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Clotilde Rosa: breve nota sobre o percurso musical

IV. ESTUDO DE CASO

IV.2 Clotilde Rosa: breve nota sobre o percurso musical

IV.2.1 Apresentação da compositora

Clotilde Rosa, compositora, harpista e professora, considerada uma das figuras de relevo tanto na criação como na divulgação da música contemporânea em Portugal, iniciou o seu percurso musical no Conservatório Nacional de Lisboa, aí terminando, quase em paralelo, os cursos superiores de piano e harpa. A nível profissional a compositora elegeu a Harpa como instrumento principal, tendo mais tarde integrado a mesma instituição, como docente da classe de Harpa. Como instrumentista atuou no grupo de câmara os Menestréis de Lisboa, dirigido por Santiago Kastner, com quem estudou baixo cifrado aplicado à harpa e interpretação de música antiga.

De 1960 a 1963 recebeu bolsas da Fundação Calouste Gulbenkian e do governo holandês para estudar harpa com Phia Berghout em Amsterdão. No ano de 1964, em Paris, estuda harpa com Jacqueline Borot e, a partir de 1967, em Colónia, estuda a realização de baixo cifrado com Hans Zingel, sendo novamente subsidiada pela Fundação Calouste Gulbenkian.

No verão de 1962, Rosa recebe uma proposta de Mário Falcão para tocar “Imagens Sonoras”, uma peça para duas harpas composta por Jorge Peixinho. Este convite facilitou a aproximação de Clotilde Rosa a Peixinho e ao meio português da música contemporânea da época. Essa proximidade, assim como os cursos que frequentou em Darmstadt, a partir de 1963, foram decisivos para o seu desenvolvimento musical como compositora.

Por volta de 1970, integra o grupo de músicos que, por iniciativa de Jorge Peixinho, dá origem ao Grupo de Música Contemporânea de Lisboa. Tendo um grande interesse pela música antiga, formou, no final dos anos setenta, com Carlos Franco e Luísa de Vasconcelos, o Trio Antiqua. A nível orquestral, fez parte da Orquestra Sinfónica do Porto e da Orquestra Sinfónica Nacional, ambas da Emissora Nacional, tendo também colaborado com as orquestras do Teatro Nacional de São Carlos e da Fundação Calouste Gulbenkian. Em 1974, a convite de Jorge Peixinho, escreve o seu primeiro excerto musical, uma obra feita em parceria com Peixinho designada In-con-

sub-sequência. Mas só a partir de 1976, com a obra Encontro, Rosa assume a sua vontade de prosperar como compositora.

Manuel Pedro Ferreira, em The New Grove Dictionary of Music and Musicians, tece o seguinte comentário relativamente à prática composicional de Clotilde Rosa:

As experimentações do GMCL que começaram em 1974 (o ano da revolução democrática Portuguesa) levaram Rosa a abraçar a composição. Os anos seguintes estabeleceram a sua reputação como uma compositora, mas um estilo pessoal e maduro não emergiu antes de 1980. No início da década de 1980, ela começou a adoptar materiais pancromáticos com potenciais associações tonais e concentrados em técnicas contrapontísticas e fluidez de texturas. Isto habilitou-a a criar gestos dramáticos fortes combinados com atmosferas evocativas subtis, produzindo música de

ressonância emocional profunda e espessura cultural”68(Ferreira, in Grove

2001: 680).

Na Europa, a partir da década de 50 do século XX e com o desenvolvimento tecnológico, diversos compositores começam trabalhar na Música dita Eletroacústica. Os compositores portugueses aí dão os primeiros passos entre finais dos anos 60 e início dos anos 70, algumas obras combinavam o suporte, neste caso a fita magnética, com instrumentos convencionais. Clotilde Rosa interessa-se pela música neste contexto, acompanhando a corrente estética de vanguarda da época. As obras que incluem o suporte de fita magnética refletem a experiência que adquiriu ao frequentar os citados cursos de verão de Darmstadt, onde contactou com compositores como Pierre Boulez, Mauricio Kagel, György Ligeti, Bruno Maderna, Luciano Berio, Stockhausen, entre outros. No entanto, a compositora considera Jorge Peixinho como o seu mentor, uma figura fundamental para a progressão da sua carreira, embora reconheça que alcançou a sua própria autonomia a nível composicional.

IV.2.2 A Música Eletroacústica de Clotilde Rosa

A importância de Clotilde Rosa, no contexto da música contemporânea em Portugal, é reconhecida por músicos, compositores e melómanos; nesse contexto é relevante que o conteúdo sonoro da sua obra de música eletroacústica e gravações originais de outras obras sobre suporte sejam preservadas.

Estas fitas, gravadas na altura em que a compositora fazia experimentações no campo da música eletroacústica encontravam-se armazenadas em casa da própria compositora há mais de duas décadas. São composições originais. Algumas fitas correspondem à banda sonora preparada para ser apresentada publicamente durante a performance; outras são gravações em fita magnética de performances ao vivo das obras de Rosa. Se quisermos caracterizar muito brevemente as obras desta coleção de fitas, podemos referir que todas as gravações são reveladoras de experiências no campo

68 “The experiments of the GMCL starting in 1974 (the year of the Portuguese democratic revolution)

led Rosa to embrace composition. The following years established her reputation as a composer, but a personal, mature style did not emerge before 1980. In the early 1980’s she started to adopt panchromatic materials with potential tonal associations and concentrated on contrapuntal techniques and textures fluidity. This enabled her to create forceful, dramatic gestures combined with subtle, evocative atmospheres, producing music of profound emotional resonance and cultural thickness.” Nossa tradução.

da música eletroacústica; os efeitos consistem basicamente em sonoridades geradas por sintetizadores, em manipulações ou alterações da velocidade, com o principal objetivo de obedecer à estética musical de um estilo composicional vigente na época. Podem ouvir-se efeitos gerados pelo desfasamento de vozes, por exemplo em Discurso Tardio, ou manipulações da velocidade da fita, uso de sintetizadores, filtros ou osciladores. A compositora explica que todos os trabalhos compostos neste contexto contaram com a colaboração de alguns dos seus colegas compositores que possuíam equipamento adequado. Rosa descreve que idealizava os sons e desenhava-os num papel em forma de símbolos, os seus colegas produziam os sons tentando ir de encontro às ideias da compositora; Rosa levava-os assim à transformação de sonoridades até chegar ao resultado pretendido.

IV.3 Caracterização do Conteúdo do Espólio de Fitas Magnéticas de