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CAPÍTULO 3 A BELO HORIZONTE DA VIOLÊNCIA: ESPAÇOS E SUJEITOS

3.2. A CIDADE VIGIADA

Há, portanto, um outro lado da cobertura jornalística sobre a violência na cidade, uma outra realidade aparece: a que diz respeito ao combate a violência. Uma realidade que se refere à cidade da segurança, policiada e vigiada.

37 Foto de Jorge Gontijo; 4C; 19,1 cm x 13 cm; Diário da Tarde; 24/08/2004; caderno CIDADES; pág. 12. (Figura

34) Esta mesma imagem foi publicada na página 26 do caderno GERAIS do jornal Estado de Minas, em uma coluna intitulada “Giro Policial”.

Referindo-se ao episódio38

da apreensão das bebidas falsificadas, outras duas imagens expõem a ação policial, destacando de forma evidente os policiais. A primeira imagem39

mostra três policiais em meio a várias caixas de papelão onde podemos ler a palavra “Orloff”, que, como sabemos, é o nome de uma marca famosa de vodka. Dois policiais estão no primeiro plano da imagem. Um deles carrega uma caixa com os braços e o outro parece abaixar-se para pegar uma caixa que está no chão. O terceiro policial, mais ao fundo na imagem, olha para parte de uma construção, aparentemente uma casa, onde provavelmente estavam as caixas e onde eram produzidas as bebidas. Ele parece aguardar a colocação de mais caixas do lado de fora para dar continuidade à apreensão das bebidas. Uma outra imagem, uma grande foto40

publicada na capa do jornal Estado de Minas, traz representados dois policiais em um cenário onde vemos novamente as caixas de bebida e, desta vez, alguns galões azuis e uma caminhonete com caixas e galões em sua carroceria. A foto parece tirada na rua. Os dois policiais olham para a câmera e um deles, em primeiro plano, prepara-se para apanhar do chão uma das caixas. Ambas as imagens mostram a apreensão das bebidas, em seu momento exato, não trazendo representados desta vez os bandidos, os criminosos, mas sim os policiais, os homens da lei, da segurança.

Outra ação policial foi noticiada em todos os jornais no dia 09 de outubro de 2003, estando retratada em todos eles. Trata-se de uma apreensão de caça-níqueis – máquinas de jogos que funcionam à base de apostas com dinheiro – no centro da cidade. Dentre as cinco imagens publicadas, duas fotos mostram momentos distintos. A primeira delas, publicada no jornal Diário da Tarde, mostra quatro policiais em meio a várias máquinas de jogos. Um dos policiais apóia uma sacola em uma cadeira à sua frente e olha para o interior da sacola. Pelo volume, podemos dizer que dentro dela estão placas de funcionamento das máquinas. A foto41 (Figura 35) acompanha a

seguinte manchete: “Ordem do MP: PM volta a apreender máquinas caça-níqueis”. A outra foto42

, publicada no jornal Hoje em Dia, mostra um outro ambiente, onde vemos três dos quatro policiais da foto anterior, e um momento diferente da ação. Na imagem os policiais procedem à abertura de uma das máquinas e retiram a sua placa de funcionamento. No primeiro plano da foto ainda vemos uma máquina ligada. A legenda da imagem confirma a variação de ambientes entre as imagens (dos dois jornais), ressaltando: “Além da apreensão das placas, nove lojas que

38 À exceção do jornal Hoje em Dia, este episódio foi noticiosamente fotografado e exibido por todos os outros

jornais do corpus.

39 Foto de Pedro Vilela; P&B; 15,1 cm x 8,5 cm; Super Notícia; 14/02/2004; caderno CIDADES; pág. 03. 40 Foto de Marcos Michelin; 4C; 13,9 cm x 18,5 cm; Estado de Minas; 14/02/2004; capa.

41 Foto de Jair Amaral; 4C; 14,6 cm x 6,5 cm; Diário da Tarde; 09/10/2003; caderno CIDADES; pág. 06. (Figura 35)

A mesma imagem foi publicada na página 19 do caderno GERAIS do jornal Estado de Minas e acompanha a seguinte manchete: “Caça-níqueis apreendidos”. No EM, no entanto, a legenda que acompanha a imagem ressalta também uma outra informação: “Repressão: Blitz também recolhe R$ 4 mil em casas no Centro da capital”.

exploram o jogo foram fechadas”. Em ambas as fotos é possível vermos somente os policiais, o que aponta para o domínio da situação por parte destes e para a boa execução da ação.

Mas, além dessas imagens em que os policiais se destacam em suas ações, mostrando apreensões e representando a condição vigilante e atenta destes profissionais em relação à cidade, há um outro conjunto de imagens que mostra ações efetivas do policiamento em um local bem específico da cidade. Ao longo do corpus a conhecida e perigosa favela Pedreira Prado Lopes foi diversamente retratada a partir da violência que a habita, mas sob a ótica do controle policial.

Nesse contexto, uma imagem43

mostra o interior de um ônibus-lotação, fotografado a partir do exterior do veículo, exatamente em frente à porta de entrada. Ao fundo vemos as cadeiras dos passageiros. No centro da porta, de pé, estão um policial e um homem comum. Este carrega uma sacola plástica que, no momento da foto, está sendo vistoriada pelo policial. A manchete que acompanha a foto diz: “Prado Lopes reabre posto com PM”. E a legenda complementa: “População também foi revistada, mas ninguém foi preso”. A notícia se refere a uma ação da Polícia Militar de Minas Gerais na favela Pedreira Prado Lopes, com o intuito de evitar que a guerra entre traficantes existente no local impedisse o funcionamento do posto de saúde.

Uma segunda imagem44

que trata do episódio do posto de saúde traz um policial encostado em um poste de luz. O policial está em primeiro plano na imagem, no lado esquerdo da foto. Ele está virado para a rua na qual o poste está e tem a mão direita junto ao colete onde fica preso o revólver. A rua é uma ladeira da favela, aparentemente na entrada do morro, e está retratada, provavelmente em seu início já que ao fundo da imagem vemos o morro e algumas casas. Há um carro parado na rua. À frente do policial, no sentido do morro, vemos um menino, encostado em uma árvore. Ele chupa um picolé. Subindo a rua vemos um homem descalço. Ele observa o policial. O policial também o observa. Pelo ângulo da foto o policial parece estar parcialmente escondido pelo poste, mas vemos que os rostos de ambos se cruzam. O menino encostado na árvore parece indiferente ao movimento. O clima é de tranqüilidade e vigilância. Pelo menos assim o parece, se observarmos principalmente o menino e o policial. Mas estaria se sentindo seguro o homem que sobe a ladeira e cruza o olhar com o PM?

Ambas as imagens mostram sob ângulos distintos uma intervenção da Polícia Militar e sugere sua ação na favela e em alguns de seus espaços (incluindo-se aí o interior de veículos que por lá transitam). O motivo da ação fica claro nos textos que acompanham as fotos, mas as imagens apenas mostram o lado da intervenção, não mostrando o outro lado. A legenda da segunda foto diz: “Prevenção: Polícia Militar permanece no morro para evitar mais violência”. A

43 Foto sem referência de autor; 4C; 9,5 cm x 16,6 cm; Hoje em Dia; 09/10/2003; caderno MINAS; pág. 13. 44 Foto de Maria Tereza Correia; P&B; 9,6 cm x 12,5 cm; Estado de Minas; 0910/2003; caderno GERAIS; pág. 19.

violência, como veremos, permanecerá no morro, mas a ótica da vigilância estampada nas fotos também permanecerá mantida.

Duas outras imagens mostram uma ação da polícia na entrada do morro. A primeira45

(Figura 36) delas, na capa do jornal O Tempo, tem, em primeiro plano, parte do corpo de um policial: pernas, braços e cintura. O policial tem uma das mãos apoiada na cintura e com a outra, a mão direita, segura uma grande arma (uma pistola ou metralhadora) que, como vemos, está também apoiada em seus ombros através de um cordão, do qual vemos partes também. O policial está posicionado como se estivesse voltado para a câmera. Ao fundo, vemos parte de uma rua onde estão parados uma moto, um carro de passeio e um veículo da Polícia Militar. Junto à moto vemos um homem que, no momento em que a foto foi tirada, parece retirar da cabeça um capacete. Há, de frente para ele, um outro policial que o observa. Seu olhar está voltado para baixo como se fizesse uma revista no motoqueiro. Junto à porta do automóvel de passeio vemos parte de um homem. Ele parece sair do veículo.

A composição da imagem sugere uma barreira, corporificada principalmente pela presença do policial que ocupa quase totalmente o primeiro plano da imagem, à frente da cena que ocorre ao seu redor. Em relação a esse policial há um detalhe que nos chamou a atenção. A presença, em sua mão esquerda, de uma aliança. O policial, casado, nos faz lembrar que, enquanto agente de segurança, ele também pode ser vítima da violência que tenta reprimir. A presença da aliança nos remete às imagens da morte e nos faz lembrar que é comum vermos no noticiário manchetes e notícias sobre a morte de policiais e a dor de suas famílias e colegas. A operação policial representada visava a impedir a entrada de armas e a venda de drogas na favela46. Mas, olhando para essa imagem da segurança e do controle policial, é sempre bom

tentarmos ver esse outro lado da realidade.

Sobre este mesmo episódio, uma outra imagem publicada no jornal Super Notícia traz, em destaque, a revista policial, que aparecia em segundo plano na imagem anterior. Na foto47

(Figura 37) vemos o mesmo veículo policial e junto dele três policiais. Além deles, um homem também aparece centralizado na imagem. O homem está escorado com as duas mãos na lataria do carro da PM, virado para o veículo. Um dos policiais está atrás do homem, revistando-o com as mãos. Outro policial observa a ação deste. O terceiro policial, um pouco mais afastado do carro vira-se para um dos lados da rua onde o veículo está estacionado. Pelo que se pode

45 Foto de Élcio Paraíso; 4C; 14,5 cm x 11,5 cm; O Tempo; 09/10/2003; capa. (Figura 36)

46 Como vimos em imagem anterior, mesmo com todo o cerco policial, armas e drogas permanecem presentes na

favela, o que mostra o constante conflito e a dificuldade de uma operação policial totalmente eficiente. A imagem a que nos referimos, é verdade, mostrava também a ação militar, a apreensão de drogas e armas. Mas a idéia do crime e da vulnerabilidade de muitas esferas sociais em relação a esse permanece.

47 Foto de Élcio Paraíso; 4C; 20, 3 cm x 11,3 cm; Super Notícia; 09/10/2003; caderno CIDADES; pág. 05. (Figura

observar, o carro da polícia encontra-se em uma bifurcação. Este terceiro policial porta uma arma, um revólver, na mão direita. Aparentemente ele faz cobertura aos seus companheiros. Enquanto os dois revistam, ele observa o entorno da operação. Ao fundo, na imagem vemos algumas pessoas andando na rua, um homem olha para a câmera, também observando a ação. Uma mulher caminha com uma sacola plástica na mão. Provavelmente está retornando à sua casa. O clima na imagem é novamente de aparente tranqüilidade e controle policial. A legenda da foto diz: “Policiais Militares revistam homem durante operação da Pedreira Prado Lopes; a PM prepara uma grande investida contra os traficantes”. Novamente mais uma legenda que mostra a ação da polícia acontecendo e indicando sua manutenção.

Uma última fotografia48

mostra novamente a intervenção policial na Pedreira Prado Lopes, deixando claro o trabalho da PM. A imagem acompanha uma matéria sobre tiroteio ocorrido no morro e realiza junto ao texto um curioso contraste. Na foto vemos três policiais militares que revistam dois homens. Os homens estão virados para um muro, com as mãos erguidas e nele apoiadas. Dois policiais realizam a revista enquanto um terceiro observa. O ambiente lembra o de um beco de favela, o que mostra a presença dos policiais já no interior do aglomerado. Mas a manchete principal contradiz a foto: “Traficantes trocam tiros na Pedreira Prado Lopes”. Acompanhando a manchete o seguinte subtítulo: “Moradores e comerciantes do aglomerado vivem novamente momentos de pânico após mais um tiroteio entre quadrilhas que tentam dominar pontos de venda de drogas”. Esta última imagem deixa à mostra a contradição que observamos ao longo das imagens. O paradoxo entre a cidade violenta e a cidade vigiada está sempre presente.