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COLÔNIA DE ALIENADAS DO ENGENHO DE DENTRO

Pensar a Colônia do Engenho de Dentro como um local voltado à internação das mulheres suscita questionamentos, principalmente no que diz respeito ao longo espaço de tempo, 24 anos, que separou a inauguração da instituição feminina das duas outras colônias masculinas já em funcionamento.

Hipóteses apontam para a vinculação destes fatos à dinâmica institucional e ao contexto sociocultural.

Sob a influência germânica do Diretor Juliano Moreira, o tratamento nas instituições de Assistência aos Alienados foi reformulado com o intuito de proporcionar maior sensação de liberdade aos doentes, deixando-os assim, mais receptivos ao tratamento. Retiraram-se as grades e as camisas de força deixaram de ser utilizadas. Os muros altos também foram abolidos como incentivo à produção em ambientes abertos intituladas “open door”(75)

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Contudo, diferente do que foi almejado por Juliano Moreira, o que ocorreu na prática não foi uma completa transposição do modelo de tratamento Francês para o Alemão. O que foi observado em todos os espaços do cotidiano profissional foi uma composição paradigmática franco-germânica uma vez que, ao mesmo tempo em que se preservaram as antigas técnicas como os banhos, aplicaram-se novos métodos, como a Klinoterapia* e a Assistência Hétero- Familiar. Destacamos que a Assistência Hétero-Familiar será abordada mais cuidadosamente no capítulo 7 do presente estudo, por ter relação direta com a Escola Profissional de Enfermeiras Alfredo Pinto e com o trabalho almejado para a Enfermeira (76).

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Um tratamento tido como comprovado cientificamente, símbolo da ruptura com a escola francesa de cuidado, a klinoterapia era considerada válida nos pacientes ingressantes à internação, pois reduzia a necessidade de outras formas de contenção. Método terapêutico que consiste em curar pelo repouso absoluto, destacando-se nesta técnica o papel da Enfermagem que deveria permanecia junto ao leito do paciente.

Figura 2: Os Pavilhões de Radiologia e Roengtherapia e de Klinotherapia

O terreno para a instalação da Colônia que aliviaria a superlotação do HNA foi cedido pela Marinha do Brasil. O local, no qual funcionavam pavilhões para o tratamento de portadores de beribéri, media 77.259m², dos quais apenas 22.000m² eram construídos. Os antigos pacientes foram transferidos para um espaço no bairro do Andaraí, onde atualmente funciona o Hospital do Andaraí.

A Colônia foi devidamente instalada no Engenho de Dentro, um bairro do subúrbio da Capital Federal, distante do centro urbano. A distância dos locais “civilizados” utilizada como critério de escolha para a instalação de todas as outras instituições da Assistência aos Alienados serviu também para as alienadas, corroborando assim a lógica da segregação da loucura.

O alienista Simplício de Lemos Braule Pinto foi o primeiro diretor da Colônia de mulheres, que inicialmente passou por poucas adaptações mantendo em grande parte as características anteriores. A capacidade institucional de receber cerca de 200 pacientes, logo se mostrou insuficiente, sendo necessária uma ampliação no segundo ano de funcionamento. Esta

reforma construiu um novo pavilhão, permitindo assim o acréscimo de 100% no quantitativo de mulheres atendidas. Foram importantes os investimentos despendidos naquele local, que assumiria, a partir de então, um papel complementar ao do nosocômio que, a esta altura tinha alterado seu nome para Hospital Nacional de Alienados(75).

Em geral, a trajetória dos pacientes pelas instituições que compunham a Assistência aos Alienados pautava-se na especificidade de cada caso. Os psiquiatras, por acreditarem na maior possibilidade de cura, costumavam tratar os casos agudos no HNA. Por sua vez, os cronificados que superlotavam a instituição, eram encaminhados para as colônias nas quais, por intermédio da laborterapia, as financiavam e ensaiavam uma convivência, sendo, contraditoriamente, ainda mais excluídos do convívio social.

Sabe-se que, no HNA, o quantitativo de internos do sexo masculino sobrepunha o do sexo feminino, destarte, maior o número de colônias para os homens. Destaca-se também que, embora minoria (38,4%), boa parte das internas eram 'pardas' ou 'negras'. A quantidade de pacientes, homens e mulheres, no HNA justificava o atraso na inauguração da Colônia do Engenho de Dentro e a diferença numérica de colônias femininas e masculinas, contudo não explicava o porquê do número inferior de mulheres internadas no HNA(75).

A loucura, obrigatoriamente observada na relação com o outro, é julgada segundo critérios classificatórios de desvio da conduta que se contrapõe aos padrões normativos construídos sócio-historicamente. Assim sendo, tanto as teorias que surgem a fim de compreendê-los, quanto os critérios e condutas adotados são decorrentes de uma interpretação cultural igualmente construída.

A maneira como davam entrada na instituição já diferenciava o tratamento dispensado aos homens e mulheres na Assistência aos Alienados.

Estudos apontam que o entendimento da loucura dos homens e das mulheres variava, estando esta última vinculada ao rompimento dos códigos familiares, ligados aos papéis sociais patriarcais. Destarte, a internação feminina era mais facilmente e rapidamente decidida, pois estava sujeita aos encaminhamentos paternos, dos maridos, da polícia ou de qualquer categoria que desempenhasse este papel social. Entretanto, se facilidade era encontrada na admissão institucional, o mesmo não pode ser dito sobre a alta. Enquanto os homens ficavam cerca de 500 dias internados, as mulheres permaneciam, em média, 700 dias(75).

Os números que traduzem as diferenças entre mulheres e homens internados no HNA aproximam-se apenas na maneira como estes internos deixavam o Hospício. Enquanto 56% dos homens recebiam alta, 65% das mulheres iam a óbito. A longa duração da internação expunha mais as mulheres a doenças como disenteria, enterite, enterocolite, tuberculose e desnutrição. Além disso, eram sujeitas a quase 10% mais intervenções cirúrgicas que, grosso modo, levavam ao óbito 70% dos operados. Esses dados tornavam a internação feminina no HNA um risco de vida(75).

Os psiquiatras, culturalmente instruídos para diagnosticar sinais e sintomas pautados em códigos sociais, medicalizaram os comportamentos transgressores. Até a década de 1920, as histéricas eram maioria, enquanto os homens eram internados por sífilis, alcoolismo e demência precoce. Nos relatórios médicos era frequente a inclusão de fatores relacionados a padronizações do comportamento feminino, ou seja, diagnósticos normatizadores do socialmente aceito para as mulheres.

A inclusão de algum termo relacionado à sexualidade aumentava a internação de qualquer paciente, independentemente do sexo, em 200 dias. Contudo este termo era encontrado em 19% dos relatórios das mulheres e em apenas 5% dos relatórios dos homens. A fiscalização da sexualidade feminina

proporcionava a inclusão de sintomas como “masturbação”, “ninfomania”, “safismo”, “recusa a entregar-se ao marido”, “nudez/exibicionismo” e “olhares lânguidos” (75)

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Questões relacionadas ao comportamento também são observadas em relatos que descreviam as mulheres que se recusavam a usar saias ou vestuário feminino. A justificativa “rebeldia natural” era aplicada para as irritadiças, com crises de ira, que fogem de casa, que tentavam se livrar dos filhos por aborto ou abandono, que abandonavam seus maridos, as que não compreendiam completamente seus “deveres sociais", além daquelas que preferiam a prostituição e a boemia ao casamento, que se recusavam a casar e até as que estudavam em excesso(75).

Se para os homens, sobretudo quando pobre, a internação em uma instituição da Assistência aos Alienados funcionava como um instrumento da Medicina Social e do controle higienista do “perigo em potencial” e do “atentado à moral pública”, para as mulheres a questão era ainda maior, pois, além disso, apresentavam-se também as expectativas de cumprimento dos papeis sociais modelares, como os da mãe exemplar, que cuida e educa o futuro da pátria(3).

Grosso modo, estavam no convívio social, autorizadas pelo discurso civilizatório normatizador, aquelas que se enquadravam no papel de esposa e mãe modelar. Nos Hospícios e Colônia, encontravam-se as que fugiam do projeto almejado pela Medicina Social. Com seus saberes e práticas desqualificados, cabia às desviantes/doentes a exclusão.

Desta forma, a criação da Colônia de Alienadas do Engenho de Dentro, específica para o atendimento das mulheres, surgiu em um momento oportuno por configurar-se como um instrumento psiquiátrico que corroborava os ideais

eugenistas e higienistas em prol do desenvolvimento de uma Capital Federal civilizada da Primeira República do Brasil.

Foram nos anos 1920 que as ideias eugênicas atingiram o auge no Brasil como a possibilidade vislumbrada pelos intelectuais de regenerar a nação. Nesse momento a eugenia centralizava o discurso psiquiátrico brasileiro como forma de compreensão e de tratamento para os distúrbios mentais. Estas ideias se aproximavam do movimento sanitarista que se concentrava em torno da necessidade de reformar o ambiente social a fim de melhorar as questões sanitárias da população. Dentre os mecanismos utilizados pelos eugenistas, destacavam-se as restrições de casamento, o controle da imigração e o impedimento da reprodução de deficientes mentais a fim de gerar “melhores seres humanos”(77)

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Ao tempo em que excluíam as mulheres consideradas degeneradas, que não compactuavam com o modelo social imposto, a inauguração, em 1911, da Colônia de Alienadas de Engenho de Dentro oportunizou a instauração de uma sistemática dita mais moderna. Para Juliano Moreira, figura mais influente na saúde mental brasileira à época, a criação de uma Colônia para as mulheres era a possibilidade de concretizar a tão almejada instituição onde se praticaria o melhor da nova conduta psiquiátrica alemã, pautada no que havia de mais moderno no mundo ocidental.