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1. INTRODUÇÃO

1.7 Classificação Internacional de Funcionalidade

Visando responder às necessidades de se conhecer mais sobre as consequências das doenças, em 1976 a OMS publicou a International Classification of Impairment, Disabilities and Handicaps (ICIDH), em caráter experimental. Esta foi traduzida para a língua portuguesa como Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e Desvantagens, a CIDID. Nela foram incorporadas categorias que pudessem descrever as consequências duradoras das

doenças. O modelo proposto pela CIDID compreendia a desvantagem como consequência da doença de forma linear (FARIAS; BUCHALLA, 2005).

Os mesmos autores descrevem que a noção de desvantagem na CIDID se referia a restrições nas atividades e na vida, ou seja, a doença era causa da deficiência e esta, por sua vez, incapacitava a pessoa para as atividades, gerando assim uma desvantagem frente as outras pessoas consideradas “normais”. Essa concepção, baseava-se no modelo biomédico, o qual considerava que a desvantagem vivida pelas pessoas com deficiência seria consequência somente das limitações físicas, sejam elas na estrutura do corpo (deficiência) ou em seu funcionamento (incapacidade). Essa primeira versão da CIDID acabou sendo objeto de duras críticas.

Importante contribuição para a reestruturação da CIDID veio do movimento das pessoas com deficiência e da proposta do Modelo Social da Deficiência, que compreendiam ser a deficiência uma questão social, onde a desvantagem resultava da incapacidade da sociedade em se adequar a diferentes formas corporais, não levando em consideração as pessoas que possuem uma lesão, e assim as exclui da participação das atividades sociais (FRANÇA, 2013).

O processo de revisão da CIDID apontou suas principais fragilidades, como a falta de relação entre as dimensões que a compõe, a não abordagem de aspectos sociais e ambientais, entre outras. Após várias versões e numerosos testes, em maio de 2001 a Assembleia Mundial da Saúde aprovou a International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF). A versão em língua portuguesa foi traduzida pelo Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde para a Família de Classificações Internacionais em Língua Portuguesa com o título de Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) (FARIAS; BUCHALLA, 2005).

O novo modelo apresentado pela OMS passou a adotar uma abordagem biopsicossocial, refletindo a interação entre as várias dimensões da saúde (biológica, individual e social) descrita nos componentes: estrutura e função corporal, atividade e participação. Nesse sentido, uma função ou incapacidade em um domínio representa uma interação entre uma condição de saúde (doença, trauma, lesão) e os fatores do contexto (fatores ambientais e pessoais) (SAMPAIO; LUZ, 2009).

A CIF assume, então, uma posição neutra em relação à etiologia, ela não busca explicar a causa das condições de saúde. Ela se atém a classificar componentes de saúde e considera a incapacidade como o aspecto negativo da interação entre o indivíduo com uma condição de saúde e fatores contextuais. Por exemplo, duas pessoas com a mesma condição de saúde podem ter níveis de funcionalidade distintos, e o mesmo nível de funcionalidade não tem a ver

necessariamente com a mesma condição de saúde. Assim sendo, esse sistema de classificação não se refere unicamente às pessoas deficientes, podendo ser aplicado para todas as pessoas e para qualquer condição de saúde, daí seu caráter universal (SAMPAIO; LUZ, 2009).

O objetivo pragmático da CIF é fornecer uma linguagem padronizada e um modelo para a descrição da saúde e dos estados relacionados à saúde, permitindo a comparação de dados referentes a essas condições entre países, serviços, setores de atenção à saúde, bem como o acompanhamento da sua evolução no tempo (FARIAS; BUCHALLA, 2005).

O termo do modelo da CIF é a funcionalidade, que cobre os componentes de funções e estruturas do corpo, atividade e participação social. A funcionalidade é usada no aspecto positivo e o aspecto negativo corresponde à incapacidade. Segundo esse modelo, a incapacidade é resultante da interação entre a disfunção apresentada pelo indivíduo (seja orgânica e/ou da estruturado corpo), a limitação de suas atividades e a restrição na participação social, e dos fatores ambientais que podem atuar como facilitadores ou barreiras para o desempenho dessas atividades e da participação (FARIAS; BUCHALLA, 2005).

O “Modelo de Funcionalidade e Incapacidade” da CIF, que reflete de modo articulado as múltiplas interações entre os diferentes componentes e construtos, é apresentado no diagrama na figura 19 (ALVES; FERREIRA; NERY, 2014).

Figura 19: Interações entre os componentes da Classificação Internacional de Funcionalidade.

As funções do corpo são as funções fisiológicas dos sistemas orgânicos (incluindo as funções psicológicas) e as estruturas do corpo correspondem às partes anatômicas do corpo. O aspecto positivo deste constructo refere-se à integridade funcional e estrutural. O aspecto negativo é denominado deficiência que se constitui por problemas nas funções ou nas estruturas do corpo com um desvio importante ou uma perda, podendo ser temporária ou permanente, progressiva, regressiva ou estável, intermitente ou contínua (BUCHALLA, 2008).

Define-se como atividade a execução de uma tarefa ou ação por um indivíduo. Esta representa a perspectiva individual da funcionalidade enquanto seu lado negativo refere-se à limitação de atividade, que é definida como as dificuldades que um indivíduo pode encontrar na execução de atividades. A participação é definida como o envolvimento em uma situação da vida, ou seja, representa a perspectiva social da funcionalidade, e seu lado negativo, a restrição da participação são os problemas que um indivíduo pode experimentar no envolvimento nas situações da vida (BUCHALLA, 2008).

Os fatores contextuais representam o histórico e o estilo de vida do indivíduo. São divididos em fatores pessoais e ambientais. Nos fatores pessoais são consideradas as influências internas sobre a funcionalidade e a incapacidade (sexo, raça, idade, hábitos, etc.). Estes não são classificados pela CIF, mas são reconhecidos como potenciais fatores de impacto na funcionalidade e na incapacidade. Nos fatores ambientais são consideradas como as influências externas (ambiente físico, social e de atitudes nas quais as pessoas vivem e conduzem suas vidas) atuam positiva ou negativamente sobre o desempenho do indivíduo enquanto membro da sociedade, sobre a sua capacidade de executar ações ou tarefas, ou sobre a função ou estrutura do corpo deste indivíduo (BUCHALLA, 2008).

Nos processos de avaliação do indivíduo com hanseníase o aspecto de função e estrutura do corpo é contemplado pela avaliação neurológica e estabelecimento do GI e do escore OMP e a investigação de limitação de atividade pode ser apurada pela escala SALSA. Entretanto esses instrumentos não contemplam todo o espectro de avaliação proposto pela CIF, não abarcando as funções mentais, atitudinais do indivíduo e da sociedade para com o indivíduo e a participação nas atividades da comunidade.

O reconhecimento e aplicação da CIF como ferramenta clínica e epidemiológica propicia análises e interpretações de bases de saúde em diferentes populações, regiões e países, ao longo do tempo, por diversos setores da saúde e diferentes profissionais. Nesta concepção a CIF desloca o foco da atenção sobre a causa da deficiência para o seu efeito, evidencia o papel do ambiente (físico, cultural, social, político) e não considera a deficiência como uma disfunção

“médica” ou “biológica”. Ela integra uma abordagem “biopsicossocial” (ALVES; FERREIRA; NERY, 2014).

A CIF tornou-se um membro da família de Classificações Internacionais da OMS. Considerando que a Classificação Internacional de Doenças (CID-10) fornece os códigos para mortalidade e morbidade, a CIF fornece os códigos para descrever a completa gama de estados de saúde e a experiência de saúde. A CID-10 e a CIF são, portanto, complementares e a OMS incentiva os usuários a utilizá-las juntas, sempre que aplicável. O que pode garantir uma imagem mais significativa e completa da saúde de pessoas ou populações (ÜSTÜN et al., 2003). A CIF examina a funcionalidade do indivíduo – seja no nível do corpo, da pessoa ou da sociedade – e fornece uma definição para sua avaliação operacional, definindo deficiência como “um decréscimo em cada domínio funcional”. No entanto, a CIF é ineficaz para a análise e medida da deficiência na prática diária, uma vez que essa é uma ferramenta complexa que requer tempo para ser compreendida e incorporada na rotina dos serviços, além de sua aplicação prática também demandar tempo, que ultrapassa em muito o usual das consultas.

Buscando operacionalizar a utilização da CIF, a OMS desenvolveu alguns instrumentos a exemplo do World Health Disability Assessment Schedule (WHODAS 2.0), que fornece um modelo padronizado de mensuração da saúde e deficiência transculturalmente (CASTRO et al., 2015).

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