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1 UM OLHAR GEO-HISTÓRICO DA COLONIZAÇÃO BRASILEIRA

1.1 A COLONIALIDADE DO PODER: UM LONGO CAMINHO

1.1.2 A colonização do Estado do Paraná

A construção dos relatos históricos é feita sob a perspectiva crítica, não pelo olhar da classe dominante, mas sim por um olhar crítico para o estudo do território e da realidade que o constituiu.

Para isso, ideias de pensadores como Coutinho (2011) são bases sólidas para uma análise do passado e do presente de nosso país, com projeções para o futuro, também chamadas de “imagem do Brasil”. O autor afirma que é necessária uma visão total da realidade, “na tentativa de compreender a gênese histórica e de identificar tendências contraditórias que ela comporta no presente e que apontam para o futuro”.

O colonizador e a concepção capitalista destroem a cultura, o conhecimento e a vida do povo indígena para construir outro conhecimento, outra forma de viver num mundo, a partir das bases capitalistas de produção e vê, portanto, os povos indígenas, camponeses, quilombolas, dentre outros, como atraso ao desenvolvimento das forças de produção do modo capitalista.

Nos primórdios da colonização do Paraná, séculos XVI e XVII, o Cacique Guairacá2 foi o primeiro homem a defender a pátria Brasil contra os espanhóis.

Em 1541, D. Álvar Nunez Cabeza de Vaca vem assumir a governação do Paraguai, segue por terra, de Santa Catarina ao Paraguai, pelo interior do Paraná. Sua expedição era composta de 250 homens e 26 cavalos (Cabeza de Vaca, 1995) e demorou quatro meses para chegar ao destino. Também passou pelos caminhos percorridos por Aleixo Garcia. Passou pelo rio Iguaçu, pelos campos de Curitiba, pelos caminhos do Peabiru, chegando ao rio Tibagi, ao Piquiri e novamente ao Iguaçu. O que chama a atenção é que sua expedição foi acompanhada por centenas de guaranis que recebiam, em troca da ajuda, machados, contas, etc. Outro ponto interessante é que contornaram o território dos índios Kaingangs denotando, com isso, que entre indígenas de etnias diferentes havia, provavelmente, guerras e disputas (CHAGAS; MOTA, 2007, p.11).

Contudo, podemos observar contradições nos relatos históricos sistematizados no início da colonização da região, como afirma Shallenerger (2005) que:

2 O Cacique Guairacá, que segundo Aguilar (2002), “Cacique cujo nome seria a abreviação de Guairacay,

Guayracay ou Guayracay que lutou contra os governos do Paraguai e conquistadores, nome encontrado em documentos de conferimento de encomiendas”. como indica a sua etimologia, ou guayracay, terra que tem dono, como denominavam em suas anuas os jesuítas, numa alusão a um poderoso cacique – Guairacá -, que vivia na região, conforme registro do provincial dos jesuítas Nicolas Duran, em 12 de novembro de 1628: “... a província que chamamos do Guairá tomou este nome do cacique que antigamente a tinha em sua possessão” (SCHALLLENBERGER, 2005, p. 54).

Os registros feitos por Pero Hernandez, escrivão de Cabeza de Vaca, também dão conta da boa receptividade dos Carijós, que conduziram o enviado espanhol e sua comitiva da Ilha de Santa Catarina até a região de Campo, ou seja, os Campos Gerais do atual Estado do Paraná, onde encontraram os primeiros povoados guaranis. A primeira impressão lavrada dá conta da grande extensão de área que ocupam, da prática de uma língua só, das suas habilidades agrícolas, verificadas através do cultivo do milho e da mandioca, e da criação de galinhas e patos. Contrastando com as impressões, de Nóbrega afirma que ‘Gente muito amiga, mas também muito guerreira e vingativa, que come carne humana e tanto pode ser dos índios seus inimigos, dos cristãos ou de seus próprios companheiros de tribo’. No curso de sua viagem foram anotadas impressões que indicam a boa receptividade dos guaranis que, não conhecendo cavalos, espantaram-se ao vê-los, mas que, seguros, trouxeram suas mulheres e filhos e ofereceram- lhes mel, patos, galinhas, milho, farinha e outras coisas (SCHALLLENBERGER, 2005, p. 54).

Segundo a pesquisa realizada pela empresa Turismo Entre Rios, nos campos de Guarapuava, o português Aleixo Garcia, em 1521, foi o primeiro colonizador a percorrer o caminho do Peabiru, rota de comércio entre nativos do Brasil, da Bolívia e do Peru (Incas). Em 1541, o conquistador Dom Alvar Nuñez Cabeza de Vaca iniciou o processo de colonização da Província de Guayrá - nome dado pelos espanhóis em referência ao cacique Dorin Guairacá (lobo dos campos, em tupi-guarani), cujos relatos de 1601 indicam sua existência. Era temido pelos estrangeiros e pelas tribos rivais, devido à sua valentia e também ao seu fiel companheiro Guarapuava (lobo valente, em tupi guarani. Lobo órfão que foi adotado e criado pelo Cacique).

Ainda há no site, uma descrição de que até 1633 os espanhóis exerceram domínio sobre a região, quando os portugueses decidiram conquistar as terras do interior do Paraná, que haviam se desenvolvido muito com a instalação de vinte Reduções Jesuíticas que catequizaram as tribos nativas Guaranis, Kaingangues, Camés, Votorões, e Dorins Essa “catequese” ensinou às tribos a criação de gado bovino e ovino, agricultura, exploração comercial da erva-mate, extração de pedras e metais preciosos. Porém, a reação dos espanhóis foi destruir completamente as povoações para não deixar qualquer benfeitoria para os portugueses (TURISMO ENTRE RIOS, 2013).

O português Antonio Raposo Tavares comandou a expedição bandeirante no Paraná. Desocupada a partir de 1633, essa região voltou a ser dominada pelas tribos nativas, quando em 1770, uma expedição portuguesa tentou, sem sucesso, povoar a região do terceiro planalto. Foi somente em 1810, que uma nova expedição militar comandada por Diogo Pinto de Azevedo Portugal e pelo Capitão Antonio da Rocha Loures, teve êxito ao construir uma

“atalaia” (fortificação de madeira) e conseguiu resistir aos ataques das ferozes tribos indígenas (TURISMO ENTRE RIOS, 2013).

No Território Cantuquiriguaçu, de acordo com o diagnóstico,

[...] o início do século XIX é marcado pela guerra declarada aos indígenas, sob a alegação de que estes impediam a fixação e o trânsito de pessoas. O aldeamento dos índios Camés, Votorões e Dorins teve início em 1810, porém as resistências eram constantes em relação ao brutal recrutamento em pequenas áreas de terra por parte da forma de invasão do território indígena pelas frações da burguesia dominante em relação ao estado brasileiro (CANTUQUIRIGUAÇU, 2007, p.05).

Segundo Santos (2001), no século XIX, quando os tropeiros percorreram os caminhos para as Missões no Rio Grande do Sul, passando por Guarapuava e Palmas, a região Centro-Sul do terceiro planalto, Guarapuava era o principal polo econômico de todo o oeste paranaense. Guarapuava tinha uma vasta área de terra, era o maior município do estado com 175.000 Km², chegando até Foz do Iguaçu e parte de Santa Catarina. Apesar de ter sua extensão territorial reduzida, ainda é o maior município do Paraná.

Ainda de acordo com o autor,

As pesquisas e análises regionais revelavam inquietudes para a região, pois se tratava: 1. De uma econômica de tido periférica, baseada, inicialmente, na agricultura de subsistência e na pecuária e, após, na produção e exportação do mate pelo Porto de Paranaguá; 2. De uma sociedade campeira, onde conviviam o trabalho escravo e livre, dirigido pro clã de famílias isoladas; 3. De uma sociedade ervateira marcada pela burguesia comercial, mas sujeitas as crises provocadas pelas oscilações da econômica internacional; 4. de uma região sem autonomia política nem administrativa, ainda comarca de São Paulo, cuja emancipação só foi conquistada em 1853. De um poder rural decrescente, face ao desenvolvimento urbano, diante das novas formas de produção e de organização social imposta pela modernidade europeia (SANTOS, 2001, p.15).

No século XX, o processo de colonização de expropriação dos territórios indígenas, bem como da dizimação da maioria dos povos que habitavam essa região para formação das fazendas, dos latifúndios, do extrativismo da madeira, da erva mate e da extração de pedras preciosas, resulta nesse território, ao qual hoje se situa o espaço geográfico de Cantuquiriguaçu e que possui a menor densidade demográfica do Paraná. Em contraposição à dada colonialidade, estão os povos originários do continente latino-americano, com seus

modos de vida, sua forma específica de reprodução e produção histórica como sujeitos, lutando, resistindo e buscando afirmações e formas sociais de base não capitalista.

Em Guarapuava, cidade polo da região centro do estado do Paraná, na qual o território Cantuquiriguaçú está inserido, foi construída em 1976, uma estátua do líder indígena. No entanto, a existência da estátua na entrada da cidade não está enaltecendo a cultura indígena, a luta desses povos contra os invasores europeus, contra a prepotência do estado brasileiro que não demarcava seus territórios, mas simboliza o poder e a força dos militares na ditadura militar de 1964 que só termina no início da década de 80.

Portanto, ficam explícitas duas questões, sendo uma velada pela história oficial, que coloca o cacique como símbolo da defesa da pátria na guerra contra o Paraguai e outra não contada pela história oficial, que é da defesa dos territórios pelos povos indígenas e que aqui fica evidente quando da leitura da frase: “Essa terra tem dono”, escrita no monumento em Guarapuava, a qual demonstra a noção de território visto como novo, por exemplo, “o território da cidadania”, um equívoco que, além do mais, possui a identidade indígena. Isso não foi diferente em relação aos outros povos indígenas que habitavam o Brasil e em particular o território Cantuquiriguaçu, no qual o processo de colonização provocou quase que a dizimação total de sua população.

O símbolo que evoca a oligarquia emergente em Guarapuava é o busto de Antônio de Sá Camargo, o Visconde de Guarapuava, erigido em 1953, na gestão do prefeito José de Matos Leão. Na inscrição pode-se ler: “Antônio de Sá Camargo. Visconde de Guarapuava. Inscrição: 1853 – 1953. Homenagem do município de Guarapuava ao Visconde de Guarapuava” (LACHESKI, 2009, p.104).

É uma constante a elite local utilizar dos seus antepassados para nominar ruas, praças, bairros, dentre outros. Conforme Oriá (2000 apud LACHESKI, 2009, p.107), “basta que estejamos atentos para ler o traçado de suas ruas, a denominação dada a elas, as estátuas, bustos e monumentos que estão localizados nas praças públicas e parques”.

Em relação aos povos originários que habitavam a região, o ideário europeu passou a usar como símbolo de força e de luta, o monumento do índio Guairacá em defesa da pátria Brasil, mas não retrata a história de defesa dos povos indígenas do seu território.

Quanto ao monumento do índio Guairacá erigido em Guarapuava, o jornal Folha do Oeste esclarece que [...] ‘trata-se do projeto da construção por parte da Prefeitura local, do monumento consagrado à memória do intrépido Cacique Guairacá, soberano absoluto, em priscas eras, defensor das terras que hoje constituem a vasta região territorial do Oeste paranaense, cujo

pórtico de entrada situava-se na alcandorada Serra da esperança, como um marco altaneiro, da soberania Guairacaense’. (Folha do Oeste, 1976, apud, LACHESKI, p.107, 2009).

A ideia materializada pelo jornal retrata o que a elite reproduz no seu cotidiano. No contexto da ditadura em 1976, o Folha do Oeste considerou o monumento construído em homenagem ao índio Guairacá “uma ideia feliz, oportuna, patriótica”, em consonância com as ideias da campanha de “integração nacional” projetada pelo regime militar. Na inscrição do monumento pode-se ler: “Coivi oguerekô yara” (esta terra tem dono), frase atribuída ao cacique, mas comemorado no contexto de maneira totalmente cínica. Continuam as legendas nas placas na base da estátua, Cacique Guairacá “índio líder do Brasil e do Paraná”, sendo isso tudo apresentado como “Homenagem do povo de Guarapuava e do Paraná”. XIXIV – MCMLXXVIII. Original de J. Turim. Modelagem de J. Aquino. (FOLHA DO OESTE 1976,

apud, LACHESKI, 2009, p.107).

Essa reflexão em relação ao Cacique Guairacá a partir da estátua, berço da construção dos territórios “Centro no Paraná” e “Território da Cantuquiriguaçu”, faz pensar a formação do território e da identidade cultural coletiva a partir da luta pela terra e suas representações. A legenda do monumento faz parte do território imaterial e provoca debate em sua relação dialética com o território material, por contribuir para justificar a territorialização da região pelos colonos descendentes dos europeus, que consideravelmente descartaram a ocupação indígena da região em nome do progresso, e dos supostos benefícios da modernização que implantaram [porque não apresentou os paradigmas]. Confirma-se assim o que alguns geógrafos dizem, destacando que “o processo de controle socioterritorial e dominação passa pelo discurso” (CUBAS, 2009; SOUZA, 2006; VILLAÇA, 2010), ou seja, a linguagem também é usada para manipular e/ou persuadir.

Os povos invasores dos territórios indígenas construíram no imaginário social, uma realidade imposta a partir de um ideário constituído em outra, a realidade europeia. Baseando- se em civilizações que tinham outros mitos, outros deuses, outros valores, outras formas de ocupações do espaço, outra cultura e que impunham sobre os colonizados o seu modo de vida de explorar. De acordo com Lacheski (2009),

A potência unificadora dos imaginários sociais é assegurada pela fusão entre verdade e normatividade, informações e valores, que se opera no e por meio do simbolismo. Com efeito, o imaginário social informa acerca da realidade, ao mesmo tempo em que constitui um apelo à ação, um apelo a comportar-se de determinada maneira. Esquema de interpretação, mas também de

valorização, o dispositivo imaginário suscita a adesão a um sistema de valores e intervém eficazmente no processo da sua interiorização pelos indivíduos, modelando os comportamentos, [...], em caso de necessidade, arrastando os indivíduos para uma ação comum (LACHESKI, 2009, p.104). Isso tudo determina um novo comportamento no novo território, que antes era ocupado pelos povos indígenas e agora, invadido pelos europeus cria diferentes valores, normas e condutas. Além disso, a nova ordem estabelecida constrói no imaginário social um novo conjunto de símbolos e de significados oriundos dos povos europeus, sendo que os mais estáveis dos símbolos estão amarrados em necessidades profundas e acaba por se tornar uma razão de existir e agir para os indivíduos e para os grupos sociais. Os sistemas simbólicos são constituídos no imaginário social não só por meio das experiências dos sujeitos sociais, mas também a partir das suas intencionalidades. Nesse sentido, a construção do novo imaginário social a partir dos colonizadores está também simbolizada nos monumentos.