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Classificação histológica

No documento Leonardo de Abreu Testagrossa (páginas 76-81)

O aumento no número de pacientes portadores de insuficiência renal crônica levou a um crescente interesse pela melhor compreensão das doenças renais envolvidas, entre as quais se destaca a GESF. O maior entendimento dos mecanismos patogênicos permitiria o desenvolvimento de ações terapêuticas individualizadas e mais eficientes. A incorporação de novas ferramentas biomoleculares à biópsia renal tem gerado importante avanço na compreensão dos processos patogênicos, originando novas classificações histológicas. Com relação à entidade clínico-morfológica conhecida como GESF primária, isso se traduz no recente reconhecimento das variantes usual (NOS), colapsante (COL), celular (CEL), perihilar (PHI) e a ―tip lesion‖ (TIP).

Sabe-se atualmente que algumas características histológicas da GESF estão relacionadas a pior evolução clínica, com rápida deterioração da função renal e proteinúria exacerbada (D’Agati, 1994; Detwiler et al., 1994; Thomas et al., 2006). Vários estudos têm abordado os aspectos moleculares das glomerulopatias e apontam para agravos dos podócitos na gênese da GESF (Pavenstadt et al., 2003; Couser, 1998; Meyrier, 2005; Shankland, 2006; Schmid et al., 2003). Até o momento, são poucos os trabalhos que correlacionam as variantes histológicas da GESF com a expressão imuno- histoquímica de moléculas proteicas podocitárias. Estudos neste sentido são fundamentais para maior compreensão da fisiopatologia, permitindo o reconhecimento de novas categorias diagnósticas e abordagens terapêuticas diferenciadas para cada variante histológica.

Paralelamente, a criação de banco de dados, em nosso meio, com biópsias de GESF classificadas em variantes histológicas específicas é de interesse para pacientes e médicos envolvidos no seu diagnóstico e tratamento, facilitando a realização de novos estudos sobre o tema e o desenvolvimento de estratégias terapêuticas individualizadas.

A nossa casuística resultou em 131 casos de GESF primária diagnosticados no período entre 1996 e 2006, que foram classificados nas variantes NOS, COL, TIP, PHI e CEL de acordo com os critérios da classificação de Columbia (D’Agati et al., 2004). Desses casos, 50 foram classificados como variante NOS (38,2%), 48 como COL (36,6%), 19 como TIP (14,5%), nove como PHI (6,9%), e cinco como variante CEL (3,8%).

Stokes et al. (2006) reuniram 225 casos não consecutivos distribuídos da seguinte forma: 38,7% da variante NOS e/ou PHI, 26,7% da variante TIP, 24,9% da variante COL e 9,8% da variante CEL. Porém, como trata-se de um agrupamento de casuísticas de diferentes períodos, não refletem a incidência das variantes.

Thomas et al. (2006) publicaram 197 casos registrados na Universidade de North Carolina no período de 1982-2001, e obtiveram 42% de NOS, 26% PHI , 17% TIP, 13% COL e 3% de CEL. Neste trabalho não fica claro se foram excluídos casos de glomerulosclerose secundária a doenças como hipertensão arterial ou obesidade.

Os nossos dados mostraram maior prevalência relativa da variante COL, diferentemente dessa casuística. Em nosso estudo, os critérios de Columbia foram mais facilmente caracterizados nas lesões da variante TIP, havendo sobreposição de critérios para as variantes COL e CEL, assim como para NOS e PHI.

Em 1985, Scwartz and Lewis sinalizaram a existência de dois tipos distintos de lesões da GESF, as celulares e as cicatriciais, salientando a sobreposição de aspectos histológicos entre as lesões celulares e colapsantes. De fato, alguns autores questionam a existência da variante CEL alegando que ela seja uma versão da variante COL (Meyrier, 1999). Outros autores acreditam que há dificuldades para se fazer a distinção histológica entre essas variantes e não observaram claramente diferenças clínicas ou prognósticas entre elas (Chun et al., 2004). Vias fisiopatogênicas comuns que atuam nas alterações de proteínas reguladoras do ciclo celular foram demonstradas em ambas variantes (Shankland et al., 2000). No nosso trabalho, verificamos sobreposição de achados histológicos nas duas variantes, juntamente com a presença predominante de hipercelularidade endocapilar (constituída por neutrófilos, macrófagos ou células xantomatosas), e a ausência de lesões colapsantes para a classificação de um caso como CEL, conforme os critérios propostos pela classificação de Columbia (D’Agati et al., 2004; Stokes et al., 2006).

Nos casos em que identificamos COL, chamou-nos a atenção a coexistência de proeminente lesão túbulointersticial, por vezes acompanhada de dilatação microcística dos túbulos, conforme observado por outros autores (Thomas et al., 2006; D’Agati et al., 1994). Embora estas alterações estejam presentes com frequencia na GESF COL, podem ser encontradas também em

outras variantes e mesmo em outras glomerulopatias, especialmente quando em estágio avançado de cronicidade (nestes casos, sem a presença de lesões colapsantes e de hiperplasia podocitária). Seu achado, portanto, não deve ser considerado como específico desta variante.

A caracterização das variantes NOS e PHI segundo os critérios de Columbia requer atenção especial. Alguns casos classificados como NOS apresentaram esclerose e hialinização perihilar concomitantemente. De acordo com o critério proposto, devem ser consideradas variante PHI apenas as biópsias onde mais do que 50% dos glomérulos acometidos apresentam as lesões no hilo do glomérulo. A localização da lesão no glomérulo pode variar de uma secção histológica para outra na mesma biópsia, tornando-se necessária a análise de várias secções histológicas para se determinar se as lesões perihilares encontradas comprometem 50% ou mais dos glomérulos. Em nosso estudo, ficou evidente que os critérios propostos por Columbia para diferenciar as variantes PHI e NOS dependem fundamentalmente da representatividade da amostra, sendo obrigatório para sua correta aplicação a análise de vários níveis histológicos. A não observância desta medida por desconhecimento ou por impossibilidade técnica (escassez da amostra ou do número de glomérulos analisáveis) pode levar ao diagnóstico errôneo da lesão, produzindo casuísticas equivocadas quanto a real porcentagem desta variante. Stokes et al. (2006) não incluiu casos da variante PHI em sua casuística por considerar que esta variante habitualmente refere-se à forma secundária de GESF, entretanto ele encontrou lesões perihilares em todas as outras variantes da GESF, com maior ocorrência na variante NOS.

Em nossa análise, encontramos dificuldade para reconhecer a variante TIP nas biópsias em que a lesão apical estava representada marginalmente, sem relação aparente com a saída do túbulo contorcido proximal. Em algumas biópsias, a variante TIP apresentou aspectos morfológicos semelhantes à COL. Nestes casos, a confluência de células podocitárias, muitas vezes hipertróficas, células parietais reativas e epiteliais tubulares, deformou o tufo e conferiu ao glomérulo um aspecto final semelhante ao de uma lesão colapsante. A ausência de colapso típico das alças capilares e de hiperplasia característica de podócitos, assim como de critérios coadjuvantes, tais como lesões túbulointersticiais, auxilia no diagnóstico diferencial (Stokes et al., 2006; Haas, 2005).

Em algumas biópsias de TIP, havia hipercelularidade endocapilar com tumefação endocapilar e macrófagos de aspectos espumosos, o que sugeria o diagnóstico de CEL, porém a análise cuidadosa de diversas secções e a realização de novos cortes histológicos tornou evidente a localização da lesão junto ao pólo urinário. Ficou claro mais uma vez a importância de ampla representatividade das amostras investigadas para a aplicação da classificação de Columbia. Thomas et al. (2006) já haviam chamado atenção para esse aspecto e Stokes et al. (2006) comentaram que existe a possibilidade da CEL representar uma evolução desfavorável da TIP, já que eles encontraram diversos casos previamente diagnosticados como CEL que demonstravam lesões apicais em níveis aprofundados do bloco de parafina.

No documento Leonardo de Abreu Testagrossa (páginas 76-81)

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