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3. Área de Estudo

3.3 Clima na América do Sul durante o Holoceno

A história do clima na América do Sul durante o Holoceno ainda não é totalmente compreendida, embora o número de estudos e registros, tanto continentais como marinhos, tenha aumentado. Em geral, parece que o clima passou de condições mais secas para condições mais úmidas (Mahiques et al., 2009). Segundo esses autores o principal fator que afetaria a variabilidade climática na América do Sul seria mudanças no regime de ventos. Essas mudanças no padrão de ventos podem estar associadas a controles tropicais, como variações na posição da ZCIT, impactos subtropicais associados com a passagem de frentes ou ainda pelo fortalecimento/enfraquecimento dos ventos de oeste, possivelmente associado ao ENOS (El Niño-Oscilação Sul).

Durante o Holoceno, a distribuição sazonal da insolação no topo da atmosfera variou consideravelmente devido a ciclos de precessão e obliquidade. Durante os últimos 7.000 anos, esses ciclos causaram um deslocamento do periélio de setembro (λ = 164°) para janeiro (λ = 282°) e uma diminuição na inclinação do eixo da Terra de 24,2° para 23,4°. As mudanças na radiação solar mais pronunciadas foram uma diminuição da insolação de inverno (verão) austral (boreal) (Junho-Julho-Agosto) nas latitudes médias e altas, acompanhado por um aumento da insolação de verão (inverno)

JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ JAN JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ JAN JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ JAN

Pr ec ipit ação ( mm/ d ia ) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 a b c

austral (boreal) (Figura 10) (Dezembro-Janeiro-Fevereiro) nas latitudes mais baixas (Lorenz et al., 2006).

Figura 10: Curva da insolação para o mês de fevereiro a 30°S, nos últimos 11.000 anos (Berger & Loutre, 1991).

De acordo com Haug et al. (2001) mudanças na sazonalidade da insolação associada com a precessão (componente do ciclo de Milankovitch com ciclicidade de ~ 21.000 anos), durante o Holoceno, possivelmente provocou a migração da ZCIT para sul. No Holoceno tardio, a insolação no hemisfério sul tornou-se mais sazonal, enquanto no hemisfério norte a insolação tornou-se menos sazonal (Berger & Loutre, 1991). Esse fato, provavelmente diminuiu a capacidade máxima da insolação de verão, no hemisfério norte e com isso ela migrou para sul, reduzindo as chuvas de verão próximas à bacia de Cariaco (Venezuela) e aumentando sobre a Amazônia (Mayle et al., 2000).

A posição da ZCIT sobre o norte da América do Sul também é influenciada pelas condições da superfície do mar. O Dipolo do Atlântico se caracteriza por um gradiente de temperatura da superfície do mar (TSM) entre as regiões ao norte e ao sul do Equador e apresenta escalas sazonais, interanuais e decadais. Anomalias na TSM entre os hemisférios estão ligadas a posição e intensidade da ZCIT, pois a zona de convergência acompanha o deslocamento das anomalias quentes da superfície do mar, ou seja, em um evento de dipolo quente ao norte e frio ao sul a ZCIT se intensifica mais ao norte de sua posição normal e vice-versa (Wainer & Taschetto, 2006).

870 880 890 900 910 920 930 0 2000 4000 6000 8000 10000 Ins o la ção em F e v e re iro a 3 0 °S (cal. cm 2/dia)

A migração da ZCIT para sul pode ter sido a causa do aumento na frequência e amplitude dos eventos de ENOS após 3.800 anos cal. A.P., proposto por Haug et al. (2001) baseado em proxies hidrológicos da Bacia de Cariaco. Entretanto, segundo esses autores não há uma certeza de que a variabilidade de alta frequência no registro após 3.800 anos seja resultado da migração da ZCIT, mas uma boa correlação entre os dados de Cariaco e registros de anéis de árvores na Tasmânia (Cook et al., 2000) sugere uma ligação dinâmica entre a variabilidade nas duas regiões, melhor explicada pela resposta acoplada de parâmetros climáticos que são sensíveis ao ENOS, como a posição latitudinal da ZCIT.

O aumento na frequência e amplitude nos eventos ENOS é suportado por vários outros estudos. Sandweiss et al. (1996), com base em evidencias geoarqueológicas do norte do Peru, sugerem uma importante mudança climática em 5.000 anos, e aumento da atividade do ENOS após esse período; Rodbell et al, (1999), analisaram depósitos de tempestade em um lago no Equador, e sugerem que a periodicidade moderna do ENOS foi estabelecida depois de 5.000 anos e com maiores frequências entre 3.500 e 2.600 anos; e Conroy et al. (2008) com base em dados sedimentológicos de um lago na Ilha Galápagos inferiram aumento de precipitação após 4.200 anos cal. A.P., provavelmente associada a mudanças sazonais na precipitação e frequência do ENOS.

Grande parte dos trabalhos sobre a história climática no Brasil durante o Holoceno concentra-se em estudos palinológicos de registros sedimentares continentais. Ledru et al. (1998) em trabalho realizado na região central e sul do Brasil encontraram três fases climáticas: de 12.000 – 8.000 anos cal. A.P., as condições climáticas observadas no continente eram secas; de 8.000 – 4.500 anos cal. A.P., o clima se tornou mais sazonal, com aumento da umidade; e de 4.500 anos cal. A.P. até o presente, houve aumento da umidade, com estabelecimento das condições climáticas atuais após 2.500 anos cal. A.P. Segundo os autores o aumento gradual de umidade ocorreu em virtude de mudanças no regime de ventos, dominado pelo avanço de massas polares.

Garcia et al. (2004) com base em análises de palinomorfos reconstituíram o clima e a vegetação da floresta tropical, entre 9.720 e 1.950 anos A.P., no litoral do Estado de São Paulo. Os autores acreditam que o aumento de umidade no Holoceno não foi gradual e contínuo, mas sim interrompido por períodos secos. Foram encontrados dois períodos mais frios e úmidos (entre 9.720 e 8.240 anos A.P. e após 3.500 anos

A.P.) intercalados por um intervalo mais seco (entre 5400 e 3500 anos A.P). Diferenças nas interpretações climáticas podem ser explicadas por vários fatores, tais como, problemas na comparação de dados de pólen devido utilização de métodos diferentes; problemas cronológicos relacionados à interpolação de dados de 14C ou valores de efeito reservatório, ou ainda variações de umidade derivados de fatores microclimáticos ou orográficos (Araujo et al., 2005).

Behling (2002) através de estudos palinológicos constatou vegetação de campos, típico do Pleistoceno, nos altiplanos do sul do Brasil no Holoceno inferior e médio, o que refletiria condições climáticas secas. Tal característica pode ser explicada pela forte influência de massas de ar tropical do continente, que pode ter bloqueado as frentes frias polares. Após esse período condições mais úmidas e frias foram estabelecidas, e comprovadas pela expansão das florestas de Araucárias durante os últimos 3.000 anos A.P. e, sobretudo após os últimos 1.500 anos A.P.. Essas condições mais frias e úmidas podem ser explicadas pela forte influência de frentes frias e o enfraquecimento da massa de ar seca do continente (Behling, 1998 e 2002).

Estudos baseados em análises de isótopos de oxigênio e elementos traços (por exemplo, razão Mg/Ca) em espeleotemas da caverna Botuverá, sul do Brasil, realizados por Cruz et al. (2005, 2007, 2009), sugerem que mudanças no padrão de chuvas no sul do Brasil teriam sido liderada pela atividade convectiva associada ao sistema de monção da América do Sul. Cruz et al. (2009) observaram uma relação positiva entre valores de δ18O obtidos em espeleotemas da caverna de Botuverá com δ18O da chuva. Os valores empobrecidos em δ18O ocorrem durante o verão austral e são causados por uma intensificação do ciclo hidrológico, onde a convecção profunda de pequena escala leva à remoção preferencial de moléculas enriquecidas isotopicamente (18O), deixando assim o vapor de água remanescente cada vez mais leves (16O), assim quanto mais intensa a natureza convectiva de um evento, maior a quantidade de chuva e mais empobrecido sua composição isotópica (Vuille et al., 2003).

A região sul/sudeste do Brasil apresenta chuva quase de forma constante ao longo do ano, porém com características isotópicas diferentes dependendo da fonte de umidade. Durante o verão, a composição isotópica da chuva é mais empobrecida (dezembro-fevereiro, δ18O médio ≈ -7 ‰), pois a principal fonte de umidade é a região tropical e através dos JBN essa umidade chega a regiões subtropicais. O baixo sinal isotópico é observado devido à grande distância da fonte de umidade (bacia Amazônica

e o Atlântico Norte tropical). No inverno o sinal isotópico é mais enriquecido (julho- setembro, δ18O médio ≈ -3 ‰) devido à proximidade da fonte de umidade que é o oceano Atlântico Sul (Cruz et al., 2009).

Registros de δ18O de espeleotemas revelaram que as variações na intensidade convectiva dentro da área afetada pelo SMAS/ZCAS são dominadas por mudanças na insolação impulsionadas pela precessão (Cruz et al., 2005). Insolação determina o deslocamento Norte-Sul da convecção continental na América do Sul favorecendo a convergência de umidade sobre o continente durante os períodos de aumento do contraste de temperatura terra-mar. Durante as fases de alta insolação o SMAS é reforçado na sua fronteira sudeste, assim como a célula Hadley do hemisfério sul é fortalecida e deslocada para o sul aumentando a contribuição relativa de chuvas de monções para a região (Cruz et al., 2009). Dessa forma, o aumento da insolação de verão durante o Holoceno (Figura 10), fortaleceu o SMAS e consequentemente aumentou a quantidade de chuva para a região centro-sul do Brasil.

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