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Comissões de Dissuasão de Toxicodependência

7. POLÍTICA CRIMINAL DE DROGAS PORTUGUESA

7.1 Comissões de Dissuasão de Toxicodependência

O elemento mais original da nova política de drogas portuguesa foram as Comissões de Dissuasão de Toxicodependência, as CDTs. As vinte CDTs, uma em cada região do país, estão no centro da política portuguesa. Quando alguém é surpreendido pela polícia com uma quantidade inferior a 25 gramas de maconha, dois gramas de cocaína ou um grama de heroína ou anfetaminas, supõe-se que se trata de um usuário, não de um traficante. A droga é apreendida, a pessoa é liberada e recebe uma intimação para comparecer na mesma semana a uma CDT, em vez de um tribunal de justiça, como acontece no resto do mundo (se a quantidade for maior, supõe-se que seja um traficante, que continua sendo remetido a um tribunal). Cada CDT é formada por três membros, cada um de uma área, em geral um jurista, um psicólogo ou médico e um assistente social ou sociólogo. Eles contam com o apoio de uma equipe técnica, também composta por três pessoas especializadas em dependência.

O usuário chega à CDT de manhã e é entrevistado por um dos membros da equipe técnica, normalmente um terapeuta ou assistente social. O objetivo da Comissão é remover completamente o estigma da criminalização: seus integrantes usam roupas informais e sentam-se ao redor de uma mesma mesa, em salas que não têm nada de tribunais, e tudo o que é falado no encontro tem garantia de confidencialidade. A questão nesse momento é entender em profundidade os problemas que afetam a pessoa, o papel que a droga tem em sua vida, quanto o consumo é problemático, o contexto familiar, social, profissional.

Na entrevista, pode-se chegar à conclusão de que se trata de um traficante, não de um usuário, apesar da baixa quantidade de droga. Nesse caso, o sujeito é encaminhado a um tribunal. Da mesma forma, se o juiz no tribunal encontrar alguém com grande quantidade de droga, mas que definitivamente não vende substâncias ilícitas, pode decidir que se trata de um usuário e remetê-lo à CDT. Enfim, há diálogo entre a justiça e a saúde. Após a entrevista, a equipe técnica entrega um relatório curto, mas revelador aos três membros da comissão. Na

mesma hora, o usuário é chamado para a audiência, que também é muito diferente de um tribunal. Ela acontece numa sala despojada, ao redor de uma mesa, com os três membros da comissão e o usuário sentados à mesma altura, bem diferentes das formalidades de uma audiência criminal.

A audiência em si é normalmente muito rápida, durando cerca de quinze minutos, porque toda a informação relevante já está no relatório feito durante a entrevista com a equipe técnica. Normalmente, o usuário volta para casa umas duas horas depois de chegar lá, e o tempo entre a apreensão da droga pela polícia e o fim da audiência não passa de dois ou três dias. Essa rapidez contrasta com os arrastados processos judiciais, que levam anos.

Na entrevista, a equipe técnica separa os casos em dois grupos principais: os dependentes e os não dependentes. Caso o sujeito não seja dependente, se for a primeira vez dele, é dispensado e o processo é encerrado. O registro ficará guardado por cinco anos. Se, nesse período, ele for apanhado com drogas de novo, receberá algum tipo de sanção. Se não, o processo será destruído.

Já os dependentes recebem uma sanção logo na primeira vez. Mas, se eles voluntariamente concordam em se submeter a tratamento, a sanção é retirada. Bem diferente de uma sanção de tratamento compulsório, no qual a chance de essa pessoa realmente se tratar é pequena, e os tribunais comuns não têm condições nem competência para acompanhar o caso depois da sentença.

A vantagem do tratamento voluntário é que o compromisso do paciente é maior, e os resultados acabam sendo bem melhores. Um tribunal de justiça é por definição uma estrutura coerciva, à qual se recorre numa situação em que se precisa de alguém que decida pelo outro. No caso de um dependente, ninguém pode decidir por ele. Se ele não quer parar, esta é uma escolha dele. A própria equipe técnica então cuida de marcar uma consulta do dependente num centro de tratamento e de telefonar ou mandar e-mail para o centro de três em três meses, para garantir que o acordo está sendo cumprido. Se não for cumprido, o sujeito será intimado para comparecer de novo à CDT e receberá uma sanção.

O objetivo principal das sanções não é punir, e sim dar incentivos para os usuários de drogas para que eles tomem a decisão certa. Por exemplo, um jovem desempregado que fuma maconha o dia todo pode receber, como sanção, a obrigação de se apresentar a uma agência de empregos todas as semanas e assinar um papel. Uma sanção comum para dependentes é obrigá- los a visitar todas as semanas um médico de família do sistema de saúde.

Algumas sanções precisam ser mais duras. Por exemplo, um motorista que é dependente de drogas tem sua carteira de habilitação cassada, para que ele não coloque a vida de ninguém em risco. Outra possibilidade, com um dependente que não quer se tratar, é dificultar seu acesso a pensões do governo. A pensão não é retirada, a pessoa é apenas obrigada a justificar os gastos para cada saque que ela fizer, para garantir que não está usando dinheiro do governo para se manter na dependência. Outros tipos de sanção são trabalho comunitário e multa. Multas nunca são aplicadas para dependentes, porque o sistema não quer dar incentivos para que as pessoas cometam crimes para sustentar seus hábitos. 72

Dez anos depois, durante as eleições de 2011, o tema drogas nem foi mencionado na campanha eleitoral. Aquele que era o maior problema de Portugal hoje aparece em 13o na lista. O país ainda é católico e tradicional, e a imensa maioria dos portugueses continua contra as drogas, porém o assunto está pacificado.