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Os alunos que participaram das atividades não sabiam o que era uma tabela de distribuição de frequências ou como fazer uma representação gráfica adequada,

segundo relato de Almir, professor da turma por mais de um ano. Podemos supor que não as conheciam em contexto escolar, embora já houvessem tido contato com tais noções extraescolarmente, por meio da divulgação de notícias pela mídia.

No primeiro encontro em sala de aula, o professor Almir solicitou-lhes que respondessem às cinco questões que haviam sido preparadas no grupo de discussão (Anexo C). Organizou os alunos em grupos de quatro ou cinco elementos, como se estabelecera nas reuniões do grupo de discussão, e em seguida os convidou a organizar os dados das respostas fornecidas por eles próprios às cinco questões, de modo a apresentá-los aos outros grupos e, posteriormente, à escola. As situações de aprendizagem foram portanto construídas de forma que sua gestão pudesse potencializar a ocorrência de fases adidáticas no processo de desenvolvimento da situação, no sentido proposto por Brousseau (1986).

A organização em grupos também permite aos alunos a verbalização durante o processo de construção da solução esperada, segundo Carvalho (2003). Como observadores (observação das interações nos grupos de alunos e das interações entre professor e esses grupos), atuavam também três membros do projeto PEA-ESTAT que participavam do grupo de discussão.

No primeiro dia estavam presentes 32 alunos (23 meninas e nove meninos), todos com idade de 11 anos, exceto dois meninos que tinham 13 e 14 anos. Todos aderiram voluntariamente ao convite do professor Almir.

O professor iniciou as atividades organizando os grupos e distribuindo a cada aluno uma folha com o texto preparado no encontro mais recente do grupo de discussão, além de uma folha em branco para cada grupo.

Prof. Almir – Vou entregar uma folha em branco para cada grupo e vocês vão organizar no grupo de vocês as respostas e vão organizar as informações para apresentar para o resto da classe. Cada grupo vai contar. Vocês vão encontrar uma maneira de explicar essas informações para apresentar. Têm ideia disso ou não?

Após a leitura do texto inicial pelos alunos, o professor pergunta:

Prof. Almir – Vocês estão acostumados a olhar nos livros, nos jornais, algumas maneiras de organizar os dados. Vocês lembram de alguma?

Aqui o professor se antecipou fornecendo uma sugestão, quando o previsto era que esperasse pelo que os alunos exprimissem de maneira espontânea. Esse

comportamento do professor deu indícios de sua ansiedade nesse início de atividade. Observamos que, mesmo tendo defendido no grupo de discussão a necessidade de questionar os alunos e promover o debate de ideias, o professor mostrou-se ansioso em razão de sua insegurança quanto ao conhecimento específico do conteúdo, o que se refletiu em insegurança na gestão da aula.

Teixeira (2004), entre outros pesquisadores, afirma que os professores, devido à formação que receberam, adotam idealmente objetivos formativos de ensino, mas quando vivenciam o processo real de ensino veem-se pressionados pelos imperativos da prática e acabam por adotar procedimentos transmissivos e reprodutivos dos conteúdos de aprendizagem.

No caso do professor Almir, além da clarificação teórica advinda do acompanhamento de sua prática pelo grupo de discussão, o próprio desenvolvimento do projeto conduziu a reconhecimento e mudança de concepção, como veremos mais adiante.

O procedimento descrito aponta para a seguinte concepção didática:  Concepção (CD2): Antecipar sugestões.

 Conjunto de problemas (P): Fazer a gestão do trabalho proposto aos alunos, de modo a promover entre eles a pesquisa de estratégias para resolução de problemas.

 Representação (L): Linguagem oral.

 Operador (R): Se tenho dificuldades, os alunos também terão.

 Estrutura de controle (Σ): Os alunos não são capazes de mobilizar seus conhecimentos anteriores e extraclasse de forma autônoma, pois isso nunca lhes foi solicitado.

Por haver distribuído uma folha para cada um dos elementos do grupo, o professor, ao se aproximar de um dos grupos, notou que cada aluno estava resolvendo o problema individualmente, sem que ocorressem as discussões previstas. Forneceu-lhes então a seguinte orientação:

Prof. Almir – Se cada um tem uma opinião, cada um faz a sua e depois vocês têm que decidir o que é melhor e apresentar só uma solução do grupo.

Nos encontros seguintes, viria a fornecer uma única folha por grupo para incentivar o trabalho em equipe, como discutido no grupo de discussão ao se analisar essa primeira sessão. Observe-se que, nesse momento, o professor tratou a situação inesperada com tranquilidade, evitando desmotivar os alunos, e mudou de estratégia posteriormente para evitar que o fato se repetisse. Mostrou segurança ao mudar a forma de gestão das atividades, indicando dispor de conhecimento pedagógico sobre o trabalho em grupo.

Aproximou-se então de outro grupo e, ainda sem saber o que deveria fazer, explicou:

Prof. Almir – Vocês devem organizar de um jeito que vocês consigam explicar, mostrar para os outros grupos, por exemplo, quantos disseram sim, quantos disseram não.

Novamente, temos aí uma orientação diretiva, que parece confirmar mobilização estável da concepção CD2.

Dirigiu-se em seguida a um terceiro grupo que apresentava bloqueio nas discussões e não conseguia iniciar os procedimentos para tentar resolver o problema proposto:

Prof. Almir – Pessoal! Um de cada grupo vai falar o que está fazendo ou da dificuldade.

Os elementos do quarto grupo não queriam mostrar o que estavam fazendo: ―Ah! Não! Eles vão copiar!‖. Note-se que a dificuldade dos grupos e a sensação de estarem criando algo novo indicam que, contrariamente ao que se formulara no grupo de discussão como hipótese de trabalho para a gestão das atividades, os alunos não tinham concepções espontâneas sobre a construção de uma tabela descritiva de um conjunto de dados.

O quinto grupo concordou em descrever o que estava fazendo e uma aluna se levantou para mostrar a seguinte construção tabular:

Jo Gu La Ta

Q1 A A A A

Q2 C A A C

Q3 C C A A

Q4 4 pessoas 2 pessoas 4 pessoas 3 pessoas

Observe que os alunos do quinto grupo organizaram espontaneamente um registro tabular, indicando fora dele o número da questão e dentro, na primeira linha, o nome abreviado (ou apelido) dos alunos e, nas demais linhas, suas respectivas respostas.

O sexto grupo também mostrou um registro, ainda que diferente e não concluído. Além das iniciais dos nomes na primeira linha, consideraram importante incluir um espaço para as justificativas de cada resposta. Como as justificativas não cabiam nos espaços reservados, estavam usando outra folha para elas.

E N A K Justificativa 1) Q sim 1) Q sim 1) Q sim 1) Q sim 2) Q um pouco 2) Q não

Ao ver o que esses dois grupos tinham feito nessa etapa de socialização inserida pelo professor entre as etapas de trabalho planejadas anteriormente, os demais grupos começaram a esboçar suas resoluções, confirmando o observado por Carvalho (2003) quanto à importância da interação dos pares em um processo de aprendizagem. Mesmo assim, alguns grupos ainda não encontravam uma estratégia para resolver o problema da organização dos dados, e o professor solicitou que um de cada grupo visse o que os outros estavam fazendo.

Nessa atitude do professor, nota-se uma estabilidade da concepção sobre formas de gestão de sala de aula que potencializem o intercâmbio entre alunos. Como forma de fazer avançar uma estratégia, observe-se que ele organizou os alunos em grupos e favoreceu não só a troca de ideias entre membros de um mesmo grupo, mas também a socialização dos resultados, tal como ocorrera no grupo de discussão. Podemos então identificar a seguinte concepção:

 Concepção (CD3): Aprendizagem por interação entre pares.

 Campo de problemas (P): Gestão de problemas sobre organização e representação de dados.

 Operadores (R): Se existe comunicação, o conhecimento emerge com mais facilidade.

 Estrutura de controle (Σ): Se tal organização foi vitoriosa durante a formação no grupo de discussão, então também o será com os alunos. Muitos alunos queriam dispor de um espaço para justificar suas respostas, por acharem que ‗sim‘ e ‗não‘ eram insuficientes. Quanto a isso, uma aluna justificou: ―Senão, nunca vão saber por que respondemos isso‖. Por isso alguns não tinham optado por construir um registro tabular, mas estavam respondendo por extenso, com as devidas justificativas.

Prof. Almir – Vocês acham importante dizer o que estou fazendo? Justificativa?

Alunos – Com certeza.

Prof. Almir – Vocês fizeram uma tabela. Se a professora da manhã chegar aqui, ela vai entender?

A1 – Tem que explicar: dados sobre os alunos.

Prof. Almir – A tabela que vocês fizeram, é importante dar um nome para ela?

A1 – Aqui já tem!

Prof. Almir – Não é nome de vocês. É o nome para a tabela, do que se trata a tabela.

A1 – Hmm... ‗A escola e você‘ – não, não: ‗A escola e sobre você‘. A2 – ‗Dados sobre os alunos‘.

Prof. Almir – Isso! Coloquem um nome.

O professor Almir disse então aos alunos que aqueles que quisessem poderiam procurar tabelas em jornais e revistas, para trazerem no encontro seguinte. Nesse momento, o sinal soou, concluindo-se a primeira parte desse primeiro encontro com os alunos.

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