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2.6 Combate à seca versus convivência com o semiárido

2.6.1 O combate à seca

Durante décadas, surgiram inúmeras ações de políticas públicas sociais com o intuito de corrigir distorções conjunturais, em decorrência ao fenômeno das secas, porém, nenhuma delas alcançou resultados permanentes (PASSADOR e PASSADOR, 2010).

A intervenção do Poder Público no Nordeste sempre ocorreu por meio de ações de natureza centralizadora e reducionista, se concretizando a partir da criação de órgãos nacionais direcionados ao combate à seca, “os quais se transformavam em objeto de disputas políticas entre os diversos segmentos da elite rural” (PASSADOR e PASSADOR, 2010, p. 70). Além do mais, as políticas públicas para

essa região se restringiam a obras de infraestrutura hídrica, bem como ações emergenciais, assistencialistas e dispersas (ROCHA NETO, 1999).

A ação desenvolvida por tais organizações do Estado se pautava apenas na construção de grandes açudes públicos, viabilizando a perenização de grandes extensões de rios, principalmente a “construção de milhares de pequenos e médios açudes dentro de propriedades privadas”, visando assegurar água para a produção agropecuária e o funcionamento de agroindústrias (PASSADOR e PASSADOR, 2010).

Surgiram inúmeros órgãos e programas para resolver os problemas relacionados aos fenômenos da seca e da inundação, eleitos como as grandes mazelas do Nordeste. Dentre estes, como principais ações do Estado, destacam-se a Inspetoria de Obras Contra a Seca (IOCS) e a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SANTOS 1988).

As iniciativas primárias apareceram com o propósito de oferecer água ao ambiente semiárido, criando-se nesse contexto pelo (Decreto n° 7.619, de 21 de outubro de 1909), a Inspetoria de Obras Conta a Seca, atualmente conhecida como Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS), com o propósito de centralizar e unificar a direção dos serviços, “visando à execução de um plano de combate aos efeitos das irregularidades climáticas” (PASSADOR e PASSADOR, 2010, p.70-71).

Os autores acima apresentam três períodos das políticas públicas de combate à seca. O primeiro período data do ano de 1877 até os anos 40 do século XX, no qual o Estado atuava por meio de “medidas de salvação, isto é, distribuindo alimentos entre os retirantes que chegavam às capitais, além de esmolas aos que permaneciam no interior”. No segundo período (1950-1970), o interesse da política anti-seca centrava-se no aproveitamento racional dos recursos hídricos e não mais nas obras de açudagem. Nesse período, o governo federal criou a Comissão do Vale do São Francisco (CVSF) em 1948 (IPEA, 1990; PASSADOR e PASSADOR, 2010), o Banco do Nordeste do Brasil em 1952 e a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), em 1959 (SANTOS, 1986). O terceiro período, iniciado a partir de 1970, foi definido pelo estabelecimento de vários

programas, por exemplo, Proterra (1971), Provale (1972), Polonordeste (1974), Projeto Sertanejo (1976) e Prohidro (1979).

Em 1956, o governo federal, estabeleceu o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), cuja relevância teve como base a identificação das discrepâncias regionais. Conforme o GTDN, medidas amplas e maiores investimentos para o desenvolvimento da região foram necessárias. Essa fase foi nomeada desenvolvimento planejado, quando as políticas anti-seca buscaram se fundamentar em análises mais cautelosas da realidade (PASSADOR e PASSADOR, 2010).

A Sudene instituída no governo de Juscelino Kubitschek (1959) tentando solucionar os problemas das secas no Nordeste, tinha como propósito a industrialização e a superação dos problemas agrícolas, além da colonização das terras despovoadas no Maranhão e no Oeste da Bahia, utilizando melhor as bacias hidrográficas e os açudes do Nordeste para irrigação (MALVEZZI, 2007).

Cita-se, também, a Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF) criada em 1945 com o objetivo pleno de aproveitar as águas do rio São Francisco para geração de energia. A CHESF gerou transtornos em razão das construções de barragens ocuparem muitos terrenos e ter que transferir quatro cidades, sem mencionar os impactos promovidos ao meio ambiente (MALVEZZI, 2007).

Para Passador e Passador (2010), essas políticas públicas no semiárido nordestino, dentre outras, se demonstraram incompletas e fragmentadas, visto que com a mudança de governo os projetos do governo anterior eram interrompidos ou alterados. Além do mais, Silva (2003) enfatiza que independente da situação em que as famílias do semiárido encontravam, as intervenções do Estado se destinavam mais para atender os interesses políticos dos coronéis, nas perdas dos rebanhos e nas suas riquezas do que as necessidades destas famílias na seca. Sendo assim, as oligarquias se beneficiavam com a seca, fazendo deste fenômeno climático um grande negócio que foi denominado como “indústria da seca”.

Na perspectiva do paradigma combate à seca, o semiárido é entendido segundo uma óptica utilitarista de ocupação e de aproveitamento de seus recursos,

convertendo-os em riquezas. Os empreendimentos do Estado seguem esse fundamento. A seca surge como um obstáculo da natureza, algo que deve ser combatido. Por essa razão, a lógica da seca é simplicista e implica na continuidade da miséria. “Funciona como uma estratégia perversa de manutenção e controle de uma região que, a princípio, e com raras exceções, não cabe na lógica do modelo de desenvolvimento que predomina” (SILVA, 2003).

Na década de 1980, eclode outro discurso sobre a realidade regional e os meios sustentáveis para o desenvolvimento do semiárido brasileiro. Organizações não governamentais (ONGs) atuantes nessa região e instituições públicas de pesquisa e extensão, a exemplo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (Embater), desenvolveram propostas e praticaram alternativas fundamentadas no conceito de convivência com a seca e o semiárido (SILVA, 2003).

A Embrapa, em 1982, lançou um documento nomeado convivência do homem com a seca, no qual sugere “a implantação de sistemas de exploração agrícolas” para dar suporte a convivência do homem com esse fenômeno climático (SILVA, 2003).

Em 1999, organizações não governamentais constituíram a Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), no decorrer da realização do Fórum Paralelo da Sociedade Civil à Terceira Conferência das Partes das Nações Unidas de Combate à Desertificação (COP3), ocorrida na capital pernambucana, Recife. Nos dias atuais, conta com mais de 700 organizações atuando no semiárido do Brasil (GOMES, 2012). Durante essa conferência, a ASA divulgou um documento intitulado Declaração do Semiárido afirmando ser concebível a convivência com essa região e, em especial, com as secas. O documento apresenta um conjunto de propostas fundamentadas nos pressupostos da “conservação, uso sustentável e recomposição ambiental, e a quebra do monopólio de acesso a terra, à água e aos outros meios de produção” (SILVA, 2003).

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