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3 OS MEIOS DA GESTÃO DA ZONA ECONÔMICA EXCLUSIVA

3.3 COMENTÁRIOS AOS ESTUDOS DE CASO

A principal lição dos estudos de caso é a demonstração de que o modelo de guarda- costeira altamente militarizada, concorrente à marinha, não é a única organização possível dos meios para a gestão da segurança das ZEE. Muito antes pelo contrário, o caso japonês demonstra que guardas-costeiras altamente centralizadas, independentes e militarizadas servem a propósitos bastante específicos, isto é, auxiliar a marinha em questões de Defesa e competição interestatal. Como a guarda-costeira alcança um tamanho tão portentoso, quase inescapavelmente ela absorve as demais missões. China, Vietnã e Índia são outros países que enfrentam essa situação e suas guardas-costeiras estão progressivamente, em maior ou menor velocidade, tomando o mesmo rumo dos Estados Unidos e do Japão.

Contrapõe-se esse modelo com os exemplos do Canadá e da Noruega. O primeiro tem uma força independente, porém pouco militarizada e centralizada, indicando que a ausência de competição interestatal “libera” a marinha para a realização de missões no âmbito da Segurança Marítima. A baixa quantidade de OPVs da Guarda-Costeira Canadense atesta o fato de que fragatas e outros navios da marinha canadense têm na segurança marítima uma importante missão. Entretanto, a existência da GCC já retira da marinha responsabilidades maiores relacionadas a aspectos de prevenção e resposta a acidentes. Além disso, a marinha atua na ZEE porque a RCMP não chega a ser uma guarda-costeira paralela à primeira, visto que não possui meios suficientemente robustos para cobrir a extensão da ZEE. Como problema da gestão canadense sublinha-se a baixa capacitação da marinha com o Ártico; mesmo que a organização esteja buscando navios para patrulhar a região, é a GCC que rotineiramente está presente para missões unicamente civis, e isso transparece um problema sério em relação à incapacidade do país de prover sua segurança no gelo.

A Noruega tem uma força militarizada, e, conforme explorado, a proximidade com a Rússia e as missões de defesa da soberania levam a tal feito; entretanto, a natureza das disputas, em geral, versam sobre exploração de recursos pesqueiros e a ocupação do espaço marítimo da ZEE, e isso torna mais coerente a opção por uma guarda-costeira do que deixar a cargo da marinha a resolução das disputas. A subordinação daquela a esta se deve ao processo político e às articulações da burocracia norueguesa e fornece à Kystvakt um suporte político para o aparelhamento da força que, de outra forma, dificilmente se repetiria dado o dilema de alocação de recursos que permearia a composição das forças. A Noruega é um bom exemplo de adaptação à nova realidade do direito internacional do mar já que a formação de sua Kystvakt data de 1977, período em a política internacional tratava de negociar as novas condições jurídicas dos oceanos. O país soube, em suas limitações, construir uma força capaz de agir conforme sua realidade geográfica e política.

Cingapura é um caso particular porque o tamanho pequeno de suas águas jurisdicionais faz com que uma força vinculada a uma entidade policial já se torne suficiente para o cumprimento das missões policiais. Em relação às ameaças que enfrenta, a Guarda- Costeira Policial de Cingapura tem a estrutura organizacional e pessoal adequada para lidar com imigrações ilegais, contrabandos, terrorismo e, em menor escala, pirataria. Sua posição como canal de comunicação geográfico, um potencial alvo de terroristas, e o fluxo de imigração oriundo dos países vizinhos justificam a preocupação maior com a proteção de suas fronteiras. Isso permite à marinha nacional se concentrar no objetivo de contribuir para a

segurança marítima das cadeias globais de valor em consonância com seus aliados. Mesmo assim, a marinha não deixa de desempenhar papel relevante na segurança da ZEE, tarefa que tem se institucionalizado, e isso pode ser explicado justamente pelo intento de contribuir para interdições marítimas a nível sistêmico, que se reproduzem nas águas cingapurianas.

Já a Austrália demonstra que tem progressos a fazer, uma vez que sua agência civil ainda tem limitações na proteção dos recursos marítimos – a questão marítima mais importante ao país em conjunto com a contenção da imigração ilegal – necessitando do apoio da marinha. A bem da verdade, a centralização civil de questões de fronteira em torno da ABF incrementou a capacidade de resposta e a coordenação entre ela e a marinha evita a sobreposição de tarefas para a concretização das missões. Ademais, a distância que os navios australianos precisam sustentar para cumprir as missões de proteção dos recursos marítimos justifica o envolvimento de navios de maior porte, mas isso inevitavelmente impacta no dilema de alocação de recursos e prioridade de objetivos: uma marinha policial ou uma marinha com capacidades para contribuir na segurança marítima sistêmica e em um eventual conflito com a China.

Como o Gráfico 6, abaixo, demonstra, a salvaguarda marítima é a única missão que todas as forças de segurança marítima realizam. Isso é explicado porque, sendo a missão menos militarizada do conjunto, é a mais propensa a ser cedida pela marinha a uma agência auxiliar. Entretanto, também é verdade que apenas Canadá e Japão apresentam um alto nível de centralização da salvaguarda em suas guardas-costeiras. Os demais países delegam a resposta a acidentes à sua marinha ou à guarda-costeira, enquanto os aspectos de gestão do trânsito marítimo (prevenção de acidentes) são deixados com órgãos administrativos (Autoridade Australiana de Salvaguarda Marítima, na Austrália, Autoridade Marítima Norueguesa, na Noruega, e Autoridade Marítima e Portuária, em Cingapura). As missões de Proteção de recursos, Proteção de fronteiras e Segurança da navegação, que envolvem operações de interdição marítima, apresentam ocorrência bastante variável nos casos, e isso se deve ao fato de que tais missões dependem profundamente de particularidades históricas, políticas e geográficas de cada nação. Note-se a importância da Proteção dos recursos para a segurança da ZEE. Apenas Cingapura, com uma área marítima muito pequena, não atribui valor significativo para a missão e uma das razões que tornam a força policial suficiente; mesmo a Guarda-Costeira Canadense, que, por seu caráter, seria a menos propensa a se envolver nessas atividades, é urgida a participar. Isso vai ao encontro do sentido político e jurídico da CNUDM em fortalecer os direitos das nações costeiras em explorar os recursos

provenientes do mar. As missões podem ser mais bem observadas em conjunto, abaixo, no Gráfico 6 com o intuito de relacionar cada força com sua realidade operacional.

Gráfico 5 - Compêndio dos casos selecionados e suas missões

Fonte: elaboração do autor.

0 1 2 3 4 5 Salvaguarda marítima Proteção de fronteiras Proteção de recursos Segurança da navegação Auxílio à Defesa

Missões das Forças de Segurança Marítima –

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