• Nenhum resultado encontrado

3. Discussão da relação da música e a sua performance com a política

3.1. Comícios e campanhas políticas

A 5 de novembro de 2012, último dia de campanha para as eleições presidenciais norte-americanas, Bruce Sprinsteen juntou-se ao presidente Barack Obama no comício na cidade de Madison, no estado de Wisconsin. O objetivo do músico era dar um último empurrão para que Obama conseguisse sair vencedor do confronto com o candidato republicano Mitt Romney. Para tal, Springsteen proferiu um discurso de tom político e

de apoio ao presidente, terminando a sua intervenção com a atuação da canção Land of

Hope na Dreams. A ação de Bruce Springsteen, que foi repetida em outras alturas da

campanha de Obama, demonstra uma das possíveis formas de ligação entre a música e a política. Ao escolher o músico natural de New Jersey para atuar no seu último dia de campanha de reeleição, o 44º presidente norte-americano tinha dois objetivos em mente: identificar-se com a audiência e comunicar com ela, e arranjar uma personalidade que fosse capaz de prender a atenção dessa mesma audiência.

John Street, para quem uma música que acompanha uma campanha política é propaganda num nível mais básico, oferece uma explicação da decisão para Obama, tal como outros políticos em outras ocasiões, decidir-se pela aparência de um músico num comício seu: “It serves to evoke particular images and associations, (…) If anything, songs and sounds are more powerful weapons in this armoury because of the way music works directly on our emotions” (Street, 2013, p. 114). Ao associar-se a Springsteen, Obama ficou ligado ao título da música escolhida no comício em Madison: os EUA são muitas vezes descritos como um país de esperança por um futuro melhor e foi essa a mensagem que o presidente quis passar aos seus potenciais eleitores. Por sua vez, ao associar-se a Obama, Springsteen fica implicado numa posição política, que neste caso é democrata.

“Springsteen intends to empower his audience, teach them to make up their own minds, not tell them what to think” (Marsh, 2004, par. 2). Além desta descrição, Dave Marsh descreve Springsteen como um símbolo americano, o que também ajuda a compreender a decisão de Obama. Se um político se associa a determinado músico a meio de uma campanha, é porque se identifica com ele e com os seus valores; John Street confere a isto o nome “branding”. A marca de Springsteen, aquela a que Obama se quis ligar, é a de um músico ligado ao simbolismo do americano médio trabalhador, cujos sonhos e medos estão presentes nas suas canções (Cullen, 1997).

Barack Obama e Bruce Springsteen são duas personalidades que, apesar de atuarem em campos diferentes, são capazes de prender a atenção de uma audiência. “After all, a star’s ability to secure an audience is what eager politicians see in the performers they recruit to their campaigns (…)” (Street, 2013, p. 128). Para Street, o facto de um

músico estar a discursar num comício faz com que ele seja, naquele momento, o portador da verdade34. Ou seja, quando Springsteen toca A Land of Hope and Dreams, a sua canção torna-se portadora da mensagem política de Barack Obama.

Há outro factor a ligar Obama a Springsteen: quando o discursa num comício perante milhares de pessoas, o ex-presidente encontra-se num cenário semelhante a um concerto de rock do músico norte-americano.

A expressão “concerto de rock” foi também usada por Marc Lotter, Diretor de Comunicações Estratégicas da campanha de Trump para 2020, para descrever o ambiente de um comício presidencial (Kaplan, 2019). Mas o jornalista Astead Herndon, que escreve sobre política nacional para o The New York Times, vai mais longe e descreve especificamente de que forma é que uma organização de um comício de Donald Trump faz uso da música: “Mr. Trump is a showman. And at his political rallies, music is vitally important, blasted at a striking decibel level that turns up even louder when he arrives and exits” (Herndon, 2019).

Para constatar de que forma as músicas escolhidas para uma campanha política refletem os valores dos candidatos, o The New York Times analisou as playlists dos nove candidatos democratas às eleições presidenciais norte-americanas de 2019 e a de Donald Trump. As conclusões são visíveis: as listas são um espelho das personalidades dos candidatos, que escolhem músicas de acordo as suas políticas e também com a sua etnia e origens.

Bernie Sanders, que Astead Herndon diz ter um estilo rebelde35, escolheu músicas cujos títulos são esclarecedores em relação àquilo que pretende: “Three songs have revolution in the title; then there are Make a Change, Power to the People, Uprising and

Takin’ It to the Streets. Point made” (Pareles, 2019).

No que toca a Donald Trump e Kirsten Gillibrand, por exemplo, o que mais salta à vista nas suas playlists é o facto de refletirem os respetivos sexos: a maioria dos artistas escolhidos pelo presidente norte-americano são homens, e no caso de candidata democrata as mulheres compõem pouco menos de três quartos das escolhas.

34 O autor utiliza a expressão “truth bearer” (Street, 2014, p. 128). 35 O autor do artigo utiliza a expressão “renegade style” (Herndon, 2019)

“Music is also used by groups as a means to establish an identity. People may signal their group membership to others—inside and outside the group—by embracing certain artists or genres” (Hoeven et al., 2016, p. 47). Depois de analisado o trabalho do New

York Times, é possível constatar que os candidatos democratas e o presidente norte-

americano tiveram o cuidado de criar uma identidade ao formar uma playlist com artistas musicais e títulos e letras de músicas que se aproximassem da imagem pretendida a projetar ao público.