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CIRCUITOS CURTOS DE COMERCIALIZAÇÃO – A FEIRA COMO ESPAÇO DE TROCA

4 SEMENTES CRIOULAS E SOBERANIA ALIMENTAR

4.4 CIRCUITOS CURTOS DE COMERCIALIZAÇÃO – A FEIRA COMO ESPAÇO DE TROCA

Quando se pensa em comercialização, nos vêm em mente às relações frias de consumo; mas quando nos reportamos às feiras, isso tem outro olhar e vivência. As feiras, consideradas como circuitos curtos de comercialização, aproximam quem produz de quem consome, transformando relações que antes eram mediadas somente pelo dinheiro em relações de troca, de reciprocidade.

Os circuitos curtos de comercialização podem ser entendidos a partir do exposto por Ploeg (2008), como responsáveis pela produção, pela distribuição e pelo consumo

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de alimentos produzidos em tempo e distância menores, aproximando produção e consumo, tornando possíveis novas relações de mercado, interconectadas com o local e as suas especificidades.

De acordo com Viegas (2016) os circuitos curtos de comercialização estão inseridos na construção de processos mais autônomos de produção, comercialização e de consumo, inseridos em ambiente e culturas locais, fortalecendo as relações sociais entre agricultores e consumidores.

Segundo Sabourin (2012), a venda direta nas feiras locais e agroecológicas,as quais são exemplos de mercados de proximidade, gera laços e produz sociabilidades a partir da relação direta entre produtor e consumidor. Isso pode ser verificado no caso da AGABIO, em que a ideia de realizar a feira surge dos consumidores, que, quando participavam da Mostra da Agrobiodiversidade, pediam que esses produtos fossem ofertados com mais regularidade e não somente uma vez ao ano, que é a periodiocidade de realização da mostra.

Essa reação dos consumidores, em fazer o pedido aos agricultores para a realização de uma feira com maior periodicidade está alicerçada no que podemos chamar de consumo responsável , onde o consumo responsável é aquele em que se consideram os valores, as condições de trabalho e ecológicas em que um produto ou serviço é elaborado, bem como o impacto social e ambiental de sua comercialização e consumo, supõe ser consciente sobre os nossos hábitos e tem uma atitude reflexiva perante o mundo que vivemos (MAULEON e RIVERA, 2009).

Como afirmam Mauleon e Rivera (2009, p. 55) é mediante este consumo que se integram nossas valorações no ato de consumo de maneira que o que compramos seja coerente com o que pensamos.

A partir então deste pedido e da organização da AGABIO, em dezembro de 2015, este desejo se tornou realidade, e foi inaugurada a feira da agrobiodiversidade (Figura 53).

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Figura 53 - Flyer de divulgação da feira.

Fonte: Arquivo pessoal da autora (2015).

Cabe ressaltar que nem todas as famílias da Associação participam da feira; isso acontece por inúmeras questões, que vão desde dificuldade de transporte até não terem produtos excedentes, pois consomem e dividem com a família (filhos que residem fora) o que produzem. Existem mais famílias que participam da feira, mas que não foram entrevistadas; das 10 famílias entrevistas, 7 participam da feira, 3 famílias não participam.

Outra questão abordada foi quem da família vai à feira. Em todas as famílias, as mulheres participam, muitas vezes o casal e o filho; isso demonstra que a participação na feira é um interesse coletivo da família.

Sobre os produtos comercializados, pode-se verificar uma grande diversidade; porém, o que é comercializado são os excedentes,daquilo que é consumido pelas famílias. Essa diversidade pode ser observada no Quadro 5.

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Quadro 5 - Alimentos comercializados na Feira.

Grupo Itens

Hortaliças

Alface, beterraba, brócolis, cebola, cenoura, chuchu, couve, couve-flor, couve-manteiga, moranga, pepino, pimentão, rabanete, repolho, rúcula, salsa e cebolinha (tempero verde), tomate, vagem.

Frutas Bergamota, butiá, caqui, laranja, maça, morango, pêssego, mamão, abacate, jaboticaba, butiá.

Cereais, pães, massas e tubérculos

arroz branco, arroz sequeiro, batata-doce, batata cará moela, batata-cará, bolacha caseira, cuca colonial, mandioca, milho verde, moranga, moranga cabotia, pão de abóbora, pão de milho, pão misturado, pão de queijo, rosca de polvilho, farinha de milho, canjica.

Carnes e ovos Ovos (levam galinhas, mas entregam nas residências), banha. Leguminosas Feijão amendoim, feijão preto, feijão variedades Processados e industrializados Doce de frutas, doce de leite

Açúcares e doces Açúcar mascavo, mel, melado.

Fonte: Autora (2017).

As famílias não tem uma organização produtiva para a feira, ou seja, não há um plantio sazonal e escalonado para esta demanda, elas levam os produtos que tem em excedente, como seus cultivos são muito biodiversos garantem a diversidade e uma oferta regular de muitos produtos.

A feira é mais que um espaço de comercialização, é um espaço de trocas, de encontros, como pode ser melhor explicitado na fala de um dos guardiões:

(...) importância da feira um pouco que tem aquele dinheiro cada vez que tu vem ali, tu tem aqueles troquinho pra aumentar mais a renda em casa, e da família. Pra associação é manterem as famílias, por que se não fosse isso aí eu acho que nóis ia perder mais gente,(...) uma forma de se unir, de conversa, que tem problema, que tu tem que o outro tem, troca de uma coisa, pega de outro a semente, e (...) é alegria, as mulher, as principal que vem, quando chega aquele dia é a alegria dela, chega naquele dia, bah quantos dias faz(Agricultor Milho caiano pintado).

A importância desse espaço, que vai além da comercialização, pode ser vista nos rostos dos próprios feirantes/guardiões, como mostra a Figura 54.

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Figura 54 - Guardiões e consumidores em uma das Feiras mensais.

Fonte: Arquivo pessoal da autora (2017).

Segundo Darolt, Lamine, Brademburg (2013, p. 11) a feira constitui espaço social, cultural e educativo, que promove a diversidade, resgata valores e crenças e possibilita a troca de informações sobre alimentação, saúde e qualidade de vida. Essa proximidade promove outras relações, que contribuem na valorização da agrobiodiversidade e, consequentemente, da diversificação alimentar (DAROLT; LAMINE; BRADEMBURG, 2013).

Sobre a importância da feira, os guardiões relatam que a mesma valoriza o grupo, além de ser um espaço de comercialização do excedente:

(...) da feira nós participemos no caso assim, valorizar o grupo, e a outra , pra nois, vende o excedente que é o alimento saudável, no caso, (...) nós vende o diferencial, que é a qualidade né, a qualidade do alimento, e é um dinheiro a mais que a gente tem na propriedade, (..) é divulgar aquilo que é bom, que tem famílias ainda que preservam o que é bom, e leva lá e oferece pra outra família por exemplo, não é como muitos fazem, no caso, que tem esses verdureiro no caso, vende a verdura, mas a horta dele é separada daquele que ele vende, nós não, nos vendemo aquilo que nós também consumimo, então esse é o diferencial também, e isso que também nós divulga o grupo, a AGABIO, a importância da feira é nos coloca o nosso produto, se não nóis ia faze o que dele, o excedente (Agricultor Milho caiano amarelo).

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Podemos verificar as relações existentes nas feiras mediante a fala desses guardiões, reforçando que não é somente um espaço de comercialização, mas é também um espaço de trocas, de saberes e de afetos. São relações de reciprocidade e isso não tem um valor monetário, mas é de uma grande importância para a construção das relações entre as famílias de agricultores e consumidores, como também para o fortalecimento de sua identidade camponesa, bem como uma fonte de motivação constante para o seu ofício e suas práticas (Figura 55).

Figura 55 - Consumidores da feira.

Fonte: Arquivo pessoal da autora (2017).

A feira possibilita outras formas de relação; não que não existam as relações de mercado, mas surgem outras formas, como mostra Sabourin (2011), sobre a teoria da reciprocidade:

(...) procura outra leitura das relações econômicas e sociais que aquela por meio unicamente do principio da troca e, portanto, abre propostas alternativas de economia humana em matéria de desenvolvimento, a partir de outra lógica social e econômica.

As relações de reciprocidade engajam o ser humano (indivíduo ou grupo) na sua totalidade, tanto do ponto de vista material como simbólico e social (SABOURIN, 2008).

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Esse mesmo autor (2011, p.31), baseado nas ideias aristotélicas, comenta que “as relações de reciprocidade estruturadas sob uma forma simétrica são aquelas que geram valores afetivos e éticos [...]”; por isso, faz-se importante a análise da reciprocidade para compreensão das relações estabelecidas no cotidiano.

Os espaços da feira são importantes para o fortalecimento da relação entre as próprias famílias, como pode ser explicitado na fala de uma agricultora sobre o dia de feira:

(...) amendoim, de tudo né, mandioca descascada, meh não tem que chega né, por causa disso a gente diz, tu querendo óia, não podemo se queixa de fazer feira, não podemo se queixa, (...) também tomemochimarraõ, conversemo, tomemo chimarrão, contemo causo (...)(Agricultora Batata doce casca vermelha).

Outra família também reforça a importância financeira de participar, além da valorização que sentem ao estarem na feira:

ele: mas é pra vender os produtos, pra .... ela: fazer dinheiro (risos)

ele: pra se encontrar também é bom

ela: nós tem pouco, tem pouca coisa, sempre tem ele: é pouca coisa e é interessante

ela: (..) fazer uns troquinho

ele: e é bom que as pessoa também vem lá comprar, produto, e valoriza também os produtos da gente a gente se sente valorizado, que eles vem comprar, isso é bom, a feira (Agricultor Milho bico-de-ouro e agricultora Batata doce amarela).

Baseadas nas relações de reciprocidade, podemos verificar esses valores éticos, a preocupação e a responsabilidade sobre o que se produz e comercializa, conforme o relato de um dos guardiões:

(...) o problema era assim, que começou a entrar esses transgênico, e dai o pessoal começaram a se preocupar da saúde, primeira coisa né, comendo aquilo que tu não sabe o que que era, da onde vinha , o que que era né, as radio, as TV avisam que tinha que ter uma explicação na embalagem, o que era aquilo, o que era isso, mas tu ia no mercado não tinha, tudo era uma coisa só, inclusive , desde a farinha de milho, aqui o próprio mercado nosso maior aqui, veio comprar farinha de milho do meu milho que eu tinha, e não comia daquela que ele tinha no mercado, então por um motivo, ai que ta a historia, então se eu não quero pra mim, eu não desejo pros outros (...) (Agricultor Milho caiano pintado).

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As relações diferenciadas que ocorrem nesses espaços de feiras podem ser observadas por consumidores, como relata um informante-chave:

(...) e a satisfação que eu observo nas feiras, a gente vê a satisfação do cara pegar uma moranga Bah "convidar minha filha , fazer uma janta lá em casa pra comer esta moranga aqui", né, um feijãozinho, "bah este feijãozinho aqui meu pai produzia um tempo atrás e eu vou fazer uma feijoada e vou convidar a minha filha ", ou tô recebendo uma visita e pego aquele frango caipira, e pô, faze aquela galinhada lá né, com frango caipira, por que eu to acostumado a fazer coxa e sobre coxa e quero fazer uma galinhada , vai chegar meu vizinho lá, eu quero fazer uma galinhada, tem aniversario da minha mulher, do pai , do meu irmão, de um filho, não sei o que, fazer uma galinhada, e isso dai a gente vê brilhar os olhos do nosso, nossos feirante, por que ele vê, que não é o fato só de estar entregando uma carne pro cara, mas o passo seguinte é aquele produto ser consumido por pessoas diferente que criem esse laço familiar , por que uma coisa é quem trabalha com papel, algo morto, outra coisa é tu entregar o alimento, isso tem um diferencial , a questão da subsistência, a questão da necessidade, do alimento, então tem varias situações que são gratificantes e que eu vejo assim, que quem produz o alimento, ele as vezes no dia-a-dia, no cotidiano, ele não se dá conta, mas na oportunidade que ele tem de comercializar e de ver brilhar os olhos e o comentário daquele alimento vais ser servido desta forma, daquela forma, em que momento, ele vai dizer pô, eu tenho importância neste processo, não e simplesmente vir entregar um kg de mandioca na cidade (...) (Informante Feijão cavalo).

Uma das famílias fala da importância da feira, relacionando essa importância à qualidade dos alimentos comercializados, fortalecendo dessa maneira a soberania alimentar:

ele: uma das importância é por que o pessoal vem atrás pra vê o que tem pra vende e , outras coisa, vamo dize, que vão compra aquilo e aquilo e também por que é tirado da roça meio na hora assim, tirado e também, não pelo menos, com nada de agrotóxico

ela; veneno né, nem que as vez um repolho tem um furinho, uma coisa né, mas pelo menos tu pode dize

ele: pelo menos, nois fizemos assim, bem dize passa um veneno, e nóis não queria come, então aquilo nois não vamo vende pra frente

ela:deusolivre né (...) (Agricultor Milho 8 carreras e agricultora Batata-doce casca vermelha).

As feiras propiciam um resgate da cultura alimentar, pois privilegiam o uso das sementes crioulas, valorizando seu resgate e também o saber fazer, pois nessas relações acontecem as trocas de receitas e de saberes.

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Suplicamos expressamente: não aceite o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar. Bertold Brecht

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES – onde reside o

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