• Nenhum resultado encontrado

PARTE I MENINO REI, MÁGICO DO LUXO E DO BOM GOSTO

1.1 A CONSTRUÇÃO DE UMA PERSONAGEM

1.1.1 Iniciativas Dener além moda

1.2.1.1 Coluna Bela: jornal Correio da Manhã

A coluna Bela do Correio da Manhã, teve pelo período de 30 de agosto de 1970 a 01 de março de 1971, a participação semanal de Dener, e se apresenta como exemplar suporte à compreensão da pedagogia de gênero, veiculando orientações sobre modos de vestir e consumir bens e produtos da moda (LOURO, 2008), que ensinavam e incutiam noções de elegância. Em suas páginas, jovens – um dos focos da coluna com o segmento “Belinha” – e senhoras encontravam orientações sobre moda, beleza, e obtinham sua opinião a respeito do que era a elegância, além da disponibilização de seus modelos para serem confeccionados. Essa divulgação semanal de seus modelos no jornal, possibilitava às brasileiras a chance de vestir- se “à la Dener”. Relação vantajosa, tanto para o costureiro que se promovia, como para o jornal que com a divulgação de modelos Dener aumentavam as vendas.

Na apresentação do costureiro no Jornal Correio da Manhã, se escreve, Dener “[...] agora é jornalista e vem a convite do CORREIO DA MANHÃ. Sôbre beleza diz que é uma das coisas que sempre entendeu” (CORREIO DA MANHÃ, 1970c). Como divulga o jornal, beleza é uma das coisas da qual Dener poderia falar e essa participação no jornal, escrevendo sobre beleza e sobre a arte de bem vestir é um exemplo importante dessa relação de Dener com a imprensa brasileira, direcionada às mulheres do período.

Nessa coluna, além dos desenhos de suas criações, Dener dá dicas de moda e elegância. Todos os modelos disponibilizados pelo costureiro na coluna, possuíam descrições de como deveriam ser confeccionados, quais tecidos utilizar e como combiná-los nas diversas situações. Pela sua divulgação da prática do faça você mesmo destinada às leitoras menos endinheiradas, aspecto abordado por nós na análise da revista Manequim, o costureiro incentivava a reprodução de modelos Dener, de forma que a “alta-costura” se tornasse mais acessível. O mesmo escreve em sua coluna, “Pelo amor de Deus, não façam roupas pretenciosas, digo, criações de vocês mesmas ou cópia de modelos de alta costura assassinados por costureirinhas, mas conhecidas por modistas” (CORREIO DA MANHÃ, 1970f).

Para Dener, modistas eram costureiras de baixa qualidade, visto que, para ele, a alta- costura consistia na riqueza de cuidado com os detalhes, outro ponto analisado por nós e que aqui pode ser dimensionado por meio da análise da obra que produz para orientar as mulheres sobre vestimentas. Assassinar um modelo de alta-costura, poderia ser costurar um modelo

Dener disponibilizado pelo jornal, sem zelo, descuidando dos acabamentos e detalhes. Em todas suas iniciativas nesse década, Dener reforçava seu papel de ditador da elegância e do luxo e nessa coluna, o costureiro teve a possibilidade de instruir as mulheres ao mesmo tempo em que se promovia.

Dener buscava se promover em todos os momentos, sempre associado ao luxo. Essa relação de Dener com o luxo é notável até na coluna Bela que apresenta uma entrevista detalhada com o costureiro, como matéria de abertura de sua participação, e a intitula como: “EU SOU O LUXO”. Na apresentação do jornal consta:

Bela recebe a partir de hoje, Dener, muito exclusivo, mostrando sua moda, seus conceitos, e definições sôbre moda brasileira e internacional. Hoje Dener fala de moda sofisticada, muito luxuosa e revela-se em entrevista muito particular. Beleza, culinária, decoração, gente, para a mulher de classe (CORREIO DA MANHÃ, 1970b).

Destinada às “mulheres de classe”, após a entrevista no qual o costureiro falou sobre a decoração de sua casa, sobre sua personalidade, gostos e desgostos, a coluna apresenta modelos Dener distribuídos em fotos e desenhos, fotos que divulgam seu desfile e um desenho como parte de seu processo criativo. São três fotos apresentadas de modelos da “Coleção Oficial Primavera-Verão 70”, Entre eles um modelo de vestido de noiva. Essa relação das mulheres com o casamento continua na década de 1970, pois os dados indicam a queda no número dos casamentos legalizados a partir da década de 1980 (SCOTT, 2012, p. 28), sendo o casamento ainda importante às mulheres do período. Essa importância é descrita no Curso Básico de Corte e Costura Dener, que ao iniciar a lição sobre o corte e a costura de vestidos de noiva escreve: “Desta vez vamos satisfazer o desejo de inúmeras alunas que estavam ansiosas por esta lição” (ABREU, 1972c, p. 405). Além de ser o casamento esperado com ansiedade, valorizando os vestidos de noiva, esses modelos, destinados ao casamento, como carros-chefes da alta-costura, se fazem presente em todas as iniciativas do costureiro de exaltá-la, como ocorre na coluna Bela.

Figura 5 Modelo Dener 1970 para a Coluna Bela

Fonte: Jornal Correio da Manhã. 30 e 31 ago. 1970b. Acervo Biblioteca Nacional (2015).

A imagem registrada no desfile de Primavera-Verão de 1970, apresenta um modelo de vestido de noiva do desfile de Dener, com apoio da Santista Têxtil. Ao lado a descrição a respeito desse modelo para que as mulheres pudessem compreendê-lo, visto que as imagens eram em branco e preto, facilitava o entendimento do modelo, a respeito em que consistia sua confecção, caso as mulheres quisessem reproduzi-lo em casa. Sobre esse modelo está escrito:

Sonaly, novo manequim vedete lançado por Dener é a noiva simples e sofisticada na coleção Santista Hindu. O turbante bem ao estilo indiano dá a nota. Saia ligeiramente franzida, bolsos embutidos, mangas cortadas na altura dos cotovelos, abrindo em ‘évasée’ (CORREIO DA MANHÃ, 1970b) Nesse fragmento pertencente ao início da década de 1970, nota-se conceitos introduzidos pelas mudanças presenciadas na década de 1960, em que a elegância “[...] adquiriu um novo qualificativo, a sofisticação, que poderia mesmo ser alcançada com uma certa irreverência e ludicidade e que desbancava o luxo a que o glamour da elegância anterior se referia” (SANT’ANNA, 2014b, p. 66). Assim, o modelo Dener, inserido, em partes, nessa nova tendência buscava exaltar uma elegância na simplicidade, aliada a sofisticação, mas que não contrariava o luxo, como escreve a autora, mas seria essa uma nova redefiniçao do luxo, com simplicidade. Nesse sentido, ao lado dos trajes elaborados e glamourosos, “o ideal apontado era

a simplicidade e a naturalidade, e estas não eram apenas os segredos do bem-vestir, mas de toda a elegância, logo: ‘a simplicidade é o segredo do êxito feminino’” (SANT’ANNA, 2014b, p. 160). Essa simplicidade no primeiro modelo apresentado por Dener estava associada à sofisticação, porém contrária a essa tendência estavam outros modelos, que exaltavam os trajes elaborados, como por exemplo a figura a seguir, de um modelo divulgado três semanas depois.

É importante destacar que durante os anos setenta, as convenções sociais se flexibilizaram e as calças passaram a ser aceitas como parte do vestuário feminino (EURRUTIA CAVERO, 2006) [Tradução nossa]. Com isso, ocorre na década de 1970 a migração da calça do território informal para o formal (MENDES; LA HAYE, 2009), e essa peça passa a fazer parte de diversas criações dos costureiros nacionais e internacionais. Nesse exemplo de Dener, a calça não está associada à informalidade, mas a formalidade, com uma grande quantidade de elementos como partes do modelo. A descrição apresenta crepe Chanel, de cores violentas, branco ou preto, quatro partes de godês em cada perna da calça, cinturão com ilhoses banhados, passantes em X feito com correntes e descendo contas coloridas, com grande decote oval e mangas volantes como a calça. A quantidade de detalhes para a construção desse modelo poderia deixar qualquer costureira cansada só de imaginá-lo, e nesse sentido estava alheio a tendência de simplicidade do vestir. Nota-se a aceitação da tendência de moda, com a criação

Fonte: Jornal Correio da Manhã. 20 e 21 set. 1970e. Acervo Biblioteca Nacional (2015). Figura 6 Modelo Dener 1970 para a Coluna Bela

da calça, por exemplo, mas contrária à simplicidade a ostentação de elementos persistia. Como escreve Lipovetsky (2009, p. 33) “[...] a moda muda incessantemente, mas nem tudo nela muda”. E por ser “[...] um fenômeno social de considerável oscilação nem por isso a moda escapa, de um ponto de vista histórico abrangente, à estabilidade e à regularidade de seu funcionamento profundo” (LIPOVETSKY, 2009, p. 26). Assim, essa contradição do período e do costureiro se faz evidente, pois em partes aceita a nova tendência aliada à simplicidade, em partes não abandona sua escola na década de 1950, de ostentação do luxo. Assim, ele demonstra nos modelos do jornal carioca a diversidade de estilos presentes na década de 1970, assim como reforça sua personalidade ambígua.

Como nota-se nas imagens, faziam parte da coluna Bela além de fotos de modelos já confeccionados, desenhos do costureiro, os famosos croquis, principal maneira como Dener expunha seus modelos na coluna do jornal carioca. Todos os modelos disponibilizados pelo costureiro possuíam descrições sobre quais tecidos utilizar, com quais acessórios combinar e como adaptá-los a cada situação do dia a dia. Assim, por meio de suas criações apresentadas semanalmente no Correio da Manhã, Dener confirmava sua pedagogia do vestir, relacionada às informações de produção da vestimenta e de sua utilização. Dessa forma, ainda que em preto e branco, as mulheres leitoras poderiam observar os desenhos, representação de seu processo criativo, e depois com a descrição, compreender o que cada traço representava ao modelo final. A compreensão do modelo proposto como um todo possibilitaria elegância à mulher que aplicasse seus ensinamentos, visto que

Donas de um abalizado conhecimento de costura, fizessem ou não suas próprias roupas, as mulheres, em sua grande maioria, examinavam esses figurinos tendo em vista a reprodução das roupas, ou a possibilidade de mandar fazê-las (CRANE, 2006, p. 396).

Assim, como em outros veículos impressos, a divulgação de modelos com suas devidas descrições facilitava a difusão da prática de corte e costura e quando a disponibilização era de desenhos Dener, havia a aproximação das mulheres de menores recursos financeiros à alta- costura, visualizando como seria o desenho assinados por um grande costureiro, assim como poderiam utilizar seus desenhos na tentativa de reproduzi-los. Nesse sentido, outra aparição de Dener nas mídias impressas foi sua participação na revista Manequim em 1972.