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Comentario a las narrativas de Molina, Lucas y Tenorio (1): Representações acerca da profissão docente

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5. Ser profesor

5.4. Comentario a las narrativas de Molina, Lucas y Tenorio (1): Representações acerca da profissão docente

Maria do Céu Roldão

Universidade Católica Portuguesa (Portugal)

A forma narrativa constitui um veículo privilegiado de comunicação e expressão identitária que se pode identificar, no plano cultural,

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em praticamente todos os tempos e contextos, e cuja valia investigativa tem sido apropriada e reutilizada na investigação social de matriz interpretativa-qualitativa, e muito particularmente na investigação educacional, em que as “narrativas de vida” (Nóvoa, 1995) assumiram um lugar muito central a partir da década de 1990. Numa ótica mais alargada as narrativas têm vindo a constituir-se como elementos valiosos de processos de investigação/formação sustentados em dinâmicas analíticas e em processos interpretativos reflexivos sobre áreas diversas da educação, tais como o desenvolvimento profissional docente. Este texto constitui assim mais uma peça analítica de um rico e mais vasto processo investigativo/formativo centrado em narrativas de professores, desenvolvido no âmbito de um curso de pós-graduação, sob responsabilidade do Prof. Pedro Rocha dos Reis, da Universidade de Lisboa, e da Prof.ª Nuria Climent da Universidade de Huelva. A partir das três narrativas que me foram propostas e das reflexões que as acompanham, procurei assim situar e interpretar as evidências que transportam acerca da compreensão e representação destes sujeitos acerca do “seu” modo de serem professores/as e de verem a substância desse ser profissional.

Qual a mais valia da forma narrativa?

Olhar para o seu significado num conjunto de narrativas como as que constituem o objeto deste texto implica uma breve reflexão prévia acerca do “porquê” da valia cultural, simbólica e comunicacional da narrativa, para se tornar mais claro o seu lugar como instrumento de investigação e também de formação e desenvolvimento profissional – no caso desenvolvimento profissional docente.

Diversos autores se têm debruçado sobre este fenómeno, entre os quais Lévi-Strauss (1966) e Egan (1994), sublinhando o facto de a forma narrativa se poder considerar um dos raros “universais culturais” que atravessa praticamente todas as culturas e todas as épocas, embora assumindo formas muito diversas. A preponderância do elemento narrativo é particularmente visível nas culturas orais, onde os contadores de histórias assumiam um papel social fundamental na sedimentação dos referentes culturais e na iniciação dos mais jovens aos conhecimentos, valores e práticas da comunidade.

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O valor comunicativo da narrativa sobreviveu, contudo, às sociedades de cultura oral, permanecendo um veículo privilegiado de comunicação e construção de significados múltiplos em todas as sociedades pós-escrita até aos nossos dias. A sofisticação formal da comunicação trouxe naturalmente novas dimensões ao valor comunicativo da narrativa, tal como ela hoje se apresenta nos domínios da literatura infantil, da novelística em geral e ainda do teatro ou do cinema, sem esquecer a sua sobrevivência ou reforço no domínio da comunicação digital e das redes informáticas dos nossos dias, ou ainda a sua utilização em vários domínios da investigação do real social, nomeadamente no campo educacional. Faz sentido lembrar, a este propósito, que precisamente graças ao seu poder comunicativo e sugestivo, as narrativas, a diversos níveis, têm sido privilegiadas como veículos de doutrinação e manipulação ideológica, particularmente em contextos educativos e curriculares, no sentido de assinalar que a nossa reflexão se situa numa perspectiva crítica essencial ao contexto educativo em que os professores desenvolvem a sua atividade.

Podemos, assim, dizer que as narrativas, nas suas diversas formas, funcionam, em termos de cultura e sociedade, como modalidades significativas do discurso comunicacional de cada cultura e facilitadores da própria comunicação inter-culturas. O potencial comunicativo das narrativas - quer assumam a forma de mito, fábula, parábola, romance, biografia ou narrativa de vida – assenta em algumas componentes comuns que, no essencial, caracterizam a dimensão da narratividade no discurso da comunicação e de que destacaríamos as seguintes:

• a estruturação de qualquer narrativa em torno de conflitos, questionamentos ou tensões, do seu desenvolvimento e resolução (que não é sinónimo de “solução”, conviria sublinhar); • a dimensão vivencial – ou da personificação e do vivido,

através da construção operada pelos agentes e/ou actores da narrativa;

• a dimensão da emocionalidade que impregna toda a narrativa e gera o seu potencial de adesão e receptividade;

• a passagem/apropriação do significado pelo ouvinte, participante ou leitor, incorporando e recriando sentidos que se tornam parte integrante da sua identidade.

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No caso do uso formativo das narrativas de vida para propósitos de construção colaborativa de processos de investigação orientada para o desenvolvimento profissional, como é aqui o caso, a dimensão mais nuclear situa-se, a meu ver, no ganho de conhecimento profissional, de saber docente, que potencialmente resulta da reflexão conjunta e analítica sobre as narrativas de cada um, a que se associa uma vivência partilhada de experiências diversas. Perguntemo-nos pois qual foi o conhecimento que ganhámos - eu ganhei como leitora - nas três narrativas que me foi dado analisar.

Ser professor, o que é? Refletindo sobre três narrativas de vida

A categoria de análise em que foram agregadas as 3 narrativas – embora permitissem muitas outras referenciações – foi a natureza da docência. Que é, para estes sujeitos, ser professor? Como é que as narrativas que produziram nos dão conta da construção dessa representação identitária em processo? Como a analisam?

Sujeito A (Dolores Tenorio)

O sujeito A centra o desenvolvimento da sua narrativa numa experiência marcante relativa à descoberta da riqueza da metodologia de projeto estruturada numa lógica de investigação para dar sentido às aprendizagens curriculares dos alunos, crianças de Educação Infantil de uma aldeia litoral no Sudoeste espanhol. Esta professora destaca essa vivência como portadora de uma mudança no seu modo de viver a profissão, mudança que se manteve para sempre, e que, na sua análise, decorria de três fatores: a motivação real dos alunos face ao tema que os atraíra (o projeto estruturou-se em torno do camaleão), a proximidade que gerou entre a experiência prévia das crianças e os conhecimentos novos que pesquisaram, e a dimensão formativa social que foi possível agregar ao tratamento do tema, relacionando-o com questões ambientais, para além da mobilização de vários atores sociais que colaboraram com a escola e as crianças no projeto. Igualmente assinala a autora o facto de esta metodologia conduzir os professores envolvidos ao reconhecimento da sua própria necessidade de aprofundar o seu saber sobre o conteúdo em causa.

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Digamos que esta narrativa se foca numa vivência pedagógico- didática e investigativa positiva que teve um efeito transformacional nas práticas da professora e no seu conhecimento profissional. É possível identificar neste “salto” experiencial novos elementos de saber que convocam as categorias de Lee Shulman (1987) – conhecimento de conteúdo, conhecimento pedagógico de conteúdo, conhecimento do aluno e do contexto – num processo de desenvolvimento profissional vivido. Por outro lado, essa visibilidade ilustra o papel central que alguns autores atribuem ao conhecimento profissional na afirmação identitária (Roldão, 2007; Nóvoa, 2009).

Visível ainda nesta narrativa o facto de a experiência ter demonstrado à professora a possibilidade real de realização de aprendizagens, com sentido de “poder”, de autoria – por oposição a muitas situações formativas que, pelo seu desenraizamento, se mantêm como hipóteses irrealizáveis.

A relação da prática dos professores com um projeto de investigação universitário esteve na origem desta experiência e gerou também dinâmicas que a autora considera muito enriquecedoras – o que realça a importância das parcerias entre a universidade e as escolas, a investigação e a reflexão sobre as práticas na promoção de processos de desenvolvimento profissional. Nesta narrativa, ao nível das dimensões explicativas, o sujeito A atribui grande importância à dimensão ocasional e interpessoal como elementos favorecedores da ocorrência deste tipo de experiências, como foi o caso. Poderíamos porventura questionar se o trajeto profissional não deverá ser mais intencionalizado para a criação e gestão de situações deste tipo e o seu uso e rentabilização no quadro das escolas e da sua organização de trabalho.

Sujeito B (Laura Lucas)

O sujeito B parte de uma visão aberta do ensino e da aprendizagem, privilegiando-os como dimensões espontâneas e necessárias a todas as experiências sociais (“algo inato e natural”, nos seus próprios termos): Embora pertinente, esta posição não deixa de ser questionável no plano da especificidade do ensino e aprendizagem em contexto curricular e escolar que assume, do ponto de vista

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social, dimensões especificas face a essa macro aprendizagem- ensino que resulta da vida em sociedade.

A sua narrativa organiza-se assim em torno da procura do significado particular de ser professor, se ensinar e aprender é tão comum a todos nós. A autora percorre a sua experiência como aluna que descreve como pouco marcante até ao momento em que, nos conteúdos de História de Arte, se deslumbra com o entusiasmo analítico e o questionamento pelo objeto de estudo. Daí emerge o seu modo pessoal de desejar ser professora: a necessidade de, ao amar o aprendido, o passar a outros, para quem porventura esses mesmos conteúdos são neutros ou distantes. Esta postura ilustra uma dimensão pouco analisada na natureza de ensinar – e no prazer de o fazer: a função quase miraculosa de “revelar” alguma coisa a outros que antes a não viam… Em termos de profissionalidade configura claramente a especificidade da função de ensinar, no sentido que Roldão (2011) lhe atribui – fazer aprender alguma coisa a alguém. Mas, justamente porque é uma narrativa, introduz-lhe a dimensão vivida me que muitos outros professores se reconhecerão: o prazer, a intensidade que assume essa função mediadora entre o saber e o sujeito que é a pedra de toque do ser professor.

A autora envolve ainda o relato da sua experiência com dois outros vetores importantíssimos da profissão – o para quê, a finalidade e uso do que se ensina, a única que pode dar sentido e legitimidade ao currículo, e o facto de que, através do conhecimento formalmente aprendido se visa um patamar superior, formativo da pessoa, dos seus valores e atitudes, função de novo narrada pela via do entusiasmo que gera. “¿Hay algo más bello que enseñar a ser mejores personas y a la vez aprender a serlo?”

O sujeito B sublinha a importância da reflexão incorporada nos processos investigativos sustentados por narrativas partilhadas enquanto indutora de aproximação, domínio da complexidade e auto confiança.

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Sujeito C (José Antonio Molina)

A narrativa do sujeito C, iniciada nos anos 70, é claramente marcada por uma vivência social e política muito forte no seu percurso de vida profissional e também pessoal. São as origens sociais, a perseguição política de que a sua geração foi objeto, a aposta na educação como via de mobilidade social que marcam a história, mais coletiva que individual, que nos conta.

Sempre quis ser professor e estudar Economia, em coerência com o sentido de intervenção social que associa a estas duas vertentes, de forma coerente. “Tu labor profesional tiene un sentido personal y social”.

O seu percurso revela sobretudo as dificuldades resultantes da conflitualidade e mesquinhez entre professores que o chocaram e desiludiram, mostrando-se longe da sua visão socialmente comprometida do ofício de ensinar.

A última fase do seu percurso significou um salto positivo, para uma instituição com exigência, com projeto e com boa colaboração entre docentes, e no plano curricular, a sua gratificação resulta do envolvimento em projetos virados para a intencionalidade social – paz, multiculturalismo, bilinguismo.

A narrativa deste professor ilustra três vertentes também essenciais da profissão: o compromisso social, a importância da organização e da liderança para enquadrar práticas de ensino de qualidade e o reconhecimento realista de grande diversidade de posturas entre os professores no plano da deontologia que o autor subscreve.

Em jeito de síntese

Os retratos e visões que estes sujeitos puseram em comum remetem para as componentes chave da profissão. O conhecimento específico, a finalidade mediadora insubstituível do ensino, o compromisso sócio-político e cultural implicado na função de ensinar.

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Trazem também à linha de visibilidade as emoções que associam ao seu desempenho e ao seu crescimento e mudança ao longo dos percursos – o prazer de fazer outros conhecer, sentir e apreciar coisas novas, o choque com uma classe que comporta muita diversidade de posturas e valores, a visão social e formativa que partilham, o reconhecimento dos dispositivos organizacionais e inter-organizacionais para sustentar melhorias.

Gostaríamos de desafiar os sujeitos com uma questão: que fazer com este conhecimento? Como gerir processos proativos que o fecundem em melhorias do coletivo? Na crença, que é a minha, de que o saber que se constrói produz diferença.

5.5. Comentario sobre las narrativas de Molina, Lucas y

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