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Diante dessa nova alternativa, Deleuze e Guattari, no primeiro volume da coleção Mil

platôs trabalham com o conceito de rizoma em oposição ao modelo binário da árvore. “A

árvore já é a imagem do mundo, ou a raiz é a imagem da árvore-mundo.” (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 13) Para os autores, o livro imita o mundo e a arte imita a natureza, entretanto, livro e arte não devem estar separados ou ser interpretados de acordo com modelos binários, nem tampouco mundo e natureza. Os quatro elementos devem estar em movimento para a construção de sentido. A separação desses elementos, assim como reza o racionalismo, não funciona e, portanto, devem-se compreender os elementos, como Deleuze e Guattari compreendem as raízes: “pivotantes com ramificação mais numerosa, lateral e circular, não dicotômica.” (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 13)

Corroborando suas propostas, Deleuze e Guattari endossam a ideia dos matemáticos franceses Pierre Rosenstiehl e Jean Petitot, que propõem sistemas a-centrados em oposição aos sistemas centrados tradicionais. Em vez de sistemas binários, sistemas múltiplos; em vez de dicotomias, pluralidades; em vez de repressão da agressividade, utilização criativa dos instintos:

A estes sistemas centrados, os autores opõem sistemas a-centrados, redes de autômatos finitos, nos quais a comunicação s e faz de um vizinho a um vizinho qualquer, onde as hastes ou canais não preexistem, nos quais os indivíduos são todos intercambiáveis, se definem somente por um estado a tal mo mento, de tal maneira que as operações locais se coordenam e o resultado final g lobal se sincroniza independente de uma instância central. Uma transdução de estados intensivos substitui a topologia, e o grafismo que regula a circulação de informação é de algum modo o oposto do grafismo hierárquico... (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 27)

Para que possamos viver sem mal-estar, quer moderno, quer pós-moderno, faz-se necessário reconsiderar nossa situação no mundo, nosso pensar sobre nós mesmos, nossas atitudes para conosco e para com os demais, sejam estes animados, sejam inanimados. Vivemos em um planeta cujo capital natural está se esgotando e que sofrerá colapso ambiental ainda neste século, em aproximadamente cinquenta anos, caso o atual quadro de destruição em que se encontra não seja revertido (se é que isso é possível), já que 60% de todos os ecossistemas do planeta estão degradados ou sendo usados de modo não sustentável, o que acarretará novas doenças, superaquecimento global e escassez de água. Edgar Morin que, ao propor uma educação para as complexidades, situa o homem em suas relações com o outro, com o mundo e consigo mesmo, diz:

Trazemos, dentro de nós, o mundo físico, o mundo químico, o mundo vivo, e, ao mes mo tempo, deles estamos separados por nosso pensamento, nossa consciência, nossa cultura. Assim, cosmologia, ciências da terra, b iologia, eco logia permitem

situar a dupla condição humana: natural e metanatural. Conhecer o humano não é separá-lo do Universo, mas situá-lo nele. (MORIN, 2004, p. 37)

Do mesmo modo, Guattari, em As três ecologias (1990), propõe uma concepção de sujeito interligado com o socius, a psique e a natureza, através de “recomposição das práticas sociais e individuais que são agrupadas segundo três rubricas complementares – a ecologia social, a ecologia mental e a ecologia ambiental – sob a égide ético-estética de uma ecosofia.” (p. 23). As três ecologias apontadas por Guattari devem se engajar enquanto sistemas multipolares, e não bipolares tais como querem as oposições dualistas tradicionais. Devido não só ao seu grau de complexidade, mas também à necessidade de que se estabeleça lógica diferente da tradicional, as três ecologias devem se desprender de paradigmas pseudocientíficos e caminhar para relação regida pela lógica das intensidades “que se aplicam aos agenciamentos existenciais auto-referentes e que engajam durações irreversíveis” (p. 27) e diz respeito tanto aos seres humanos, “constituídos em corpos totalizados”, quanto a todo o resto.

Enquanto que a lógica dos conjuntos discursivos se propõe limitar mu ito bem seus objetos, a lógica das intensidades, ou a eco lógica, leva em conta apenas o movimento, a intensidade dos processos evolutivos. [...] Conclu indo, as três ecologias deveriam ser concebidas como sendo a alçada de uma disciplina comu m ético-estética e, ao mesmo tempo, co mo distintas uma das outras do ponto de vista das práticas que as caracterizam. (GUATTA RI, 1990, p. 27)

Assim sendo, aceitar o complexo torna-se imprescindível para que deixemos de procurar soluções únicas para as coisas, para que deixemos de querer estar ou seguros ou livres, para que aceitemos o fim do humanismo e busquemos um novo modo de existência para a humanidade, para que deixemos de simplificar algo tão múltiplo, plural e complexo, e passemos a problematizar nossa condição enquanto seres humanos habitantes de uma época caótica. Sobre isso, Deleuze diz em Diferença e repetição (1988):

É u m preconceito infantil, segundo o qual o mestre apresenta um problema, sendo nossa tarefa resolvê-lo e sendo o resultado dessa tarefa qualificado de verdadeiro ou de falso por uma autoridade poderosa. [...] É esta a origem de uma grotesca imagem da cultura, que se reencontra igualmente nos testes, nas instruções governamentais, nos concursos de jornais (em que se convida cada um a escolher segundo seu gosto, com a condição de que este gosto coincida com o de todos). Seja você mesmo, ficando claro que este eu deve ser o dos outros. Co mo se não continuássemos escravos enquanto não dispusermos dos nossos próprios problemas, de uma participação nos problemas, de u m d ireito aos problemas, de u ma g estão dos problemas. (DELEUZE, 1988, p. 259)

Problematizar. Quem sabe assim poderemos não desconstruir uma sociedade tão complexamente rica como a nossa, mas passar a percebê-la sob outros pontos de vista, reconstruindo-a para que se torne um lugar onde o homem exista, livre, seguro e feliz: “Queremos ser os poetas de nossa própria vida, e, primeiro, nas menores coisas.” (NIETZSCHE, In: MORIN, 2002, p. 47)

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