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4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.3 EIXO 2: DESCRIÇÃO DOS PROCESSOS TRANSICIONAIS

4.3.2 Classe 5: transições situacional e organizacional

Por sua vez, a Classe 5 agrupa 60 segmentos de texto (21,90%), e as palavras associadas a ela fazem menção ao diagnóstico inicial da hanseníase, dos procedimentos médicos iniciais, como também da saída de casa como forma de tratamento. Na Figura 6, observa-se o resultado da análise de similitude desta classe, que é formada por uma comunidade central organizada ao redor de

“hanseníase”, em que estão ligadas as comunidades “tomar”, “sair”, “hospital colônia”, “vir”, “descobrir”, “chegar” e “médico”.

A partir das palavras que formam as comunidades, bem como nas relações entre elas, é possível inferir que esta classe aborda aspectos relacionados à ida ao Hospital Colônia para a institucionalização. Nota-se ainda um certo medo em relação aos parentes que ficaram em casa, especialmente por conta da contaminação. O diagnóstico de hanseníase parece ter sido feito por médicos, os quais podem ter utilizado o termo “lepra” para explicar aos pesquisados-cuidados qual é o seu quadro clínico, ao passo que o tratamento era indicado, com destaque para os medicamentos.

Figura 6 - Análise de similitude da Classe 5, Parnaíba-PI, 2022.

Fonte: Própria Autora (2022).

Quanto aos segmentos de texto da Classe 5, é possível verificar elementos levantados a partir do grafo de similitude:

No dia seguinte fiz os exames e acusou hanseníase, perguntei ao médico o que era hanseníase e ele me disse que hanseníase era a antiga lepra antes de Cristo. Não fiquei espantado. Eu fiquei espantado com todos os pacientes que tinham aqui (Informação verbal).

Achava que ia morrer, que não tinha cura, mas fiz muitas perguntas ao médico e a assistente social, cheguei a perguntar se eu ia ficar curado e me disseram que se eu fizesse o tratamento de seis meses, ficaria curado (Informação verbal).

Tem-se o processo de comunicação do diagnóstico. Além disso, é possível observar as primeiras reações dos pesquisados-cuidados ao descobrirem o diagnóstico:

Eu fiquei muito preocupado porque não conhecia o problema da hanseníase. Quando tomei conhecimento do que era a hanseníase, fiquei despreocupado. E depois que ingeri a primeira dosagem ainda ficou melhor para mim (Informação verbal).

(...) e descobriu que eu estava com hanseníase. Para mim foi um susto, eu era uma criança, e fiquei abandonado dentro do Hospital Colônia, sem família, sem ninguém, sem nada. Foi muito difícil me acostumar, mas me acostumei (Informação verbal).

As principais preocupações dos pesquisados-cuidados em relação ao diagnóstico parecem girar em torno das famílias, como visto em:

Comecei o tratamento de seis meses e o médico falou que não tinha perigo de contaminar minha família, então, fiquei alegre, mas percebi que as pessoas tinham medo de pegar a doença (Informação verbal).

Tinha medo dessa hanseníase. Eu fiquei meio assustado, porque eu estava com minha família. E eu fiquei com medo deles pegarem, pois disseram que ela pegava. Os meus copos, pratos, eu mesmo separei lá em casa, com medo deles pegarem (Informação verbal).

Nesse contexto, o distanciamento pode ter sido a forma como os pesquisados-cuidados lidaram com o diagnóstico e com o tratamento, como pode ser visto em:

Fiquei sozinho, me tratando, tomando remédio, com os pés muito inchados, doendo muito e esquentando, tendo que molhar para melhorar. Me consultei com o médico e pedi para me tratar no Hospital Colônia, consegui o encaminhamento e estou aqui até hoje (Informação verbal).

Ademais, de maneira geral, o Hospital Colônia parece figurar como um local de tratamento, contudo, era um espaço carregado de estigmas, como visto em:

Um ano de tratamento, um ano, um mês e quinze dias de tratamento dentro do Hospital Colônia, isolado, que era o isolamento na época, chamado leprosário. E de maneiras que a minha vida, até hoje, ela mudou por um todo (Informação verbal).

Especificamente em relação à “hanseníase”, verifica-se a busca por tratamento, no qual o Hospital Colônia figura como uma das palavras mais frequentes, para além do tratamento medicamentoso, e coaduna com as transições situacional e organizacional, visto que ocorreu a institucionalização e a mudança no ambiente social.

Para Meleis (2010) a transição situacional ocorre quando uma pessoa é inserida em determinado meio em decorrência das mudanças ocorridas e requer a

redefinição de papéis. A transição organizacional compreende mudanças institucionais e podem ser precipitadas por mudanças no âmbito político, social, econômico e pessoal.

Dessa forma, pontua-se um estudo realizado com 18 mulheres no Rio de Janeiro – Brasil, que transmitiram sífilis a seus filhos, e constatou que, para muitas delas, a sífilis permaneceu no anonimato e seu diagnóstico desencadeou um processo de mudança com vários tipos de transição, uma vez que essas mulheres deparam-se com um duplo diagnóstico: gravidez e sífilis, experienciando as transições desenvolvimental, situacional e saúde-doença (MELLO; SANTOS, 2019).

Achado semelhante foi encontrado por Santos e Ribeiro (2020), que analisaram a transição de mulheres cegas para a maternidade na perspectiva da Teoria de Transição e identificaram as transições desenvolvimental e situacional:

maternidade e cegueira, evidenciando que as mulheres se adaptaram ao papel materno, e mesmo com as dificuldades desenvolveram relações saudáveis com os filhos, superaram a deficiência e cultivaram sonhos e desejos, conscientes de seu papel, e alcançaram a maestria da transição saudável.

Acresce que no estudo em tela, os pesquisados-cuidados vivenciaram os quatro tipos de transições, inclusive, experimentaram sentimentos de medo, preocupação, solidão, desesperança, culpa e tendência a esconder o diagnóstico da hanseníase por desconhecimento da forma de contágio. Tais sentimentos podem desencadear alterações psicológicas e emocionais, refletindo nos padrões de respostas aos processos transicionais.

Além do mais, os pesquisados-cuidados precisam assumir novos papéis diante das mudanças impostas pelas transições, então, necessitam conhecer e entender a doença, para que o período de desestabilidade seja permeado por um processo de adaptação de ideias, atitudes, comportamentos e novas habilidades, persigam melhorias na qualidade de vida e alcancem uma nova estabilidade.

A este respeito, enfatiza-se que um processo de transição ocorre de maneira distinta de um processo de mudança. Em um processo de mudança, o foco é o objetivo aonde se quer chegar, no tempo planejado; já no processo de transição, a dinâmica é totalmente diferente, pois não começa com um objetivo, mas com um fim: ocorre despedida do velho para poder começar algo novo, ou seja, um processo de transição começa com um fim e termina com um novo começo. Esse novo começo somente pode ser feito com a conclusão do velho, e o encontro com um

novo caminho, e um novo começo consiste em novos pensamentos, valores, crenças e novas possibilidades de viver (MEIJERINK, 2011).