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CLASSIFICAÇÕES RACIAIS E RACISMO

Sansone (2005) defende que o fenótipo é a característica mais importante no processo de racialização brasileira, e é o fator que indica quem possivelmente vai

ser discriminado e diz que: “[...] o uso do termo (afro-) descendente somente cria

confusão, porque não é de genes que estamos falando, mas de nariz, lábios,

cabelos e outras parte do corpo que fazem o negro no Brasil”. Sansone é mais um

que defende que a definição branco ou não-branco é “[...] sempre política e nunca

pré-discursiva” (p.251).

Porém, a ambiguidade classificatória que percorreu o século XX até chegar à atualidade não se resumiu em uma classificação científica através da literatura especializada. Ela também, e principalmente, se construiu na interação entre as pessoas dentro dos encontros espontâneos a partir da atuação de cada indivíduo na sociedade, fenômeno este que foi estudado pelo sociólogo Oracy Nogueira e publicado no clássico “Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem” em 1955.

Maio & Santos (2005, p.196), concordando com Nogueira (1955), defendem que a classificação racial e o consequente racismo dependem da situação, e que

existe uma “elevada dose de contexto situacional e de ambigüidade que, como é

amplamente conhecido, marcam as percepções sobre raça no Brasil”.

Para Nogueira (2006[1955]) a consciência real do racismo surge em situações adversas ao sujeito que se sente agredido, segundo ele:

Em geral, o homem de cor, no Brasil, toma consciência aguda da própria cor nos momentos de conflito, quando o adversário procura humilhá-lo, lembrando-lhe a aparência racial, ou por ocasião do contato com pessoas estranhas, podendo passar longos períodos sem se envolver em qualquer situação humilhante, relacionada com a identificação racial. (p. 300).

A pseudo inexistência de racismo no Brasil também pode estar atrelada ao grau de polidez dos envolvidos: quando não se encontram em situações de conflito aberto, há uma tendência de quanto mais educadas, menos as pessoas têm a

disposição de querer constranger deliberadamente outras, por motivos de raça ou cor. Em boa medida, talvez este seja um dos motivos pelos quais o País ficou conhecido como um “Paraíso Racial”. Conforme Nogueira (2006[1955], p.305) defende:

No campo das relações inter-raciais, como já foi visto, a regra é o branco evitar a susceptibilização do homem de cor. A própria palavra “negro”, geralmente, se reserva para os momentos de conflito, preferindo-se, nas fases de acomodação, expressões como “pardo”, “mulato” e “preto”, quando não eufemismos como “moreno”, “caboclo” (em relação a indivíduos negróides) etc.

Vê-se que o racismo sempre existiu e foi explicado de diversos modos, inclusive como epifenômeno da própria hierarquia de exploração das classes na sociedade capitalista; porém, mais recentemente passou a ser utilizado como instrumento de defesa da implantação de políticas públicas para as suas vítimas. Ou seja, para aqueles que possuem a possibilidade de sofrer discriminação racial, motivada pela cor de sua pele ou pela manifestação de uma identidade negra é realizado um processo de “educação racial” para que se identifiquem como descendentes dos troncos familiares africanos e possam se beneficiar da criação de bolsões para acesso dos “discrimináveis”.

Boa parte das estratégias dos movimentos negros no Brasil se concretizou

com a adoção da Lei 10.639/20038 que passou a obrigar os educadores a lecionar

assuntos que valorizem a história dos afrodescendentes no Brasil.

Com a incorporação de conteúdos de valorização da negritude na política educacional, a ideia de que a maioria da população brasileira é negra vem se massificando e, assim, setores do governo brasileiro, influenciados por ativistas do

Movimento Negro defensores do birracialismo, tentam converter a ideia do “Paraíso

Racial” ou da “Democracia Racial” em um País racialmente dividido.

A tentativa de bipolarizar a classificação racial brasileira não é um fato manifestado pela imposição das cotas raciais. O PNDH formulado pelo governo do

8 Lei 10639 de 09 de janeiro de 2003 que incluiu a disciplina no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira”.

então presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1996, já defendia esta nova “taxonomia” racial. O que não é óbvio é se o governo tinha consciência do que estava fazendo, ou seja, se tinha consciência de todas as consequências de tal declaração.

(Programa Nacional de Direitos Humanos, 1996). Propõe também que o país abandone a sua secular taxonomia oficial de “pretos, pardos e brancos” para uma taxonomia bipolar ao “determinar ao IBGE a adoção do critério de se considerar os mulatos, os pardos e os pretos como integrantes do contingente da população negra”

(Programa Nacional de Direitos Humanos, 1996 citado por Maggie & Fry, 2004, p.71).

O estratagema de classificar para dar acesso às políticas públicas obriga indiretamente o Estado brasileiro a realizar uma classificação racial da população, realizando uma relação inversa ao que acontece ordinariamente na economia, ou seja, está se criando primeiro a oferta para depois criar as demandas. Maggie & Fry (2004, p. 70) argumentando no mesmo sentido afirmam que:

[...] as “raças” de fato não existem naturalmente, e um sistema de cotas implica logicamente a criação de duas categorias “raciais”: os que têm direito e os que não têm. Afinal, ou você tem direito à cota ou não tem! O sistema de cotas, então, representa, de certa forma, a “vitória” de uma taxonomia bipolar sobre a velha e tradicional taxonomia de muitas categorias.

A classificação bipolar da população brasileira tenta enterrar não só o mito do “Paraíso Racial” para construir a “arena” das raças em conflito por espaço, como também a ideia residente no imaginário nacional das três raças formadoras do povo brasileiro, o branco, o negro e o índio, pois este último e seus descendentes são

jogados dentro da “salada” que forma a categoria parda, que segundo os defensores

de tal classificação também são negros. O antropólogo Roberto DaMatta (1986) argumenta que esta ideia esconde a incapacidade de um povo em hierarquizar e aquilatar as classificações raciais.

Na nossa ideologia nacional, temos um mito de três raças formadoras. Não se pode negar o mito. Mas o que se pode indicar é que o mito é precisamente isso: uma forma sutil de esconder uma sociedade que ainda não se sabe hierarquizada e dividida entre múltiplas possibilidades de classificação. (p.32)

A hierarquização das cores ou raças, para definir quem deve receber mais benefícios na sociedade brasileira é o que motiva os defensores de ações afirmativas, não como uma propaganda aparente, mas como intenção prioritária. O que deixa o objetivo de suas intenções muito confuso, pois se por um lado postula- se a necessidade de acabar com o preconceito em uma sociedade que tem medo de dizer que é racista, por outro defende-se a classificação racial das pessoas,

iniciando uma nova fase ou expressão de racismo, chamada de “discriminação

positiva”.

A “discriminação positiva” privilegia os pretos e pardos. Quem não autodeclarar-se assim, não terá parte dos privilégios, restando-lhes as sobras, pois com esta metodologia classificatória da população “negra” o Brasil ultrapassará os 80% de negros, em breve. E o que veríamos? Um apartheid à brasileira, no lugar do “racismo a brasileira”, que é praticado sob camuflagem?

Segundo Telles (2002), a classificação racial binária do Brasil vem sendo implementada pelo Movimento Negro que a vê como instrumento fundamental ao alcance de seus objetivos. Mesmo assim este modelo não se consolidou como verdade entre os formuladores de políticas públicas e os pesquisadores, inclusive porque como ironiza Bernadete Beserra (2011, p. 15).

[...]o movimento negro acha mais simples tentar mudar o Brasil para que faça sentido o seu projeto de „criar um movimento de massa e construir uma identidade negra popular (p. 235)‟ do que criar um projeto próprio baseado na realidade existente.

A vestimenta do novo racismo aparece sob os preceitos das ações afirmativas, que o antropólogo Peter Fry coloca contrário, “pois estas têm o efeito de

negar um Brasil híbrido a favor de um país de raças distintas” (2005, p.17).

Além disso, Fry argumenta que as AA (Ações Afirmativas) provocariam mudanças na forma como os brasileiros se veem a si mesmos e aos outros, e que tais políticas trariam resultados prejudiciais ao conjunto da sociedade, pois “toda política que aumenta e celebra a crença em raças (cotas, por exemplo) contribui a longo prazo para a persistência do racismo e a possibilidade do preconceito e da discriminação”. O investimento na universalização e na qualidade da educação básica, na perspectiva do autor seria a

solução mais adequada para a superação das desigualdades no acesso ao ensino superior. (Fry, 2005, p. 344)

Segundo as expectativas do movimento negro no Brasil, a luta pela valorização do negro passa irrevogavelmente por sua classificação, e tal estratégia, na verdade, se mostra muito mais eficiente como um instrumento para garantir

posições destacadas nas várias esferas do poder público aos “líderes” das

demandas por cotas raciais do que para superar as mazelas das práticas racistas.

Na prática, a problemática do “racismo velado” esta longe de ser superada,

isso se algum dia for extirpado da sociedade brasileira. Evidência disso são os casos de racismo periodicamente divulgados na mídia, inclusive no Rio de Janeiro onde a adoção de cotas raciais existe há 8 (oito) anos, como foi caso noticiado de um adolescente negro que havia matado outro garoto da mesma cor porque este fazia piadas racistas contra a irmã do assassino, também negra.

Será que classificar as pessoas racialmente será o melhor caminho para acabar com o racismo? Alguns fatos noticiados acima dão indícios de que um estímulo à escolha de uma tipologia racial para conceder benefícios, pode trazer danos muito superiores aos próprios benefícios.

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