (1940-1950)211

Município Cidade

1940 93924 20265

1950 147730 25351

Crescimento (%) 57,28 25,09

O município em dez anos aumentou sua população em mais de 53 mil habitantes, crescendo 57%. Só para efeito de comparação, o Estado da Bahia contava 3.918.112 pessoas em 1940, passan- do em 1950 para 4.834.575 pessoas, ou seja, um crescimento de 23,39%, menos da metade do cres- cimento de Itabuna212. Destes dados devemos entender que o crescimento ocorrido na década de

1940 em Itabuna era significativo em relação ao Estado, mas ainda se assentava na ocupação do 210 Sobre a luta dos feirantes contra o governo municipal ver terceiro capítulo.

211 Tabela formada a partir dos dados obtidos das seguintes fontes: Conselho Nacional de Estatística/ Serviço Nacional de Recenseamento. Anuário Estatístico do Brasil. Ano VI 1941/1945. Serviço Gráfico do IBGE: Rio de Janeiro, 1946, p. 35; Conselho Nacional de Estatística/ Serviço Nacional de Recenseamento. Censo demográfico 1950 – Estado da Bahia. Série Regional, volume XX, Tomo 1. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do IBGE: 1955, p. 64; Instituto Brasilei- ro de Geografia e Estatística. Censo demográfico 1940 (população e habitação) – Estado da Bahia. Série Regional, parte XII (Bahia), tomo 1. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do IBGE, 1950, p. 406; e Censo demográfico 1950 – Esta- do da Bahia, op. cit., p. 121. Documentos disponíveis na Biblioteca digital do IBGE em www.ibge.gov.br.

campo. Ou seja, a maior parte dos migrantes que chegaram ao município de Itabuna durante a déca- da de 1940 se dirigiram aos postos de trabalho oferecidos pala lavoura cacaueira e outras atividades rurais. Isto fica claro se observamos que o crescimento populacional do município foi mais da meta- de do crescimento da cidade. Durante a década de 1940 a cidade não era uma alternativa econômica à lavoura cacaueira, ainda que começasse a caminhar para tal213.

O fato, então, é que não apenas os alimentos estavam escassos e caros, mas também a concor- rência por um posto de trabalho nas lavouras aumentava, dificultando o acesso à uma renda mínima e à condições de sobrevivência dentro do campo da legalidade.

A estes dois elementos, deve-se somar também a realidade salarial. No ano de 1950 o salário mínimo para a cidade de Itabuna era de 240 cruzeiros (Cr$ 240,00), 60 cruzeiros a menos do que o correspondente para a segunda metade da década de 1940214. Em contraposição, em 1950, o quilo

do charque chegava a 17 cruzeiros em fevereiro daquele ano215. No primeiro semestre de 1951,

encontrei o custo de uma galinha por 20 cruzeiros em fevereiro e 28 e 30 cruzeiros em abril (este era o preço de mercado, pois tabelado era de 25 cruzeiros)216. Encontrei o quilo da carne de porco

por 12217, o peixe por 30218, o quilo do tomate por 12219 e o do toucinho de qualidade por 18 cruzei-

ros220. Não se trata apenas dos altos preços em comparação com o salário mínimo, mas do próprio

aumento destes preços, como vimos no caso da galinha (aumento de 50% em 3 meses). As famílias, em geral, eram numerosas. Em muitos casos apenas o pai ou a mãe tinha um trabalho regular ou fixo. Com um salário mínimo baixo e com os elevados preços dos produtos alimentícios, por vezes as mulheres tinham que lavar roupa para fora, os homens tinham que pedir pelas ruas ou fazer bicos e os filhos tinham que trabalhar, por exemplo, como carregadores de feira ou coisas do gêne- ro221. Essa discrepância entre salário e preço dos produtos alimentícios gerava uma situação econô-

213 O crescimento da cidade na década de 1950 prova que as políticas de desenvolvimento urbano daquele período foram verticalizadas e a cidade se tornava o palco do poder – disputando este com a lavoura cacaueira. O censo de 1960 conta 59.896 pessoas na cidade, ou seja mais do que o dobro dos habitantes contados em 1950. Estes números revelam que estava-se acentuando o desenvolvimento de atividades econômicas urbanas, mais do que na década de 1940. Arqui- vo Público Municipal de Itabuna – José Dantas (APMIJD). Fundação IBGE. Monografia IBGE Itabuna – 1960. Cole- ção de monografias, nº 437 (3ª edição). Rio de Janeiro: Serviço Gráfico da Fundação IBGE, 1960, p. 07.

214 Vale ressaltar que da segunda metade da década de 1940 até 1952 o salário mínimo de Salvador e dos municípios da região então conhecida como zona cacaueira era maior do que o salários dos demais municípios. Isto não sugere, contudo, uma melhor condição de vida para os setores empobrecidos, mas um elevado custo de vida. Ver Conselho Nacional de Estatística. Anuário Estatístico do Brasil. Ano XI 1950. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do IBGE, 1951, p. 324; Anuário Estatístico do Brasil. Ano VI 1941/1945. op. cit., p. 325; e Conselho Nacional de Estatística; Anuário Estatístico do Brasil. Ano VIII 1947. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do IBGE, 1948, p. 350. Disponíveis na Bibliote- ca digital do IBGE em www.ibge.gov.br.

215 Arquivo Público Municipal de Itabuna – José Dantas (APMIJD). Voz de Itabuna, 11.02.1950, p. 04.

216 Centro de Documentação e Memória Regional da Universidade Estadual de Santa Cruz (CEDOC/UESC). O

Intransigente, 21.02.1951, p. 02 e xx.04.1951, p. 04.

217 CEDOC/UESC. O Intransigente, 20.04.1951, p. 01. 218 CEDOC/UESC. O Intransigente, xx.04.1951, p. 04. 219 Ibidem.

220 CEDOC/UESC. O Intransigente, 25.04.1951, p. 01. 221 Ver item “Agências da rua (e do rio)” no quarto capítulo.

mica incomoda e aguda para os setores empobrecidos da sociedade.

Os preços de alguns produtos em Itabuna chegavam muito próximo aos preços encontrados na capital do Estado. Por exemplo, o charque que encontramos em 1950 por Cr$ 17,00 em Itabuna, custava em média Cr$ 16,10 em Salvador. E o toucinho que em Itabuna era tabelado para Cr$ 18,00 em 1951, em Salvador tinha preço aproximado de Cr$ 19,80. Ou seja, apesar da cidade de Itabuna ser 15 vezes menor do que Salvador – onde o Censo de 1950 contou 389.422 pessoas –, tinha pre- ços de produtos alimentícios equiparados e por vezes superior ao da capital222.

Veremos ao longo desta pesquisa que a pobreza levou muitos indivíduos à mendicância, uns tomando-a como forma de sobrevivência (como o mendigos Cara Torta) e outros como estilo de vida (como o mendigo Papai Noel). Porém é possível que muitos jovens tomassem a mendicância como uma expressão demasiadamente submissa, o que não condizia com os normais desejos, ambi- ções e sonhos da juventude. Este é um fator que certamente contribuiu para que muitos se contrapu- sessem à conhecida expressão: “é melhor pedir do que roubar”. Poucos postos de trabalho, carestia nos gêneros alimentícios e baixos salários foram fatores que, junto com a precária formação e a bai- xa escolaridade, possivelmente determinaram a construção de um estímulo social para a marginali- dade e, posteriormente, para a criminalidade. Veremos que muitos dos ladrões eram jovens pobres e que estes estímulos sociais os ajudaram a ter no roubo o meio de sobrevivência, numa experiência de conhecer a cidade e o interior de muitas casas num misto de aventura, subordinação e desespero social.

Cidade fértil para ladrões

Itabuna em sua materialidade e em alguns costumes de seus usuários contribuía para a ação dos ladrões. O crescimento da atividade econômica urbana, a presença de uma elite que ostentava sua riqueza com residências luxuosas, a existência comum de quintais semi-abertos em muitas casas, os problemas de abastecimento de energia e a precária iluminação pública formavam alguns dos fatores materiais desta cidade propícia para a atividade do roubo. Ao lado destes fatores mate- riais, haviam fatores de ordem social ligados aos costumes, como as relações de subordinação que os pobres viviam, os hábitos interioranos que famílias compartilhavam de se sentarem à porta de casa pela noite para conversarem com os vizinhos, o choque com a acentuada discrepância social entre as classes dirigentes e os grupos subalternos.

Voltemos aos dados dos censos de 1940 e 1950. Neles observamos que o crescimento da 222 Ver Conselho Nacional de Estatística/ Serviço Nacional de Estatística. Anuário Estatístico do Brasil. Ano XIII 1952. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do IBGE, 1953, p. 343-343; e Censo demográfico 1950 – Estado da Bahia, op. cit., p. 119.

população urbana foi pequeno em relação ao da população municipal. Contudo a cidade começava a se despontar como meio de articulação dos poderes e de uma economia alternativa à lavoura. Por um lado trata-se do fato que a cidade se tornava mais do que entreposto para o escoamento do cacau, passando para uma cidade de atrativos comerciais gerais e de pequenos beneficiamentos industriais, como laticínios. Por outro lado, suponho que a redemocratização tenha dado um prota- gonismo às massas, e as necessidades eleitorais apontavam a cidade como o mais importante media- dor entre eleitores e eleitos. Neste sentido, cuidar da cidade era a melhor plataforma que um candi- dato podia ter, tanto o é que os prefeitos da década de 1950 vão priorizar políticas urbanísticas como publicidade de sua forma de fazer política223.

Tomando como observatório do crescimento econômico urbano o comercio varejista e a indústria, observando a Tabela 4, é possível perceber que o primeiro dobrava o número de estabele- cimentos e de pessoal empregado, enquanto o segundo, a seu turno, mais que triplicava os estabele- cimentos e o número de trabalhadores. Quero dizer com isto que a economia urbana crescia mais do que os 25% do crescimento demográfico da cidade de Itabuna.

Tabela 4: Desenvolvimento de atividades econômicas urbanas (1940- 1950), comércio varejo e indústria224

Comércio Varejo Indústria

Estabelecimentos Trabalhadores Estabelecimentos Trabalhadores

1940 333 583 35 252

1950 733 1311 148 993

Apesar da frieza dos números, o que devemos entender é que Itabuna a cada dia se tornava uma cidade com mais atrativos urbanos. E a cada dia a cidade era mais vista com seu potencial comercial – e com seus desejos industriais – do que como mero entreposto ou escoadouro de cacau para o porto de Ilhéus. A economia urbana aumentava a circulação de pessoas e mercadorias na cidade, e isto, obviamente, fazia com que a publicidade do consumo capitalista se acentuasse junto com as possibilidades para o roubo. O aumento, entretanto, dos postos de trabalho na cidade não parecia equivaler ao número daqueles que precisavam de trabalho – do contrário o posterior capítu- 223 À exceção do Coronel Miguel Moreira, eleito para o pleito de 1951, todos os outros prefeitos desta década eram “técnicos”, homens formados em áreas estratégicas, e não mais coronéis ligados às velhas tradições de poder.

224 Tabela elaborada a partir dos dados do censo de 1940 e 1950. Ver Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censos econômicos, agrícola, industrial, comercial e dos serviços 1940 (população e habitação) – Estado da Bahia. Série Regional, parte XII (Bahia), tomo 2. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do IBGE, 1950, p. 310 e 364.Dispo- nível na Biblioteca digital do IBGE em www.ibge.gov.br; e Conselho Nacional de Estatística/ Serviço Nacional de Recenseamento. Censo comercial, industrial e dos serviços de 1950 – Estado da Bahia. Série Regional, volume XX, Tomo 3. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do IBGE: 1956, p. 73 e 107. Disponível na Biblioteca digital do IBGE em

lo sobre mendigos não teria sentido de existir.

À este crescimento da economia urbana, contudo, não se seguiu um igual investimento nos equipamentos urbanos. Do quesito energia elétrica, por exemplo, os anos de 1950 e 1951 foram de escassez na oferta, com isso tornando-se bem mais precária a iluminação pública. Encontra-se regis- tro da ausência deste serviço durante todo o ano de 1950, seja em crônicas225, em críticas à política

municipal226 e em promessas da prefeitura227. Em 1951 a situação produção-distribuição energética

melhorou. O prefeito Miguel Moreira prometia em junho daquele ano a construção da rede aérea para os fios elétricos, para que a energia pudesse chegar em outros lugares da cidade que não apenas no centro, também negociava a desapropriação de casas para a alocação dos novos motores para eletricidade, bem como negociava com os empregados da empresa Luz & Força o seu equiparamen- to salarial com os funcionários da prefeitura228.

Para os jornais não haviam dúvidas de que a falta de luz contribuía sensivelmente com o aumento no número de roubos na cidade. Apesar dos motores prometidos em 1950, terem chegados à cidade em julho de 1951229, uma onda de roubos ainda era sentida na cidade. E agosto de 1951 o

Voz de Itabuna denunciava que contínuas “visita nocturnas” estavam sendo realizadas na avenida Duque de Caxias. Segundo o periódico, uma vez que não havia iluminação pública na cidade, “não é de admirar que o 'programa' do ousado meliante esteja sendo cumprido tão satisfatoriamente, sem ser detido pelas barreiras da lei”230. Em novembro do mesmo ano, o mesmo periódico noticiava um

roubo à residência de um aviador: “um dos meliantes preferiu fazer a feira na casa do sr. Washigton Quintela: trabalhou na fechadura, invadiu a cozinha e banqueteou-se á farta”231. No mesmo mês o

jornal ptbista afirmava que o trabalho da malta dos “amigos do alheio” continuava a agir à custa da pouca iluminação e pouco policiamento232 e publicava a ação de um ladrão e um menor que teriam

roubado a loja A Paulista233.

Os jornais falavam em onda de roubos, dado o crescente número de furtos ocorridos na cidade de Itabuna nestes dois primeiros anos da década de 1950. A queixa dos jornais gerou uma pressão pública para a resolução deste problema. E no final de 1951 a Secretaria de Segurança Pública do 225 Crônica do professor de português Hélio Menezes sobre os principais problemas enfrentados pela cidade. Para ele, carestia dos alimentos era o principal, contudo, também menciona a falta de água e energia. APMIJD. Voz de Itabuna, 20.01.1950, p. 02.

226 APMIJD. Voz de Itabuna, 04.03.1950, p. 01 e 07.10.1950, p. 01. Nesta última matéria, o colunista comenta que só existia iluminação pública no centro da cidade, sendo que todo o subúrbio era breu durante a noite.

227 APMIJD. Voz de Itabuna, 23.12.1950, p. 14. Nesta edição de natal o governo municipal, à época chefiado pelo pre- feito e advogado Ubaldino Brandão, afirmava que com a compra de motores importados da Suíça, findará os problemas de falta de energia na cidade.

228 CEDOC/UESC. O Intransigente, 06.06.1951, p.04. E 16.06.1951, p. 01. 229 APMIJD. Voz de Itabuna, 06.07.1951, p. 01.

230 APMIJD. Voz de Itabuna, 17.08.1951, p. 04. 231 APMIJD. Voz de Itabuna, 09.11.1951, p. 04. 232 APMIJD. Voz de Itabuna, 16.11.1951, p. 04.

Estado da Bahia enviou três investigadores à “zona de Ilhéus e Itabuna, afim de combaterem junta- mente com as autoridades locais, a gatunagem que se torna ampla na mesma região”234. Gatunagem

é como os jornais e a polícia chamavam a prática dos roubos que invadem casas, ou seja, a prática dos gatunos235. O envio de investigadores de Salvador com este único fim mostra como a situação

se agravava, precisando de intervenção. Voltaremos à estes investigadores, uma vez que são respon- sáveis por um processo crime extremamente esclarecedor acerca da ação de ladrões.

A questão é que não se pode culpar a falta de energia elétrica ou a precária iluminação pública para a onda de roubos. É claro que este fator contribuiu, contudo mesmo após as melhorias urbanís- ticas que aumentaram a rede elétrica da cidade, continuou-se a assistir muitos roubos à comércios e residências.

Voltemos, então, aos fatores de ordem social que tornavam Itabuna um terreno propício para os ladrões. Boa parte dos ladrões que tenho informações individuais não sabiam ler. Este é um fator que se torna importante, uma vez que os censos de 1940 e 1950 não analisavam a renda dos habi- tantes. O censo de 1940, contudo, registrava que 61,02% da população municipal não sabiam ler. Em 1950 há uma pequena melhora, registrando-se 56,10%236. Observa-se então que a maior parcela

da população da cidade estava sujeitada aos trabalhos braçais com baixa remuneração, ou seja ao trabalhos que não necessitavam de escolaridade. Isso significa, por outro lado, afirmar que a maior parte das pessoas em Itabuna estavam excluídas do modelo de sociedade que hierarquiza os valores culturais tendo como base a instrução e a educação.

A diferenciação que Michel de Certeau estabelece entre instrução e educação talvez nos ajude

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