• Nenhum resultado encontrado

3 O Sistema DOI-CODI: da experiência ao desprestígio

3.4 O binômio DOI-CODI

3.4.2 CODI – Centro De Operações De Defesa Interna

O Centro de Operações de Defesa Interna era seção das Forças Armadas implantado de acordo com a alegada necessidade dos comandantes em nome da proteção de cada território militar – Área de defesa interna (ADI), Zona de defesa interna (ZDI) ou Subárea de defesa interna (SADI) – cada uma dessas divisões – “espaço terrestre sob a jurisdição de um exército ou comando militar de área, para efeito de segurança interna” (PERDIGÂO, 1978: 8) – Visava repartir a atuação repressiva das Forças Armadas de acordo com o método de atuação dos movimentos “subversivos”, sua abrangência e suas especificidades.

A institucionalização dos CODI é mais um dos casos em que a repressão se beneficiou de procedimentos endógenos às FA para se fixar. Existia um poder discricionário que não apenas agia fora da lei (com torturas e assassinatos), mas que também se manifestava como autonomia administrativa e extralegal, nesse caso a institucionalização de um órgão de atuação direta na vida política e social brasileira que não fora instaurado por força de lei. Demonstrando mais uma fragilidade do sistema político brasileiro e evidenciando seu caráter autoritário.

32 Sobre a participação de civis nas sessões de tortura ver o caso de Henning Albert Boilesen. Para Antônio Carlos

Fon, a introdução de uma máquina de tortura entre os métodos utilizados pela ditadura foi feita pelo industrial dinamarquês radicado no Brasil, chefe do grupo Ultra e presidente da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). Esse aparelho ficou conhecido como “Pianola Boilensen”, nas palavras de Fon: “A ‘Pianola’ tem um teclado, como os instrumentos musicais, que, ao serem premidos, fornecem uma descarga elétrica em escala crescente.” (FON, 1979: 79). Além disso no documentário O Cidadão Boilensen Fon afirma que ele (o empresário) pagava para além de financiar, assistir sessões de tortura.

Suas competências eram: realizar o planejamento da defesa interna, controlar a aplicação do planejamento, operar as informações, coordenar o uso dos recursos e fazer a ligação entre comandantes e comandados (PERDIGÃO, 1978: 10). Tais competências eram compatíveis com a sua condição de Estado Maior, ou seja, o assessoramento e coordenação conjunta das três armas. O que elenca o Exército como a arma responsável pelo CODI é o seu comando, já que é organizado no escalão terrestre considerado (ZDI, ADI e SADI).

O CODI foi dividido em três seções: Central de informações, Central de Operações e Central de Assuntos Civis33. A constituição de cada central estava diretamente ligada à especialização em determinado assunto. A central de informações concentrava agentes especializados na área de inteligência, mais especificamente a segunda seção “2” de cada arma, o mesmo para a central de operações, em que se concentravam especialistas da terceira seção “3” (operações) e na central de assuntos civis a quinta seção “5” de planejamento.

Uma peculiaridade da Central de informações é que dentro dela estava o Destacamento de Operações e Informações – DOI. Dentre as três, era a única central que contaria com o apoio especializado de um destacamento que visava maior autonomia, velocidade e poder de execução das operações. É precisamente essa substancial particularidade que dá ao DOI bastante mobilidade e flexibilidade operacional.

Característica importante dos CODI é sua conexão direta e ativa com elementos da sociedade civil e sua organização hierárquica diretamente subordinada aos escalões superiores. Se tratando de civis, um artifício utilizado por todos os conselhos militares citados por Perdigão para dar espaço de participação de outras entidades interessadas nas atividades repressivas foi abrir a prerrogativa institucional do “quando convocados”, ou seja, dentro dessa estrutura, existia a possibilidade de participação e assessoramento de diversas entidades que pudessem fortalecer o sistema prescrito para a defesa interna ainda que não fossem órgãos estritamente de segurança pública ou militares.34

A ponte que ligava o terrorismo de Estado à presidência da República era longa e essa distância entre os gabinetes e os centros de tortura acaba por sugerir aquela diluição da cadeia de comando, que em última instância, supostamente criara o poder marginal e a quebra de

33 Essa é uma das diferenças e aprimoramento entre a OBAN e os CODI. De acordo com Mariana Joffily, a Central

de Difusão passa a se chamar Central de Assuntos Civis, apesar de parecer menos acionada ou até mesmo menos importante, era a partir dessa central que o financiamento, bem como a imagem pretendida dos DOI-CODI seria construída. Vale lembrar que a propaganda de guerra era uma das partes identificadas como pressupostos da GR, logo, era de substancial importância que também na atividade psicossocial fosse empreendido esforços pelas FA.

34 Essa questão acaba por fortalecer a tese de que a participação civil na repressão não fora tangencial, ao contrário,

conciliava interesses diversos, inclusive aqueles demonstrados por René Armand Dreyfuss, em que a burocracia estatal ditatorial era financiada e apoiada por determinados setores econômicos beneficiários diretos do

hierarquia nos aparelhos diretos da repressão. Quando analisamos as atividades dos DOI como um círculo fechado de violências somos instigados a trilhar esse caminho, precisamente, por essa cadeia de comando não ser tão facilmente percebida. Entretanto, essa narrativa se desfaz ao analisar diversos documentos, entre eles, esse que nos interessa, a monografia.

Perdigão expõem como a prescrição repressiva deveria atuar e contra quem. Sobre a comunidade de informações acabou por se difundir a ideia de uma hipertrofia evidente dos DOI-CODI e quando muito do SNI. Na verdade, essa hipótese acaba por mascarar toda uma rede que vai além dos centros diretos de tortura (em especial casas da morte, DOI-CODI, DOPS, CISA, CIE e CENIMAR).

A comunidade de informações, enquanto instituição, eminentemente militar, sem sombra de dúvida ganhou “ainda sob a ditadura, no espírito dos militares, status simbólico de arma” (CHIRIO, 2012: 176), e enquanto instituição governamental, em uma gestão rigorosamente militar, em que poucos setores estratégicos do Estado não estavam à frente representados por oficiais das três armas, a comunidade de informações se assemelha a uma secretaria subordinada ao Presidente, na prática, ganha status ministerial e ao longo de sua argumentação, Perdigão deixa explícito que o DOI era um componente dessa organização maior, esse Ministério da Informação, que trabalhava árdua e fielmente seguindo as orientações desse central/informal órgão irradiador da Doutrina de Segurança Nacional.