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II. O DEBATE INTERPRETATIVO CONTEMPORÂNEO

2.1 CLAUDE PANACCIO

Em 1990 Claude Panaccio publica um artigo intitulado: “Connotative Terms Ockham’s Mental Language” 177, no qual faz uma severa crítica a interpretação de Paul Spade da teoria da conotação de Ockham. Dez anos mais tarde, em 2000, é publicado o texto “Guillaume d’Ockham, les connotatifs et le language mental”, que conforme o próprio autor, se trata de uma versão revisada, em língua francesa, do

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PANACCIO, 2000.

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TWEEDALE, Martin. “Ockham’s Supposed Elimination of Connotative Terms and His Ontological Parsimony”. In: Dialogue, XXXI, 1992, p. 431 – 444. Citado como TWEEDALE, 1992.

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CHALMERS, David, “Is There Synonymy in Ockham’s Mental Language“. IN:The Cambridge Companion to Ockham. Ed. Paul Vincent Spade. New York:Cambridge University Press, 1999, p. 76 – 99. Citado como CHALMERS, 1999.

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artigo anterior. Exatamente por estar revisado é que ele tem minha preferência como texto base para a posição do autor.

Claude Panaccio desenvolve uma crítica cuidadosa acerca da posição mantida por Paul Spade, segundo a qual na LM de Ockham não encontramos, juntos, um termo conotativo e sua definição nominal, mas unicamente a sua definição. Contra esse posicionamento, nosso interlocutor argumenta que a LM contém ambos. Além disso, ele afirma que nunca foi à intenção de Ockham sustentar que termos conotativos são totalmente elimináveis e redutíveis em favor dos termos absolutos e termos sincategoremáticos. Particularmente, Panaccio assevera que para Ockham era totalmente impossível eliminar do discurso termos conotativos da categoria da relação. Apesar de Panaccio não tirar explicitamente qualquer conseqüência para todo o PRO de Ockham, a partir de sua análise da teoria da conotação, fica claro que ele não admite como legítima a redução proposta pela Interpretação ‘A’.

De início178, Panaccio declara que uma das teses centrais de Ockham é a de que o pensamento é um tipo de discurso interior (oratio mentalis) dotado de uma sintaxe e de uma semântica muito semelhante a das linguagens convencionais de comunicação. Podemos dizer que há duas ordens do discurso:

• um discurso interior (LM) e, • um discurso exterior (LC).

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Há diferença entre essas duas ordens. A LC é composta de signos lingüísticos (falados e escritos) que são convencionalmente instituídos pelos homens para significar coisas e variam de uma comunidade para outra. A LM é constituída de signos lingüísticos mentais (conceitos) cuja significação é natural e permanece a mesma para todos os homens de diferentes comunidades.

Segundo Panaccio, a relação que se estabelece entre essas duas ordens do discurso é de derivação. (Lembremos que Spade, por meio de PC, entende essa relação como ‘correlação subordinada’. Mas, de qualquer modo, ambos concordam em dar precedência à LM). O discurso exterior (LC) é o meio convencional de se comunicar ao outro aquilo que se passa no espírito do locutor. Além do mais, as propriedades semânticas dos signos lingüísticos convencionais são derivadas, direta ou indiretamente, daquelas partes correspondentes da oratio mentalis que eles tem por função traduzir. Para Panaccio, a LM comporta estruturas e elementos sintáticos e semânticos, como ocorre nas linguagens convencionais, como o português, o francês, o latim, etc. Nesse sentido, o discurso mental é possuidor de nomes, verbos e outras partes do discurso; de frases que têm uma estrutura sintática, e, tais frases são compostas de termos categoremáticos mentais simples, que têm uma significação e podem assumir, nessas frases, funções referenciais como sua contraparte convencional.

Realizadas estas observações, nosso interlocutor formula sua questão fundamental, a saber: segundo Ockham há termos categoremáticos conotativos simples na LM?179.

Panaccio considera que a distinção entre termos absolutos e termos conotativos, apresentada na Summa Logicae, I, 10, tem um papel fundamental no nominalismo de Ockham. Mas, qual é esse papel?

Termos categoremáticos conotativos são signos lingüísticos que apresentam uma estrutura semântica hierarquizada, isto é, são portadores de uma dualidade semântica: além de uma significação primária eles possuem uma significação secundária (isto é, uma conotação). Termos categoremáticos não conotativos são chamados absolutos e se caracterizam por possuírem, unicamente, uma significação primária. Para Panaccio, a importância dos termos conotativos reside exatamente nessa dualidade semântica, pois ela permite, em casos cruciais, radicais simplificações ontológicas.

Nosso autor observa que Paul Spade (intérprete da Interpretação ‘A’), sustenta que para que a teoria de Ockham tenha coerência é preciso manter as seguintes teses:

[1] tese da redutibilidade: conceitos simples da LM são todos absolutos; [2] tese da eliminabilidade: não há termos conotativos simples na LM.

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Admitir a reivindicação de Spade, para Panaccio180 é implodir o nominalismo de Ockham. Isso pode ser observado a partir do seguinte caso. Ockham coloca os termos relacionais entre os termos conotativos de modo a evitar o estatuto ontológico das relações. Se, como propõe Spade, não há termos conotativos simples na LM, segue-se que não há conceitos relacionais simples na LM. Entretanto, de acordo com nosso interlocutor, é logicamente impossível dispor de conceitos relacionais, somente, a partir de conceitos simples não relacionais. Desse modo, segundo Panaccio, se a reivindicação de Spade fosse correta o nominalismo de Ockham estaria comprometido e seria colocado em xeque. Motivado pela inquietação segundo a qual uma interpretação equivocada da teoria da conotação de Ockham conduziria seu nominalismo a um colapso, ele toma como tarefas:

[a] examinar atentamente, nos próprios textos de Ockham, inúmeras passagens pertinentes ao tema; e,

[b] a partir desse exame, concluir que Spade e todos aqueles que concordam com sua interpretação estão completamente errados.

Podemos dizer que ele desenvolve duas estratégias para efetuar essas tarefas. A primeira consiste em mostrar que a afirmação da Interpretação ‘A’ de que “não há termos conotativos simples na LM” não pode ser sustentada. Panaccio apresenta uma série de evidências textuais por meio das quais acredita ser possível afirmar que há termos conotativos na LM. A segunda, recorrendo novamente aos textos, visa rejeitar a sinonímia entre um termo conotativo e sua

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definição nominal. Como resultado do processo argumentativo ele conclui que, conscientemente Ockham acreditava que há termos conotativos simples na LM e nada daquilo que ele diz implica o contrário.