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Cidades indicadas nos autos trabalhistas

No documento ADRIANA DE CARVALHO MEDEIROS (páginas 38-96)

FONTE: IPARDES. Disponível em www.ipardes.gov.br. Recorte e tratamento do mapa realizado pela autora.

A pesquisa nos autos trabalhistas começou pelo trabalho de tabulação das informações básicas que eram apresentadas nos processos: quem eram sujeitos, local moradia, gênero, local origem (quando citado), denúncia, exigências, defesa e conclusão.

Tendo estes itens tabulados, passamos realizar uma leitura levando em consideração o conjunto dos autos, que tinha como eixo dois elementos: observar os conflitos e antagonismos apresentados pelas disputas judiciais; compreender como o judiciário mediava as disputas e realizava os acordos e arranjos entre trabalhadores e proprietários.

6 As 10 mesorregiões do Estado do Paraná estão subdivididas em 39 microrregiões. Microrregião é, de acordo com

a Constituição brasileira de 1988, um agrupamento de municípios limítrofes. A microrregião de Paranavaí é uma das microrregiões do estado brasileiro do Paraná pertencente à mesorregião Noroeste Paranaense. Sua população foi estimada em 2006 pelo IBGE em 263.088 habitantes distribuídas em 29 municípios. Possui uma área total de 10.182,281 km². Fazem parte da microrregião as seguintes cidades: Municípios: Alto Paraná, Amaporã, Cruzeiro do Sul, Diamante do Norte, Guairaçá, Inajá, Itaúna do Sul, Jardim Olinda, Loanda, Marilena, Mirador, Nova Aliança do Ivaí, Nova Londrina, Paraíso do Norte, Paranacity, Paranapoema, Paranavaí, Planaltina do Paraná, Porto Rico, Querência do Norte, Santa Cruz de Monte Castelo, Santa Isabel do Ivaí, Santa Mônica, Santo Antônio do Caiuá, São Carlos do Ivaí, São João do Caiuá, São Pedro do Paraná, Tamboara, Terra Rica. As três maiores cidades são Paranavaí, Loanda e Terra Rica.

36 Embora cada auto apresentasse uma peculiaridade quanto ao desenvolvimento dos fatos, e se apoiassem sobre diferentes argumentos por parte da defensoria pública, advogado de defesa e juiz, ao ampliar o olhar sobre a série, conseguíamos ver um emaranhado de situações que se ligavam e desta forma, permitiam fazer uma leitura complexa sobre o momento estudado. Na tessitura das disputas judiciais, conseguimos enxergar diferentes vozes que compunham as partes do auto e o rito sumário: o reclamante, o reclamado, o Ministério Público (promotor), o advogado de defesa, o juiz, o escrivão que realizava registro das audiências, as testemunhas, e algumas vezes os peritos que eram solicitados para determinados casos. A nós, coube a difícil tarefa de tentar interpretar as diferentes vozes, aparar as arestas, e construir uma narrativa que refletisse uma compreensão das informações evidenciadas nos documentos. Quanto a isso, partimos da compreensão de que:

as ‘coisas’ que se repetem sistematicamente: versões que se reproduzem muitas vezes, aspectos que ficam mal escondidos, mentiras ou contradições que aparecem com freqüência (...) cada história recuperada através dos jornais e, principalmente, dos processos criminais é uma encruzilhada de muitas lutas (...) Resta ao historiador a tarefa árdua e detalhista de desbravar o seu caminho em direção aos atos e às representações que expressão, ao mesmo tempo que produzem, estas diversas lutas e contradições sociais (CHALHOUB, 2001, p. 41, 42).

Embora tratássemos de um novo tipo de documento em relação aos que já havíamos trabalhado em nossa trajetória acadêmica, nos sentimos desafiados pela riqueza de evidências e possibilidades de interpretações dos processos e dos documentos que frequentemente os acompanhavam como provas: cartas, bilhetes, levantamentos de produção agrícola, recortes de jornais, fotografias, depoimentos, inquéritos policiais, etc.

Admitimos que não foi uma tarefa fácil, até mesmo porque os documentos judiciais traziam uma organização e linguagem técnica própria do Direito, o que nos fez desenvolver uma pesquisa paralela nos manuais de Direito e com profissionais da área que assessoraram na compreensão de conceitos, fatos e lógica que eram específicos do Direito e do Direito Trabalhista. Lembramos ainda, que ao longo de 1955 e 1973, houveram alterações não apenas ao que se refere ao Direito do Trabalho, mas também ao Código Civil e ascensão do chamado Direito Social.

A cada mudança no rito sumário ou na legislação, era necessária uma nova pesquisa específica e da própria história do contexto estudado, para compreender as mudanças significativas que eram apresentadas de um ano para outro. Tudo isso, foi compreendido como

37 desafio, mas ainda, uma problematização que deveria compor a leitura que pretendíamos fazer do conjunto das fontes. Por isso, tínhamos em mente queos historiadores que lançam mão da documentação judicial:

Concordam que a partir do discurso construído pelas instâncias judiciais, mesmo de maneira escusa e deturpada, seria possível desemaranhar do novelo da linguagem técnica e do discurso constritor, que é próprio da Justiça, tensões, atitudes, visões de mundo, experiências – enfim um conjunto de atributos culturais – dos atores sociais enredados no processo judicial e que culminaram na inauguração daquele ato formal. Além disso, acedem que da mesma documentação podem emanar valores, regularidades e comportamentos sociais indistinguíveis em outro tipo de fontes, conforme aponta Sueann Caulfield: "É possível encontrar, nas entrelinhas dos depoimentos, evidências de como vítimas, réus e testemunhas descrevem não somente os acontecimentos que os levaram à Justiça, mas também diversos relacionamentos sociais e condutas que eles consideravam corretos ou errados. Mesmo quando mentem ou inventam posturas morais, fazem-no de uma forma que acreditam ser verossímil e, portanto, ajudam a traçar os limites da moralidade comum (ROSEMBERG; SOUZA, 2009, p.162).

Cabia a nós buscar as evidências e realizar as possíveis interpretações. Estes documentos permitiram dar um passo importante para compreensão das relações de trabalho que se realizavam na região, e também das noções que os trabalhadores e proprietários tinham sobre os direitos do trabalhador e da própria justiça. Ali vislumbramos ainda, disputas quanto a própria compreensão das relações de trabalho e os acordos e arranjos que eram realizados, mas que nem sempre coincidiam com a legislação vigente e por isso, nos deram indícios que a luta de classes, muitas vezes também ocorriam no espaço da burocracia judicial.

A Justiça do Trabalho era uma das possibilidades que se apresentavam aos trabalhadores para resolver seus conflitos e resistir quando se sentiam lesados em seus direitos, ou injustiçados pela ação do proprietário.

Ainda se juntam as fontes apresentadas, fotografias, recortes de jornais, censo demográfico e dados elaborados e produzidos pelo IBGE, e a historiografia produzida sobre o tema. Todos estes documentos (e monumentos) foram imprescindíveis na construção de nossa tese, e no desenrolar do novelo dos fatos que pretendíamos apresentar. Não foi uma tarefa fácil trabalhar com tantas fontes de diferentes origens. Mas acreditamos que é exatamente na diversidade de fontes e suas peculiaridades, que conseguiríamos encontrar nossos personagens, confirmar algumas hipóteses e levantar novos problemas a partir da perspectiva da história social.

38 Ao avaliar este longo processo de compor, decompor e recompor percebemos que no final, a maior contribuição não está em responder as hipóteses levantadas, ou fornecer versões definitivas sobre os personagens e fatos estudados. A verdadeira contribuição está em apresentar novos problemas, indicar possíveis horizontes e fontes inéditas que podem ampliar nosso campo de visão sobre a História Social e seus personagens: a classe trabalhadora.

É a partir destas perspectivas que apresentamos o trabalho que está estruturado nos seguintes capítulos.

No primeiro capítulo “A terra, o café, o pioneiro e outras possibilidade de construção de uma história social sobre o Norte do Paraná”, realizamos uma reflexão sobre a produção de memorialistas e da escrita acadêmica produzida sobre a História do Norte/Noroeste do Paraná. O texto que está subdividido em três momentos, objetiva apresentar como que ao longo do tempo tivemos um reelaborar sobre a história e memória do processo de reocupação da região Norte, que coincidiu com os interesses do capital e do Estado sobre o espaço e a população.

No segundo capítulo “Nortistas e baianos: Fabianos e Sinhâs Vitória no Norte do Paraná” através da combinação de fotografias produzidas pela Empreza Colonizadora Norte do Paraná, fontes orais e documentos eclesiais produzidos pela Igreja Nossa Senhora Aparecida, evidenciamos quem eram os trabalhadores nortistas, do ponto de vista econômico, social e cultural no momento em que estes trabalhadores chegaram na região. Neste âmbito, dividimos o capítulo em três momentos: o primeiro, refere-se ao registro elaborado pelo capital imobiliário sobre os trabalhadores no momento que se estabeleceram na região. Neste sentido, buscamos problematizar o recorte produzido pelo obturador do fotógrafo que registrou em 1952 os trabalhadores e o processo de reocupação da região. No segundo momento, buscamos problematizar as informações registradas nas fotografias a partir das fontes orais. Com a transcrição e análise dos relatos tentamos historicizar os percursos e experiências dos trabalhadores que foram registrados nas imagens, fazendo assim, uma análise a contrapelo das fotografias. Por fim, apresentamos os dados levantados junto ao acervo de Processos de Casamento (Proclamas) da Igreja Matriz Nossa Senhora Aparecida de Loanda/ PR, no período de 1955-1960.

No terceiro capítulo intitulado “O recrutamento: intensões antagônicas” apresentamos as trajetórias realizadas pelos nortistas até o Paraná. Nelas buscamos evidenciar as motivações, esperanças e expectativas que guiaram os andantes, e se inserem assim, no campo de possibilidades que se apresentavam a classe trabalhadora no transcorrer dos anos de

39 1940 a 1970. São ainda apresentados os antagonismos existentes entre a propaganda realizada pelo capital imobiliário, proprietários e a realidade encontrada no local pelos trabalhadores no momento de sua chegada. Entre os interesses do capital e a expectativa dos trabalhadores, podemos reconhecer um conjunto de conflitos que se misturam a composição social e cultural da cidade, e dali, fomenta a conjuntura de constituição da memória social e da história destes trabalhadores.

Por fim, no quarto capítulo “Sobre as relações de trabalho: cotidiano, justiça e memória sobre o trabalho”, é realizado um estudo sobre os diferentes acordos e arranjos que identificam as relações de trabalho no recorte temporal estudado. Para tanto, partimos da análise de autos trabalhistas que foram registrados na Vara do Trabalho da Comarca de Loanda entre os anos de 1955 e 1973.

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CAPÍTULO I - A TERRA, O CAFÉ, O PIONEIRO E OUTRAS POSSIBILIDADE DE CONSTRUÇÃO DE UMA HISTÓRIA SOCIAL SOBRE O NORTE DO PARANÁ

E andava para o Sul metidos naquele sonho. Uma cidade grande, cheia de pessoas fortes (...). Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão continuaria a mandar gente para lá. O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, Sinhâ Vitória e os dois meninos (RAMOS, 1975, p. 134).

No livro “Vidas Secas” Graciliano Ramos, narra a trajetória de uma família de trabalhadores que, fatigados pela seca, explorados pelo patrão, oprimidos pelo Estado, saem em caminhada em busca de trabalho. Graciliano os faz migrar permanentemente, aludindo à realidade dos trabalhadores pobres e com poucos recursos culturais e político para enfrentar fazendeiros, seus jagunços e o Estado sequestrado pelas classes dominantes. Graciliano vê poucas saídas para os trabalhadores e destaca o cangaço. Mas Fabiano e sua família seguem sós, errantes, migrantes, retirantes na visão de Portinari. É assim que Graciliano retrata migrantes nordestinos migrantes nos anos 30.

Na última cena da história, Fabiano e Sinhâ Vitória saem novamente em retirada, após estiagem, que provavelmente possivelmente os jogariam à sorte. Antes que o patrão chegasse para “fazer as contas” e aumentar a “dívida” eles saem em retirada, travando conversa com o próprio inconsciente sobre o futuro que os aguardava e as incertezas e pretensões de encontrar uma cidade maior, local com trabalho, escola para os dois filhos, uma vida digna, “de gente”. Este foi o principal sentimento para trabalhadores como Fabiano. E vinte anos depois pode-se tomar os traços principais da expropriação e expulsão de Fabiano e do romance como características da história dos sujeitos que discutirei aqui.

Essa permanência atesta que a acumulação capitalista segue assentada na expropriação de famílias inteiras de trabalhadores. E que, ao mesmo tempo, as especificidades históricas de cada caso fizeram-se a partir das relações de trabalho resultantes da luta de classes. Por esse motivo a história de Fabiano pode ser tomada como representativa de milhares de trabalhadores migrantes que se deslocaram da região Norte para Sul, entre as décadas de 1930 e 1970.

Baianos, cearenses, alagoanos, mineiros, mas também, paulistas, catarinenses e imigrantes de outros países, deslocaram-se ao longo deste período para a nova fronteira agrícola formada a partir da década de 1940 na região Norte do Paraná. Do ponto de vista do Estado e do Capital, a criação de uma nova fronteira significou o acúmulo primitivo do capital a partir

41 da mercantilização da terra e a oferta elástica da mão-de-obra (OLIVEIRA, 2008), com a expansão do modelo de produção agrário exportador dependente com a implantação na região da cultura cafeeira e a geração de novas fontes de arrecadação do Estado.

Desta forma, o Capital ganhava duplamente: pela mercantilização da terra que se tornou um “bem” material, e ainda, com exploração capitalista da agricultura através da produção do “ouro verde”. Essa expansão do capitalismo sobre região, coincidia com as transformações gerenciadas pelo Estado a partir da década de 1930, que significaram uma nova correlação de forças sociais, da reformulação do Estado e regulamentação das relações entre capital e o trabalho, necessários para a transição da economia agrário exportadora, para estrutura produtiva de base industrial (OLIVEIRA, 2008). Neste aspecto, tomamos emprestado a assertiva de Francisco Oliveira, ao explicar que a abertura de novas fronteiras gerava condições do acúmulo primitivo do capital, necessários para consolidação deste processo. Segundo ele:

o trabalhador rural ou o morador ocupa a terra, desmata, destoca, e cultiva a lavouras temporárias chamadas de “subsistência”; nesse processo, ele prepara a terra para as lavouras permanentes ou para a formação de pastagens, que não são deles, mas do proprietário. Há, portanto, uma transferência de “trabalho morto”, de acumulação, para o valor das culturas ou atividades do proprietário, ao passo que a subtração de valor que se opera para o produto direito reflete o preço dos produtos da lavoura rebaixando-os (OLIVEIRA, 2008, p.43).

A partir do ponto de vista defendido por Francisco Oliveira, é possível observar que a criação de uma nova fronteira no Norte do Paraná, deve ser compreendida dentro processo de expansão do próprio capitalismo como uma estratégia elaborada pelo Estado que designou um novo papel para a agricultura: não mais como meio de geração de lucros para manutenção de bens de consumo, mas de geração de riquezas destinados a manutenção e expansão da cultura urbana e industrial.

Do ponto de vista do Estado, temos que ressaltar que a criação de uma nova fronteira agrícola com ampla oferta de trabalho, aliviava a tensão existente em regiões com excesso demográfico e que apresentavam cada vez mais a contradição do capital: a crise latifundiária no nordeste e surgimento dos movimentos campesinos (SILVA, 1999; MEDEIROS, 1989); a aglomeração de trabalhadores no Sudeste; a pobreza e a miséria gerada pelas frequentes secas que assolavam o norte de Minas Gerais e Nordeste; acompanhada da reestruturação do capitalismo e da própria relação entre capital e trabalho, através da regulamentação legislativa (OLIVEIRA, 2008). Ou seja, um conjunto de situações que levaram ao surgimento de uma

42 massa de errantes, que ao longo deste período saíram de seus locais de nascimento, abandonando suas terras (quando estas já não haviam sido tomadas), em busca de trabalho. Todos estes fatores devem ser levados em consideração para a compreensão das relações resultantes da criação de uma nova fronteira agrícola.

A propaganda disseminada pelas companhias imobiliárias e pelo Estado do Paraná, sobre a grande produtividade da terra e o rápido crescimento urbano se tornaram grandes chamarizes para a população que passou a circular por toda região7. As famílias que chegavam

ao Norte do Paraná buscavam adquirir pequenos lotes de terra de até 10 hectares (com compra facilitada pelas empresas imobiliárias), mas procuravam principalmente trabalho e riqueza prometida pela extensa propaganda privada e estatal sobre as riquezas produzidas pelo “ouro verde”, o café. O “ouro verde”, foi introduzido na região a partir da ação da Companhia de Terras Norte do Paraná. Ao se constatar a fertilidade da “terra rocha”8 na região de Londrina e

Maringá, esta companhia passou a empreender uma ampla propaganda sobre as possibilidades de produção de cafezais.

Estes trabalhadores, que em sua maioria não conseguiram adquirir um pedaço de terra, mas eles se disseminaram rapidamente e foram responsáveis por promoverem a reocupação da região Norte do Estado do Paraná (anteriormente sob o domínio de grupos indígenas que ainda persistem na região).

Entretanto, via de regra, essa experiência de milhares de famílias foi excluída ou desconsiderada pelas narrativas e pela história oficial sobre a constituição das cidades que atualmente formam a região Norte/ Noroeste do Estado. Sobre isso, é preciso fazer uma distinção. Aqueles que chegaram ao Norte do Paraná o fizeram em condições desiguais. Os trabalhadores vindos do Nordeste e Norte de Minas Gerais, eram trabalhadores pobres, cujas

7 As propagandas que chegavam via rádio, jornais, cartazes, ou mesmo de boca em boca se tornaram foram

fundamentais para o processo de reocupação. Neste sentido, conseguimos averiguar que o processo de atração de atração de população para região ocorreu de duas formas: a) ocorreu ampla campanha pelas empresas imobiliárias que investiram em material impresso (cartazes, panfletos, matérias jornais), propagandas em jornais, vídeos veiculados nos cinemas do interior paulista e circulação de “picaretas” com fotografias em busca de compradores de terras; por outro lado tivemos a ação de gatos contratado pelo Estado, proprietários rurais, ou mesmo que agiam “por conta”, que iam até regiões mais pobres e com mão-obra-abundante como Norte de Minas Gerais, e os Estados do Nordeste e ofereciam induziam os trabalhadores a mudarem-se para a região, muitas vezes em levas acompanhados de vizinhos, filhos, parentes etc. Formas como isso poderia acontecer eram muitas, como foi contado por alguns de nossos entrevistados como problematizaremos ao longo do texto. Entretanto, em ressaltamos que nos dois casos, tantos os trabalhadores que eram abordados para a venda da terra, como para trabalhar na terra, eram seduzidos pela riqueza produzida pelo café.

8 A região Norte do Paraná ficou famosa a partir dos anos 20 pela presença da chamada “terra roxa”, sendo

inclusive mote utilizado pelas empresas imobiliárias para venda de propriedades rurais. Considerada um solo de propriedade superior, pode ser caracterizado pelo tom avermelhado e muito fértil, resultado da decomposição de rochas basálticas pertencentes à Formação Serra Geral de origem vulcânica. Sua cor avermelhada é resultado da presença do óxido de ferro conhecido por magnetita.

43 expectativas centravam-se no trabalho. A maioria dos que vinham do Sul e de São Paulo traziam algum capital para comprar terras9 e partilhavam de um objetivo comum: pretendiam o lugar

das classes dominantes. Por isso, tinham perspectiva diferentes no processo de reocupação. Entretanto, no conjunto da produção historiográfica produzida até os anos 1990, da história oficial e suas fontes constituída por relatórios, obras de memorialistas sobre região Norte/ Noroeste do Paraná, estes trabalhadores foram ignorados. Parte do que enfrentamos relativamente a tal historiografia pode ser resumida na reflexão de Jean Chesneaux:

As classes dirigentes e o poder do Estado somente apelam ao passado de maneira explicita: a tradição, incluída em seus componentes culturais específicos a continuidade, a história, são todos invocados como fundamento de sua dominação (CHESNEAUX, 2005, p.30).

Quanto a este fato, assinalamos que tradicionalmente, na região noroeste, a história que é ensinada e aprendida nos bancos escolares e se perpetua no imaginário social, é aquela em que figuram como personagens principais o capital imobiliário e as elites locais, loureadas como pioneiros. Neste sentido, estes grupos que se consolidaram a partir da exploração capitalista da terra, não apenas asseguraram seu domínio na região a partir da exploração da mão-de-obra e da propriedade, mas ainda, do domínio sobre a produção de versões sobre o passado, que se perpetuam como tradição.

Temos que assinalar que a “história” elaborada sobre a região tendeu a eleger sujeitos sociais vinculados ao capital e à dinâmica capitalista (o Estado, empresas imobiliárias e/ou

No documento ADRIANA DE CARVALHO MEDEIROS (páginas 38-96)

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