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6.1. Considerações iniciais

Vários trabalhos têm mostrado a melhora progressiva do resultado gestacional em pacientes portadoras de hemoglobinopatia S, sobretudo na forma SS, que por ser mais grave é foco de maior interesse (POWARS et al, 1986; KOSHY et al, 1988; KOSHY & BURD, 1991; KOSHY, 1995; SMITH et al, 1996, RAHIMY et al, 2000, SUN et al, 2001).

A melhora observada no prognóstico gestacional e na evolução do portador da doença falciforme como um todo (não-gestante e gestante) teve início após a atitude tomada pelo NHI em 1972, subsidiada pelos resultados gestacionais alarmantes publicados por FORT et al (1971) . Apesar do prognóstico gestacional ter melhorado em gestantes portadoras das formas maiores da hemoglobinopatia S, o período gestacional permanece caracterizado por uma alta taxa de complicações. Atualmente, a discussão a respeito da melhor abordagem nestas complicações recai sobre a transfusão profilática versus transfusão conservadora no sentido de diminuir a morbidade da patologia de base agravada no período gestacional e melhorar o resultado perinatal. Contudo, a terapêutica transfusional profilática permanece como questão controversa. A única unanimidade no que diz respeito ao impacto sobre os resultados gestacionais é um efetivo acompanhamento pré-natal.

O indivíduo com anemia moderada a grave de evolução crônica vive em um estado de frágil equilíbrio, onde algumas mudanças adaptativas se fazem necessárias para manter tal equilíbrio. As principais mudanças são: o desvio da curva de dissociação do oxigênio no sentido de liberar o gás para os tecidos; a hemodiluição que diminui a viscosidade sangüínea e, consequentemente, melhora a perfusão tecidual no nível capilar; o aumento do rendimento cardíaco, muitas vezes, em decorrência da diminuição da pós-carga e do aumento do volume diastólico final e, menos vezes, em decorrência do aumento da freqüência cardíaca. Há descrito (VARAT et al, 1972) que,

sob condições de repouso, o indivíduo suportaria bem níveis de hemoglobina iguais ou superiores a 7 g/dL, contudo, aos esforços, o nível exigido subiria para 10 g/dL ou mais (GRAETTINGER et al, 1963).

O indivíduo portador de hemoglobinopatia S, sobretudo a forma SS, faz todas as adaptações descritas acima, contudo, não as faz sem alguns empecilhos e/ou custos a longo prazo. Os empecilhos são, principalmente, a presença da hipostenúria quase constante, dificultando a retenção de fluido e favorecendo à desidratação; a auto-esplenectomia ou esplenomegalia, a primeira favorecendo às infecções e, consequentemente, à hipóxia e acidose, a segunda agravando a anemia agudamente e rompendo o tênue equilíbrio cardiovascular. A longo prazo, o persistente aumento do trabalho cardíaco promove comumente a hipertrofia e, às vezes, a dilatação das câmaras cardíacas resultando, em alguns anos, em quadros de insuficiência do órgão. O processo de falcização pode ser minimizado, no entanto, jamais findado de modo definitivo. Assim, ao longo do processo evolutivo da doença, existem variados graus de comprometimento dos órgãos e sistemas, sobretudo, rins, coração, ossos, pulmão e cérebro. É nesse ambiente que a paciente se torna grávida. Felizmente, as manifestações mais graves ou terminais das hemoglobinopatias SS e SC fogem à faixa etária de interesse reprodutivo e são predominantes nos extremos da vida. Mesmo assim, a gravidez impõe o aumento das demandas metabólicas e, mais uma vez, o equilíbrio homeostático conseguido pode ser quebrado.

6.2. Características das pacientes: início pré-natal

O presente estudo demostrou que em 23 gestações (21 SS e 2 SC) ocorreu outro diagnóstico clínico pré-gestacional, além da doença de base (TABELA 8), presente no momento do início pré-natal. Este diagnóstico foi mais freqüente em gestantes SS, conferindo a este genótipo maior gravidade evolutiva em relação ao genótipo SC, comparando-se ambos em gestantes com a mesma faixa etária (TABELAS 6 e 8).

Observou-se, ainda, que a co-morbidade mais freqüentemente diagnosticada foi a insuficiência cardíaca, acompanhada, mais adiante, pelas complicações transfusionais (TABELA 9 e GRÁFICO 1). Assim, além da anemia e falcização, freqüentemente nos deparamos, sobretudo em pacientes com hemoglobinopatia SS, com outra patologia diretamente ou indiretamente associada a doença hematológica e dependendo da sua gravidade, terá até maior repercussão sobre o resultado materno-fetal que a própria hemoglobinopatia.

Na abordagem pré-natal inicial, verificou-se que a prevalência de aloimunização foi de 6,5% nas 46 gestações estudadas, sendo três casos em gestações de pacientes SS e nenhum caso em gestações de pacientes SC (TABELA 9). ROSSE et al (1990) relatam uma taxa geral de aloimunização de origem eritrocitária em pacientes com hemoglobinopatia S igual a 18,6% e afirmaram que esta taxa explicitamente aumenta com o aumento do número de transfusões. Demonstraram que, geralmente, a aloimunização ocorre com menos de 15 transfusões e continua crescendo com as transfusões posteriores. Observaram, também, que as pacientes SC e S- -Tal. possuem taxas de aloimunização menores que as pacientes SS em razão direta a menor taxa transfusional das primeiras. E, além disso, verificaram que as mulheres, especialmente entre 16 e 20 anos, possuem maior taxa de aloimunização que homens na mesma idade e isto pode estar relacionado, em parte, ao período gestacional. Provavelmente, a prevalência menor de diagnóstico de aloimunização obtida no início pré-natal em nossos casos seja reflexo da ausência de uma abordagem propedêutica voltada para este fim.

As demais co-morbidades presentes na primeira consulta de pré-natal tiveram prevalências semelhantes, todas secundariamente relacionadas à doença de base SS. Ocorreram apenas duas intercorrências em pacientes com hemoglobinopatia SC, sendo elas: seqüela de necrose avascular da cabeça do fêmur e/ou úmero e a síndrome de seqüestração esplênica (TABELA 9).

6.3. Pré-natal: complicações intercorrentes secundárias à doença de base

As pacientes SS e SC tiveram número equivalente de consultas pré-natais no SEGAR (TABELA 10). As últimas apresentaram-se à primeira consulta pré-natal em média três semanas mais tardiamente que as primeiras (TABELA 8). A explicação deste fato pode ser vinculada à gravidade da patologia SS e, consequentemente, maior freqüência às consultas hematológicas e diagnósticos mais precoces de gestação.

Como a hemoglobinopatia SS possui aspecto evolutivo mais grave, poder-se-ia esperar, nestas gestantes, maior número de visitas pré-natais em relação às gestantes SC, no entanto, o que se observou foi a ausência de diferença estatística significativa quando analisamos a variável número de consultas pré-natais. A justificativa para esta observação poderia estar no término da gravidez mais precoce, 36 semanas em média nas portadoras SS, em contraste às gestações de portadoras SC, onde o término da gravidez ocorreu com 38,7 semanas em média (TABELA 20). Entretanto, é principalmente no final do terceiro trimestre que as consultas são mais frequentes, portanto, o “prolongamento” das gestações em portadoras de hemoglobinopatia SC fez praticamente igualar o número de visitas pré-natais entre os dois grupos.

Durante o acompanhamento pré-natal, observou-se que 82,4% das gestações de pacientes com hemoglobinopatia SS e 75% das gestações de pacientes com hemoglobinopatia SC apresentaram intercorrências relacionadas à doença de base (TABELA 10). Entre estas intercorrências, o diagnóstico mais freqüentemente realizado foi o das crises vaso-oclusivas (pelo menos um episódio), ocorrendo em 70,6% das gestações de portadoras da forma SS e em 58,3% em gestações de portadoras da forma SC (TABELA 12). A maioria desses episódios foram de intensidade leve a moderada, revertendo com a hidratação, oxigenoterapia e uso de analgésicos.

RAHIMY et al (2000), durante o acompanhamento de 108 gestantes com hemoglobinopatia S (42 SS e 66 SC) provenientes de Benin, observaram 57% e 53% de freqüência dos episódios de

crises vaso-oclusivas em gestantes SS e SC, respectivamente. Descreveram os episódios como leves, revertendo, em sua maioria, com o uso de paracetamol e ácido acetilsalicílico.

Possivelmente a maior incidência de complicações relacionadas à doença de base, sobretudo das crises de vaso-oclusão, encontrada no nosso estudo esteja relacionada ao início pré-natal mais precoce, portanto, maiores foram as chances para o diagnóstico em comparação aos casos acompanhados por RAHIMY et al (2000), estes seguiram suas pacientes a partir de 28 semanas de gestação. Os resultados obtidos por estes autores poderiam refletir doença de menor gravidade. Contudo, é importante ressaltar que, apesar de teoricamente os haplótipos encontrados em Benin expressarem doença de gravidade leve, a relação gravidade da doença e o tipo de haplótipo encontrado é controversa para alguns; além disso, nos casos estudados por MOHAMED et al (2000), observou-se frequentemente a coexistência da malária complicando as gestações.

KOSHY et al (1988) comparando 36 gestantes com hemoglobinopatia SS sob regime de transfusão profilática a 153 gestantes portadoras das hemoglobinopatias SS, SC e S- -Tal, sob regime de transfusão conservador, observaram as freqüências de crises vaso-oclusivas iguais a 14% e 50% em um e outro grupo. Com estes resultados, constataram que a transfusão profilática reduz significativamente a incidência de crises vaso-oclusivas na gravidez.

No presente estudo, foi impossível relacionar as transfusões profiláticas e a morbidade materna durante o pré-natal, tendo em vista a heterogeneidade das indicações transfusionais. A freqüência dos eventos agudos da doença falciforme na gravidez está condicionada ao passado evolutivo da doença e à chegada ao terceiro trimestre. A gestação em toda sua evolução, de modo geral, exacerba as manifestações clínicas da doença falciforme, uma vez que aumenta as demandas metabólicas, promove a estase vascular e aumenta a coagulabilidade e, além disso, altera anatômica e funcionalmente tanto as vias urinárias quanto as vias respiratórias, agravando ainda mais a susceptibilidade às infecções nestes locais. RUST & PERRY (1995) descreveram

que os sinais e sintomas da crise falciforme são secundários à hemólise, à vaso-oclusão e ao aumento da susceptibilidade às infecções e os principais fatores precipitantes são infecção, acidose, desidratação e hipertensão.

A segunda intercorrência diretamente relacionada à doença de base mais freqüentemente diagnosticada no acompanhamento pré-natal foi as infecções e, dentre elas, destaque para as infecções do trato urinário. Observou-se que em 58,8% das gestações de portadoras SS e em 33,3% das gestações em portadoras SC apresentaram intercorrências infecciosas durante o acompanhamento pré-natal (TABELA 12). Somente a infecção do trato urinário durante o pré- natal, excluindo os casos de bacteriúria assintomática, complicou 29,4% e 33,3% das gestações em pacientes SS e SC, respectivamente (TABELA 12).

A incidência aumentada de episódios de infecção urinária justificaria o rastreamento compulsório desta infecção durante o pré-natal. O rastreamento poderia ser realizado, no mínimo, a cada três meses, disponibilizando-se, também, tratamento e “controle de cura” para todos os casos de bacteriúria assintomática.

RAHIMY et al (2000) identificaram 16,7% e 25% de infecção do trato urinário complicando as gestações de pacientes SS e SC. O patógeno mais freqüentemente envolvido foi a Escherichia coli. No mesmo trabalho, os autores identificaram dois casos de complicações pulmonares de etiologia infecciosa com uma das pacientes apresentando também quadro de síndrome torácica aguda grave.

As outras complicações infecciosas identificadas no presente estudo foram todas observadas em pacientes portadoras de hemoglobinopatia SS, sendo quatro casos de pneumonia e um caso de osteomielite.

Seguindo-se às crises de vaso-oclusão e às infecções, a terceira maior intercorrência gestacional ligada à doença de base foi a crise hemolítica (TABELA 12). Observou-se a ocorrência de seis casos (5 SS e 1 SC). Dentre as pacientes que apresentaram crises hemolíticas,

três demonstraram aloimunização por anticorpos do grupo D e/ou irregulares e duas com aloimunização apresentaram anemia grave (Hb < 6 g/dl). Os outros casos de crise hemolítica tiveram etiologia auto-imune ou indeterminada.

É importante ressaltar que em duas gestações que apresentavam diagnóstico de aloimunização já o possuíam previamente e o que se observou durante o pré-natal foi a identificação de outros anticorpos anteriormente inexistentes.

Só foi indicado a reavaliação por “painel de hemácias” naquelas pacientes que apresentavam quadro de hemólise moderado a grave. Portando, não foi possível precisar com exatidão a percentagem de pacientes aloimunizadas durante o pré-natal envolvidas no estudo, tanto para as formas SS quanto SC.

KOSHY et al (1988) observaram 29% de aloimunização em 36 gestantes SS submetidas a regime de transfusão profilática durante o pré-natal e 21% de aloimunnização em 153 gestantes portadoras das hemoglobinopatias SS, SC e S- -Tal submetidas a regime de transfusão conservador. Não excluíram aloimunização pré-gestacional nestes percentuais, uma vez que as prevalências de aloimunização em ambos os grupos foram determinadas no momento da “prova- cruzada” realizada imediatamente antes da transfusão.

Estabelecermos um protocolo onde todas as gestantes pudessem ser testadas quanto a presença de anticorpos eritrocitários no início pré-natal e no período pós-natal, seria de suma importância para quantificarmos o impacto das transfusões durante o período gestacional e, nesse sentido, adotar uma política transfusional mais consciente pesando riscos e benefícios. Um estudo abordando tal situação poderia ser, inclusive, pioneiro na literatura mundial.

As outras intercorrências observadas diretamente relacionadas à doença de base foram: três casos de colestase e três casos de acometimento pulmonar não-infeccioso, sendo dois casos de tromboembolia pulmonar e um caso de síndrome torácica aguda, todos ocorridos em gestantes SS.

Já em pacientes com a hemoglobinopatia SC, observou-se mais duas intercorrências, além de um caso de crise hemolítica, sendo elas: seqüestração esplênica e anemia grave (TABELA 12).

6.4. Pré-natal: intercorrênias obstétricas

Entre as intercorrências obstétricas, a mais freqüente em ambos os grupos de gestantes foi a doença hipertensiva específica da gravidez, acometendo 23,5% (n=8) das gestantes SS e 16,7% (n=2) das gestantes SC (TABELA 13).

Uma particularidade de pacientes portadoras de hemoglobina S, segundo KOSHY & BURD (1991), é que elas possuem níveis de pressão arterial menores que controles normais comparadas para a mesma faixa etária (90x50 mmHg versus 110x70 mmHg), portanto, podem apresentar quadros de pré-eclâmpsia até mesmo graves, com níveis de pressão dentro do considerado normal ou discretamente aumentado, sobretudo, se o início do pré-natal for tardio e o nível de pressão pré-gestacional desconhecido. Níveis de pressão arterial iguais ou superiores a 125x75 mmHg encontrados após 36 semanas podem estar relacionados com aumento da morbidade materno-fetal.

Praticamente todos os trabalhos, tanto anteriores a 1972 quanto posteriores a esta data, atentam para a maior incidência de pré-eclâmpsia nas gestantes portadoras de hemoglobinopatia S. POWARS et al (1986), em uma extensa revisão de todos os estudos publicados de 1941 até 1986, observaram os percentuais de ocorrência de DHEG iguais a 10,9% para portadores de hemoglobinopatia SS e 15,9% para portadores de hemoglobinopatia SC. KOSHY et al (1988), encontraram 14 a 22% de incidência de DHEG em gestantes SS, 9% em gestantes SC e 4% em gestantes AA.

Nos casos de DHEG, encontrados nesta dissertação, não se levou em conta a gravidade da doença, contudo, quando excluímos os casos leves, encontramos as seguintes incidências 20,6% (n=7) em gestações de portadoras SS e 8,3% (n=1) em portadoras SC. Em cada um destes grupos

ocorreu um caso de eclâmpsia. Como pode ser observado, esses resultados são semelhantes aos encontrados por KOSHY et al (1988) no que diz respeito as incidências em pacientes SS e SC. Já a incidência de DHEG relatada em gestantes AA é menor do que a encontrada no Brasil (cerca 10%), a justificativa para tal diferença poderia estar relacionada à forma de classificação da doença. Segundo os manuais técnicos editados pelo Ministério da Saúde, no Brasil, a proteinúria pode faltar no diagnóstico de DHEG.

A segunda intercorrência obstétrica mais freqüente foi a presença da restrição do crescimento intra-uterino (CIUR), acometendo 20,6% de todas as gestações em pacientes portadores de hemoglobinopatia SS (TABELA 13).

A presença do dano microvascular placentário, secundário à fisiopatologia da doença de base, parece exercer papel importante e condicionante para o surgimento do CIUR em pacientes portadoras de hemoglobinopatia SS. Contudo, estabelecer com precisão até que ponto a doença de base e as co-morbidades (freqüentemente diagnosticadas nestas pacientes) estão envolvidas na etiopatogênese do CIUR é tarefa difícil.

Seguiu-se ao CIUR as seguintes intercorrências: o trabalho de parto pré-termo e/ou rotura prematura pré-termo de membranas, a oligoidramnia, a aloimunização materno-fetal, ocorrendo na freqüência de três casos cada uma; o decesso fetal, o abortamento, a placenta prévia e o diabetes gestacional ocorreram na freqüência de um caso cada em gestações de portadoras de hemoglobinopatia SS. As pacientes com hemoglobinopatia SC apresentaram apenas mais uma intercorrência obstétrica, além dos casos de DHEG citados acima, essa intercorrência foi um caso de trabalho de parto pré-termo.

A literatura pesquisada concorda com todos os achados das intercorrências obstétricas descritas acima. SUN et al (2001), revisaram todos os casos de hemoglobinopatia SS e SC ocorridos nos 20 anos anteriores no Grady Memorial Hospital em Atlanta e compararam os resultados obtidos a gestantes normais acompanhadas na mesma época e encontraram os riscos

relativos para CIUR de 4,9 e 2,2 vezes maior em gestações SS e SC quando comparadas às gestações normais. As incidências de TP/RPPM e de decesso fetal foram aumentadas em gestações de portadoras do genótipo SS em relação às incidências encontradas em gestantes SC e AA.

Nesta dissertação, foi demonstrado que as gestações de pacientes SS possuem maiores chances de serem comprometidas por complicações obstétricas em relação às gestações de pacientes SC (TABELA 10).

Contudo, quando se compara novamente os dois grupos, mas se exclui as pacientes com outros diagnósticos clínicos além da doença de base, obtém-se a chance de apenas 1,5 vezes maior para complicações obstétricas no grupo SS, com intervalo de confiança contemplando a unidade e, assim, a diferença não possui significação estatística (TABELA 11). Daí, poderia se concluir que a presença da co-morbidade em gestantes com o genótipo SS é fator condicionante para o aumento da chance de ocorrência de complicações obstétricas em relação ao genótipo SC.

6.5. Perfil hematológico e transfusões

O perfil hematológico das pacientes portadoras da hemoglobinopatia S foi estudado em termos de hemoglobina basal, hemoglobinas e hematócritos de início pré-natal e médios durante o pré-natal, além dos valores de hemoglobina fetal. Todos os valores hematimétricos das pacientes portadoras de hemoglobinopatia SS foram inferiores aos das pacientes portadoras de hemoglobinopatia SC. Apenas os níveis de hemoglobina fetal (Hb F) foram maiores no grupo das SS, conforme seria o esperado (TABELA 14).

Alguns trabalhos vinculam a gravidade da expressão fenotípica da hemoglobinopatia SS a presença de maior ou menor percentagem de hemoglobina fetal. O maior percentual de Hb F protegeria relativamente o seu portador contra a falcização e este indivíduo teria o quadro clínico

mais brando. O percentual de Hb F em pacientes de genótipo SS varia de 3 a 20% segundo RUST & PERRY (1995). PERKINS (1971) descreveu tal percentual geralmente inferior a 14%, contudo, considerando anormal se inferior a 3%. O que pôde ser percebido, na avaliação dos relatos em prontuários nos casos revisados, foram níveis de hemoglobina fetal na sua grande maioria girando em torno de 7%, poucos valores em torno de 13% e o valor máximo encontrado foi de 16%. Assim, a média de Hb F encontrada conforme exposto na TABELA 14 foi igual a 7,9 ± 4,4 %. Talvez, este valor reflita a herança gênica da hemoglobina S do tipo Banto, tipo mais comum encontrado no Brasil. Os valores encontrados para as portadoras de hemoglobinopatia SC em relação aos percentuais de Hb F foram praticamente constantes, nunca inferiores a 2% e nem superiores a 3%.

Os níveis de hemoglobina basal foram obtidos a partir dos relatórios de encaminhamento para o SEGAR realizados pelos hematologistas assistentes ou através de valores de hemoglobina quando a paciente apresentava apenas HbS e Hb F ou HbS e HbC no resultado da eletroforese. Assim, os valores basais encontrados para os genótipos SS e SC foram 7,8 ± 1,05 g/dL e 10,3 ± 0,9 g/dL, respectivamente.

Os valores de hemoglobina e hematócrito observados durante o pré-natal foram de 8,5 ± 1,1 g/dL e 24,8 ± 3,7% para gestantes SS e 10,0 ± 1,1 g/dL e 29,5 ± 3,8 % para gestantes SC.

Na observação da TABELA 14, percebe-se que há um aumento dos níveis hematimétricos nas pacientes SS durante o pré-natal e que a avaliação dos mesmos níveis para a categoria de pacientes SC não se observa tal diferença. Esta observação parece refletir o percentual aumentado de transfusões durante o pré-natal no primeiro grupo.

Mesmo no período pré-gestacional a maior proporção de transfusões em pacientes SS pode ser sugerida. O valor de hemoglobina média de início pré-natal é discretamente superior ao valor de hemoglobina basal nas gestantes SS, quando o que se poderia esperar seria uma redução destes níveis, uma vez que a idade gestacional média de início pré-natal coincidiu com o

segundo trimestre, época onde se observa queda dos níveis hematimétricos em gestantes conseqüente à expansão plasmática. Este achado em pacientes SS comprova, como foi visto em

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