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COM PERSPECTIVAS DE ACEITAÇÃO PELO CONSUMIDOR

QUALIDADE ALIMENTAR E MERCADO

COM PERSPECTIVAS DE ACEITAÇÃO PELO CONSUMIDOR

Justina Franco, Filipe Melo, Rosa Guilherme, Nuno Neves e Fátima Curado Resumo

A procura de produtos alimentares que garantam a segurança dos consumidores assume, a cada dia, maior relevância. Estes procuram produtos que, além da segurança, lhes tragam alguma novidade e autenticidade.

Com o objectivo de aumentar a oferta de variedades de peras sem recorrer a importações e preservando os produtos portugueses, realizámos ao longo de três anos, provas de frutos a variedades tidas como portuguesas. Constituiu-se, para tal, um painel de provadores composto por 14 elementos.

As classificações por parte dos provadores foram muito variáveis, sendo positivas para todas as variedades e obtendo 13 delas, uma avaliação global acima de 13,5 (escala de 1- 20).

Em laboratório foi avaliada a forma dos frutos, peso, cor, dureza, índice refractométrico e ácido málico. Efectuou-se um estudo preliminar do poder de conservação, tendo-se analisado durante 4 semanas a evolução da qualidade dos frutos.

A variedade Marmela destacou-se ao nível das provas, tendo obtido uma classificação elevada. Relativamente ao poder de conservação, o seu comportamento não diferiu muito da variedade Rocha, facto que se considera positivo e promissor.

Introdução

Nas últimas décadas o consumo evoluiu de acordo com uma oferta massificada de espectro estreito, num mercado global pouco diferenciado, sem tipicidade e desligado da história e do território.

Nestas condições, a prática continuada de uma agricultura intensificada tem criado, em alguns sectores, problemas pontuais de saúde pública, tornando-se mais notórias as reservas dos consumidores relativamente à qualidade sanitária dos produtos alimentares, por vezes com implicações económicas ao nível da produção.

Nos dias de hoje as peras que predominam no mercado português são a Rocha, que está no mercado cerca de 10 meses, algumas variedades regionais precoces como a D. Joaquina, a Carapinheira e a Pérola no início da campanha e, de Fevereiro a Julho, variedades estrangeiras como a William’s e a Passe Crassane. A diversidade da oferta é reduzida levando a alguma monotonia e à estabilização do consumo (menos de 10kg por pessoa e por ano).

Os consumidores procuram cada vez mais produtos distintos, podendo ser de novas variedades ou das tradicionais recuperadas mas, que possuam a autenticidade

de uma íntima ligação ao território e que crêem ser produzidos de acordo com boas práticas, que lhes garantam a segurança alimentar.

Consideramos serem estas as razões que têm contribuído para o aumento da procura de produtos tradicionais e que dar resposta a esta aspiração do consumidor constitui, também, uma importante oportunidade para valorizar e garantir a sustentabilidade do espaço rural pois “preservar o passado é precaver o futuro”.

Contudo, estes produtos só conseguirão impor-se no mercado se o consumidor os considerar de qualidade e, para ele, os principais factores que contribuem para a qualidade são:

a) aparência visual; b) textura;

c) sabor e aroma; d) valor nutricional;

e) segurança (Gil, 2003 e Lespinasse et al., 2002).

Entre o produto e o seu consumidor estabelece-se uma relação complexa que, normalmente, não explica a razão do seu grau de satisfação, gosta ou não gosta (Pinon, 1998).

Segundo Almeida (2004) os consumidores tomam frequentemente a decisão de compra com base na aparência visual e na textura; mas a repetição da compra e, em última análise, a expansão do mercado depende de uma experiência de consumo satisfatória, avaliada pelo aroma e sabor. Daí que, a análise sensorial dos frutos seja hoje mais uma metodologia que permite avaliar a qualidade. Mas a qualidade não pode ser analisada só do ponto de vista do consumidor, pelo que o poder de conservação de um fruto é, também, hoje, uma característica importante que deve ser analisada.

Sendo necessário apostar na diferenciação, na fidelização dos clientes/ consumidores pela qualidade e genuinidade dos produtos procurou-se avaliar alguns parâmetros de qualidade no sentido de contribuir para a diversificação da oferta de peras com a introdução/recuperação de variedades regionais.

Avaliação da qualidade por potenciais consumidores

Das colecções da ex-DRABL (Soure e Coimbra) foram avaliadas 37 variedades de peras.

Num universo de 1200 pessoas (alunos, professores e funcionários) da ESAC constituiu-se um painel de 14 provadores (masculinos e femininos) que, em sessões distintas, e ao longo de três campanhas avaliaram as diferentes variedades. Os elementos do painel deveriam posicionar-se como potenciais consumidores preenchendo uma ficha na qual classificavam os diferentes parâmetros numa escala crescente de 1 a 5 e tinham à disposição 15 frutos de cada variedade (Figura 1) para avaliação do aspecto.

Posteriormente escolhiam um fruto para avaliar as qualidades internas: textura, sabor e aroma. A avaliação global dos frutos foi feita numa escala de 1 a 20.

As variedades avaliadas pelo painel foram submetidas a análises laboratoriais tendo sido utilizados 10 frutos de cada. Os parâmetros avaliados foram: peso (g), diâmetro equatorial (mm), diâmetro longitudinal (mm), índice refractométrico (°Brix), dureza (kg/0,5 cm2) e ácido málico (gL-1).

Das variedades submetidas a provas elegeram-se as que obtiveram avaliação global superior a 13,5 (considerada boa): Santo António (SA), Delícia (De), Rabiça (Ra), Pérola (Pe), Pérola de Leiria (PL), Formiga de Ansião (FA), Marquesinha (Mar), Marmela (Mam), Rocha (Ro), Pão (Pa), Formiga de Coimbra (FC), Amêndoa de Silgueiros (AS) e Bagim dos Covões (BaCv).

Simultaneamente realizou-se um estudo preliminar do poder de conservação das variedades em estudo, tendo os frutos sido conservados em câmara frigorífica de atmosfera normal a uma temperatura entre os 0 e 2ºC e 90% de humidade relativa. Semanalmente eram retirados 10 frutos para avaliar o estado de maturação.

Da análise dos resultados das provas de frutos verificou-se que sete variedades obtiveram valores de avaliação global superiores à Rocha: Santo António, Delícia, Pérola, Pérola de Leiria, Formiga de Ansião, Marmela e Pão (Figura 2).

A variedade Marmela destacou-se das restantes visto que obteve uma avaliação global de 16,2, bem como a melhor classificação para a textura, o aroma e o sabor (Quadro 1).

No que se refere ao aspecto a melhor cotação foi obtida pela variedade Santo António (Quadro 1).

Figura 1. Aspecto dos frutos no início da prova

Figura 2. Avaliação global das variedades eleitas

Quadro 1. Resultados das provas das peras

Aspecto Textura sabor Aroma

A S.António (SA)Delícia (De) Rabiça (Ra) 4,3 3,1 3,4 3,8 4,1 3,8 3,4 4,1 3,3 3,2 3,5 3,3

B Pérola Leiria (PL)Pèrola (Pe) 3,43,1 3,94,0 3,93,9 3,13,7

C

Formiga de Ansião (FA) Marquesinha (Mar) Marmela (Mam) Rocha (Ro) Pão (Pa)

Formiga de Coimbra (FC) Amêndoa de Silgueiros (AS) Baguim dos Covões (BACv)

2,6 4,3 3,9 3,8 3,4 3,7 2,1 3,2 4,1 3,9 4,6 3,9 3,6 3,9 3,7 3,7 4,0 3,4 4,3 4,2 3,4 3,4 3,9 3,8 3,6 3,8 3,9 3,3 3,9 2,9 3,6 3,8 A – Julho 2004 / B – Julho 2005 / C – Setembro 2006

Das análises laboratoriais verificámos (Quadro 2):

a) Peso (g) - O peso das peras variou de pequeno (Baguim dos Covões com 67,8g) a muito grande (Marquesinha com 250,7g).

b) Diâmetro Equatorial e Diâmetro Longitudinal (mm) - A relação entre o diâmetro longitudinal e o diâmetro equatorial foi superior a 1, com excepção da Marquesinha, da Marmela, da Amêndoa de Silgueiros e da Baguim dos Covões. Com base nesta relação e na configuração espacial, segundo a caracterização feita por Natividade (1932), a maior parte das variedades quanto à forma classificam-se como obovadas e oblongas, com excepção das quatro anteriores que são redondas.

c) Dureza (kg/0,5cm2) - A dureza das peras analisadas variou entre 1,5 kg/0,5cm2

(Pérola) e 7,1 kg/0,5cm2 (Santo António).

d) Índice refractométrico (° Brix) - O índice refractométrico em todas as variedades foi superior a 12 e apenas em duas foi inferior a 13: Rabiça e Baguim dos Covões. A Santo António, a Delícia e a Formiga de Ansião registaram valores muito elevados.

e) Acidez (gL–1 de ácido málico) - A acidez variou entre 1,2 gL–1 (Marmela) e 5,6 gL–1

(Santo António).

Quadro 2. Resultados das análises laboratoriais

Peso f equat f long Dureza IR Acidez

A S.António (SA)Delícia (De) Rabiça (Ra) 147,0 110,2 99,0 59,5 55,8 54,8 90,4 59,5 62,2 7,1 4,4 3,0 16,0 15,2 12,5 5,6 2,7 3,2 B Pérola Leiria (PL)Pérola (Pe) 94,387,4 50,550,5 70,967,4 3,31,5 13,814,0 2,11,8

C

Formiga de Ansião (FA) Marquesinha (Mar) Marmela (Mam) Rocha (Ro) Pão (Pa)

Formiga de Coimbra (FC) Amêndoa de Silgueiros (AS) Baguim dos Covões (BACv)

185,7 250,7 246,4 144,1 171,5 174,1 91,3 67,8 74,3 78,8 82,7 63,6 76,7 64,3 56,6 50,5 80,9 67,9 74,8 78,7 82,9 73,0 55,5 49,7 4,4 3,8 3,5 4,3 3,3 6,1 4,5 5,4 15,5 14,3 13,1 14,8 14,8 13,7 14,5 12,7 3,2 5,0 1,2 1,8 2,7 2,7 2,2 3,3 A – Julho 2004 / B – Julho 2005 / C – Setembro 2006

Da análise do poder de conservação entre a variedade Marmela, que se mostrou com grande aceitação pelos potenciais consumidores e a Rocha, tão consumida entre nós, verificámos que a Marmela teve um comportamento semelhante à Rocha (Figura 3).

Figura 3. Comportamento das variedades Marmela e Rocha em pós-colheita

Os frutos apresentaram o peso mais ou menos constante, mantendo-se firmes, registaram ligeiros acréscimos de IR e ligeiros decréscimos de acidez o que parece indicar que quando conservada a temperaturas baixas os processos metabólicos são inibidos tornando o amadurecimento mais lento.

Considerações finais

Descodificar o gosto dos consumidores parece-nos ser tarefa árdua, pois nem sempre se encontra relação entre as preferências e os resultados analíticos.

Duma maneira geral os potenciais consumidores preferiram peras com peso superior a 100g. Mas, para o aspecto não contribui só o peso e a forma dos frutos, visto que algumas variedades eram semelhantes nestes parâmetros e apresentaram resultados diferentes. A cor, as pontuações e a dispersão da carepa poderão também pesar na apreciação.

No que se refere ao sabor as preferências recaíram nos frutos com teores de ácido málico inferiores a 3gL-1..Quanto à doçura não encontramos relação com o IR, mas um

fruto com uma relação açúcar/ácido elevada parece ser o preferido, como foi o caso da variedade Marmela.

Relativamente à textura não encontrámos nenhuma relação directa com a dureza, ao contrário do que já tínhamos observado em anteriores trabalhos, quando estudámos as variedades precoces (Franco et al., 2005). A Marmela obteve a melhor cotação com uma dureza de 3,52kg/0,5cm2, pelo contrário, a Pão foi a pior classificada com

3,30kg/0,5cm2 de dureza. Outros factores como a presença ou ausência de granitado,

ser ou não fundente poderão influenciar os provadores.

Quanto ao aroma Borges (1999) refere-se à pêra Marmela como muito perfumada, característica que pensamos que influenciou a boa cotação desta variedade no que se refere a este parâmetro.

Nas circunstâncias em que a Marmela foi avaliada (colheita de Setembro de 2006) mostrou-se como sendo uma variedade promissora, pelo que, analisámos o seu comportamento em conservação e, também, aqui se mostrou interessante, pois evidenciou processos metabólicos não muito acelerados que conduzem a maturações mais lentas.

Reconhecer as peras da variedade Marmela parece, pois, importante (Figura 4):

Figura 4. Aspecto da pêra da variedade Marmela

Fruto grande, de cor verde ligeiramente matizado raiado de vermelho na face voltada para o sol, de forma arredondada e com sépalas divergentes. Frequentemente sem carepa mas quando presente manifesta-se apenas na base ou na fossa apical, e apresenta pontuações evidentes. Têm pedúnculo curto, carnudo na base e rígido.

Pelo trabalho realizado ao longo destes três anos constatámos que existem variedades portuguesas, ou tidas como tal, que se apresentam como potenciais agentes de diversificação do mercado das frutas.

Do nosso ponto de vista, em futuros trabalhos, deverão ser estudadas as variedades mais promissoras sob os diferentes parâmetros da qualidade, tendo em vista a sua introdução nos hábitos alimentares dos portugueses.

Agradecimentos

Aos Auxiliares Agrícolas da DRAPC que colaboraram na manutenção das colecções de macieiras e pereiras.

Fátima Duarte - Auxiliar Técnica do Laboratório do Departamento de Fitotecnia da ESAC. Isabel Nogueira e Miriam Lopes - Estagiárias que desenvolveram Trabalhos de Fim de Curso no âmbito do Projecto Agro 740.

Referências bibliográficas

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Borges, P. A. T. C. (1999), Pesquisa Bibliográfica sobre Variedades Regionais de Pomóideas. U.T.A.D. Vila Real.

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Gil, M. I. (2003), Calidad y seguridad de produtos vegetales. Maturación y Post-recolección de Frutas y Hortalizas. Biblioteca de Ciências. CSIC. Madrid. 195-2001.

Franco, J., Melo, F., Guilherme, R., Neves, N., Curado, F. (2005), A apetência dos consumidores portugueses por Peras regionais precoces. Actas do V Congresso Ibérico de Ciências Hortícolas; IV Congresso Iberoamericano de Ciências Hortícolas, vol. 2, 137-143.

G.P.P.A.A. (Gabinete de Planeamento e Política Agro-Alimentar). (2005), Anuário hortofrutícola 2004/2005. Instituto regulador dos Mercados Agrícolas e de Indústria Agro-Alimentar. Lisboa. 28-29.

Lespinasse, N., Scandella, D., Vaysse, P., Navez, B. (2002), Mémento évaluation sensorielle des fruits et légumes frais. Ctifl (Centre Technique Interprofessionnel des Fruits et Légumes). Paris.

M.A.D.R.P. (Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas). (2000), Fruta e Produtos Hortícolas, Produção, Comercialização e Qualidade. Lisboa.

Natividade, V. (1932), Métodos de caracterização das variedades de peras portuguesas ou tidas como tais. 2º Congresso Nacional de Pomologia. Realizado em Alcobaça em Setembro de 1926. Tese IV. Ministério da Agricultura. Alcobaça.

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