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3 PRESSUPOSTOS DE UMA COMPARAÇÃO: A ARTE PARA BACON,

3.4 A CLASSE 700 DE DEWEY: UMA INTRODUÇÃO

Dewey estabelece seu sistema decimal apoiado em todo conhecimento acima apreciado. Embasado no idealismo de classificar o saber universal, Dewey objetivava compor um arranjo simples e conciso que fosse eficiente para todas as bibliotecas dos Estados Unidos.

Em abril de 1874 [Dewey] escreve em seu diário: “a primeira coisa será, tanto quanto possível, consistência com clareza. Um arranjo cuidadoso na ordem certa para facilitar a compreensão e referência, o mais importante de toda a sua substância. Aqui a economia mais rígida deve governar; nossas bibliotecas precisarão exercitar sua economia direta e qualquer sistema que não permita tal economia deve ser descartado para os usuários. (WIEGAND, 1998, p. 182, tradução nossa).

Para alcançar tal objetivo, Dewey opta por utilizar números decimais para compor suas notações, convencido que o sistema métrico ofereceria simplicidade, eficiência e potencial ilimitado de expansão. Submete a esta organização uma lógica hierarquia de classes e subclasses, baseando-se no esquema de Harris, que se adequava ao mundo anglo-saxônico em que Dewey nasceu e que se aprimorou em Amherst (WIEGAND, 1998).

Segundo Olson (2011), as subdivisões das disciplinas refletem os discursos de especialistas e Dewey contou com os professores – hegelianos – do Amherst College para definir o conteúdo de cada classe de seu sistema.

Por meio da classe 700, dedicada às Artes, é possível observar a lógica de Harris, inspirada em Hegel, fundamentalmente refletida na classificação de Dewey, conforme ilustra a Figura 7. Em seus escritos, todavia, Dewey, assim como Harris, reconhece suas dívidas à Bacon e não mencionam Hegel como fonte.

Figura 7 – Aproximação das classificações de Bacon, Hegel, Harris e Dewey. Classificação de Bacon Artes (destaques) Sistema das Artes de Hegel Belas Artes Classificação bibliográfica de Harris 65. XII. Belas Artes Classificação Decimal de Dewey – 23ª ed. Classe 700 e 800 História C. Artes Poesia A. Narrativa ou Heroica (Épica) B. Dramática C. Alegórica. Fábulas, Mitologias, etc. Filosofia C. Filosofia humana (d) Voluptuária (Artes Liberais) (1) Pintura (2) Música 1. Arquitetura a. Arquitetura 710 Planejamento de área e arquitetura paisagística 720 Arquitetura

2. Escultura b. Escultura 730 Escultura e artes relacionadas 3. Pintura c. Desenho e Pintura 740 Artes gráficas e decorativas 750 Pintura d. Gravura e

Litografia 760 Gravuras e impressões e. Imagens (coleções) 770 Fotografia 4. Música f. Música 780 Música 790 Artes performáticas e recreacionais 5. Poesia XII. Poesia 69. XVI Prosa Ficcional 800 Literatura e retórica Fonte: Elaborado pela autora

A classe 700 cobre as artes: arte em geral, belas artes e artes decorativas, música e artes performáticas. Recreação, incluindo esportes e jogos, está também subordinada à classe 700. [...] A classe 800 cobre literatura, e inclui retórica, prosa, poesia, drama, etc. [...] (DEWEY, 2011, v. 1, p. XLV, tradução nossa).

A lógica seguida no sistema de Dewey apresenta nas classes 700 e 800 o movimento que vai das artes mais concretas para as mais abstratas, iniciando pela Arquitetura e finalizando com a Poesia, como preferia Hegel.

A abordagem de Dewey reflete as presunções ontológicas e epistemológicas da filosofia ocidental do século em que viveu, apresentando os valores da cultura europeia e norte-americana (OLSON, 2001). As artes são representadas por Bacon de maneira dispersa em seu sistema, porque, à sua época, século XVII, o entendimento de Arte não era o mesmo do século XIX. Dewey determinou o arranjo e o conteúdo das disciplinas de sua classificação de acordo com o regime de verdade17 de seu tempo, o mesmo de Hegel e Harris.

17 “Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua ‘política geral’ de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela

acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro” (FOUCAULT, 1998, p. 12).

Bacon está presente em Harris e Dewey na macroestruturação de seus esquemas, organizando-os com base nas faculdades mentais Memória-Imaginação-Razão, utilizando as ideias formativas do filósofo.

A rigidez de uma estrutura que “privilegia as relações hierárquicas sobre todos os outros tipos de relações [...] inibe a capacidade da CDD de se adaptar a contextos de mudanças e da interdisciplinaridade” (OLSON, 2011, p. 12), o que é particularmente um problema no mundo contemporâneo. O desequilíbrio notacional torna-se comum e, nas atualizações, novos assuntos precisam ser “espremidos em áreas superlotadas, frequentemente resultando em longas classificações, ou em localizações surpreendentemente inapropriadas” (CRIPPS, 2011, p. 5-6, tradução nossa). “À medida que novas formas de arte aparecem,

problemas se desenvolvem na classificação de livros sobre tais assuntos” (CLARKE, 1976, p. 3, tradução nossa).

Conforme Bostick e Mandel (1976), a classificação bibliográfica das Artes lida com o produto do espírito criativo humano e pode ser incômodo, àqueles que valorizam essa individualidade, reduzi-la a classes e a generalizações. Uma classificação pobre pode impedir uma pesquisa ou apresentar como resultado um corpo de informações insuficientes.

A falta de especificidade para alguns tópicos é uma questão, sempre misturando recursos de áreas abrangentes com as mais estreitas. Além disso, são restrititvas as facilidades para construção de notações, dificultando a classificação de recursos com vários assuntos e a apresentação da relação entre os assuntos. Aplicado “fora da caixa”, a natureza determinante de Dewey fornece poucas opções para a organização de uma coleção específica. (CRIPPS, 2011, p. 6, tradução nossa).

Ao estabelecer seu esquema, Dewey o fez conforme o pensamento vigente, ou novo, de seu tempo, mantendo-se adequado até o desenvolvimento do entendimento de arte.

O novo está diretamente imbricado ao moderno. Não se deve entendê-lo como algo que não havia acontecido até determinada data, onde finalmente se manifesta. Novo não é a primeira aparição de alguma coisa, pois esta pode surgir desgastada e completamente distante do que seja novo. Devemos entender o novo como “o que está no seu tempo e de acordo com o seu tempo” [...] Estar no seu tempo é estar de acordo com o progresso do seu próprio tempo. (LUZ, [20--?]).

Tornando-se pluralista, a arte deixa de se encaixar no esquema monolítico de Dewey que define as classes principais pelas formas de arte. As mudanças não possuem caráter qualitativo, mas demonstram uma nova postura perante o mundo.

Retornaremos a esses impasses proporcionados pela classificação de Dewey no cenário contemporâneo do século XXI mais adiante, na seção final da presente dissertação.