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A relação entre cinema e educação não é recente. Já no início da história do cinema, no final do século XIX, seu potencial educativo foi explorado de diversas maneiras, como disseminador de ideologias e até usado como propaganda política.

Que o cinema possui um potencial educativo poderoso, disseminador de ideias, não se pode negar, ainda que muitas vezes tenha sido usado de maneira negativa e manipuladora. Talvez por isso, educar para o cinema seja uma maneira de libertar o público das possibilidades de manipulação e imersão submissa ou, pelo menos, contribuir para fortalecer seu pensamento crítico e reflexivo diante das mídias onde se insere.

Se a escola é uma das instituições responsáveis pela educação das novas gerações, inserir o cinema no trabalho educativo e na formação de crianças e jovens se torna essencial, embora os próprios professores ainda estejam ampliando seu repertório e sejam também “alunos” dessa nova experiência de pensar e fazer cinema na escola.

Fischer considera a docência um lugar privilegiado de experimentação e transformação de si. “Lugar de onde talvez seja possível não exatamente pensar nossos limites e as forças que nos constrangem, mas as condições e possibilidades infindas, imprevisíveis e indefinidas de nos transformarmos e de sermos diferentes do que somos” (2009, p. 94).

Para a autora, narrativas audiovisuais do cinema e da televisão são parte importante da formação, da educação do olhar, da sensibilidade e educação ética. Formação que ela entende não apenas como algo institucional, mas “[...] assumida como uma escolha da própria existência, como busca por um estilo de vida, de um cuidado consigo” (FISCHER, 2009, p. 95).

Educar-se com imagens não é uma tarefa fácil, significa sair do lugar-comum, diz Fischer, pois

[...] exige esforço de fugir aos apelos imediatos das explicações causais, consoladoras, dos julgamentos apressados ou rígidos para abrirmos todos os sentidos ao que lemos e vemos, empregando nessa tarefa nossa capacidade intelectiva, nossa bagagem de informações com o objetivo de fazer da experiência de ver também um espaço privilegiado de transformação de nós mesmos. (2009, p. 97)

Para ela, é preciso

[...] pensar a formação docente a partir de materiais oferecidos pela farta produção cinematográfica e televisiva a que temos acesso. Mais do que isso, pensar a formação docente seguindo trilhas de olhares, gestos, sonorizações, roteiros, silêncios, enunciações – preferencialmente aquelas trilhas que, de alguma forma, jogam o mínimo possível com a linguagem da dominação, com o aprisionamento aos clichês do espetáculo cinematográfico ou melodramático. [...] Fisgar possíveis espectadores em busca de tesouros singelos da produção cinematográfica e televisiva, atual ou de outras épocas, num trabalho de garimpo em nome da abertura a narrativas que nos provoquem transformação, na medida em que estas não cheguem para ocupar todos os espaços, que não se instalem para fazer de nossos imaginários, imaginários em excesso. Mas que cheguem para fazer algo em nós. (FISCHER, 2009, p.101)

O cinema é fascínio, é mística, é preservar a curiosidade de criança, é fugir da realidade e ser parte de outra, é viver cinematograficamente, é uma função social, é refletir sobre a própria condição humana, é arte, é uma declaração de amor, é um meio de reflexão, é invenção, é um instrumento de análise da história, diz Lopes (2007). É também um desaprender do gosto, talvez.

Para Lopes, “[...] definir o cinema seria como definir a arte, ou alguma coisa ainda mais vasta, definir o indefinível, a vida mesma” (2007, p. 14). E trabalhar com o cinema em sala de aula não é torná-lo suporte, mas torná-lo a própria sala de aula, através de dois objetivos principais:

[...] o cinema como forma artística que se apresenta ao espectador como real, e que este seja ponto de

partida para uma reflexão crítica sobre questões

políticas, filosóficas, sociológicas, antropológicas e educacionais; além de despertar o interesse dos alunos pelo estudo, auxiliando a formação de agentes multiplicadores do pensamento crítico. (LOPES, 2007, p. 29)

Lopes resgata a publicação de “A educação cinematográfica”, realizada pela Unesco em 1961, dizendo que

[...] a melhor forma de defender o público, e em particular a juventude, de excessos e erros das mensagens audiovisuais, é a formação e a criação de hábitos pelos espectadores, de forma a garantir a escolha e a melhor compreensão da mensagem audiovisual. (LOPES, 2007, p. 36)

Se, para Lopes, existe a necessidade de preparar o público, no sentido da proteção, limitando seu acesso a um conteúdo de qualidade, Buckingham acredita que o problema não está em controlar este conteúdo, mas preparar o público para qualquer manifestação audiovisual, através da sua participação na produção, que contribui para a reflexão e análise crítica, visão da qual compartilho e considero mais ampla.

E educar pelo cinema ou utilizar o cinema no processo escolar “[...] é ensinar a ver diferente. É educar o olhar. É decifrar

os enigmas da modernidade na moldura do espaço imagético”, diz Lopes (2007, p. 37).

Para ele

[...] filmes que confirmam o sistema devem ser desmistificados no processo educacional, no processo escolar. [...] É fundamental ver e analisar com os alunos alguns filmes “modelos” dos principais gêneros do cinema hegemônico e procurar fazer a crítica desse cinema. Este será um bom ponto de partida, para em seguida iniciar os alunos num repertório intelectual e cinematográfico mais sofisticado. (LOPES, 2007, p. 38-39)

Podemos entender que a visão de Lopes se aproxima da perspectiva de Snyders (1988), que acredita na transformação da “cultura primeira” em “cultura elaborada”, responsabilidade da escola e da educação em geral, na qual as crianças encontrariam satisfação escolar ao se depararem com produtos culturais que já conhecem, mas também encontrando outras possibilidades de apreciação e reflexão.

Na perspectiva da mídia-educação, o cinema pode ser entendido

[...] a partir das diversas dimensões estéticas, cognitivas, sociais e psicológicas inter-relacionadas com o caráter instrumental, educar com e para17

o cinema, e com caráter de objeto temático, educar sobre o cinema. Ou seja, a educação pode abordar o cinema como instrumento, objeto de conhecimento, meio de comunicação e meio de expressão de pensamentos e sentimentos. (FANTIN, 2011, p. 110)

Fantin diz que a relação entre cinema e educação “[...] foi marcada historicamente por práticas didáticas no contexto escolar que utilizavam o cinema como mero recurso audiovisual” (2011, p. 116). A autora diz que esta prática é inevitável, já que usar o cinema como recurso instrumental “[...] faz parte de sua

17 Grifo meu.

inserção na escola, mas o problema é quando o uso do cinema se reduz a isso” (ibidem, p. 118).

Neste sentido, é importante considerar que o cinema é mais do que instrumento, pois é também “[...] objeto de experiência estética e expressiva da sensibilidade, do conhecimento e de múltiplas linguagens humanas” (FANTIN, 2011, p. 118).