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5 DISCUSSÃO

5.3 O que torna a aprendizagem de uma L2 difícil?

5.3.1 Como a dificuldade pode ser definida?

A definição do que constitui dificuldade para o aprendiz de L2 nem sempre é de fácil consenso. Krashen (1982), citado em DeKeyser (2005), classificou o morfema –s da terceira pessoa do singular como de fácil aprendizagem, ao usar como critério aspectos relacionados à forma, isto é, os aprendizes teriam apenas duas escolhas possíveis: usar ou não usar o morfema. Por outro lado, Ellis (1990), citado em DeKeyser (2005), classificou o mesmo morfema como complexo, ao levar em conta a sua complexidade funcional; isto é, há uma relação de número gramatical no sujeito e a presença ou ausência do morfema.

Para DeKeyser (2005), há pelo menos três fatores envolvidos na determinação da dificuldade gramatical: complexidade da forma, complexidade do significado e complexidade da relação forma-significado. Mas não é apenas isto – há ainda a dificuldade em adquirir, isto é, compreender a relação forma-significado durante o processamento de uma sentença em L2. É a transparência (simplicidade) da relação forma-significado para o aprendiz que determina a dificuldade na aquisição. Esta transparência é em parte determinada pelo grau de importância que uma dada forma tem para que seu significado seja expresso. Por exemplo, certos morfemas são a única indicação do significado que expressam (e.g. –‘s possessivo), enquanto outros são redundantes por marcarem concordância gramatical cujo significado está representado em outro lugar da sentença ou no discurso (e.g. –s terceira pessoa).

DeKeyser (2005), em sua revisão sobre dificuldade gramatical, apresenta quais componentes podem representar dificuldade na aquisição, baseado em evidência empírica. Para isto, o autor identifica os componentes através da investigação de problemas do significado, problemas da forma e problemas do mapeamento da forma-significado.

A dificuldade com a forma é, em grande parte, uma questão de complexidade. Em línguas morfologicamente ricas, a complexidade é maior, uma vez que várias formas precisam ser expressas explicitamente, havendo maiores escolhas entre formas, alomorfes e a posição que

ocupam. No caso da L2, a morfologia representa fonte de dificuldade, tanto para o aprendiz em contexto naturalístico de L2 quanto para ao aprendiz em contexto instrucional.

Muito tem sido discutido sobre as causas da falha em suprir morfemas de maneira sistemática, se um problema de competência ou de desempenho. Da mesma forma que falham em produzir, os aprendizes também falham em reconhecer morfologia elementar para interpretar uma sentença (cf. Van Patten, 2004; MacWhinney, 2001, citado em DeKeyser, 2005). Estes fatos indicam que há mais em jogo do que apenas processamento. De fato, Jiang (2004) mostrou haver ausência de sensibilidade ao morfema de plural no substantivo de DPs complexos e não problemas no processamento da concordância. A pesquisa em processamento da instrução mostrou que os aprendizes também falham em processar morfologia na compreensão. A pesquisa nesta área mostrou que os aprendizes são beneficiados pelo treinamento em ter sua atenção focada em elementos morfológicos para a compreensão. Sem o treinamento, os aprendizes tendem a ignorar a morfologia.

Da mesma forma, os estudos de Lardiere (1998a, b) e Prévost e White (2000), salientam que a morfologia é mais difícil de ser adquirida quando comparada à sintaxe. Apesar de traços sintáticos e morfológicos estarem associados na teoria, não são adquiridos ao mesmo tempo. A sugestão é a de que os traços sintáticos são adquiridos facilmente, mas os aprendizes continuam tendo problemas com a instanciação morfológica dos traços sintáticos.

O mapeamento forma-significado pode ser fonte de dificuldade se a relação entre a forma e significado não for transparente. A ausência de transparência está relacionada a três fatores: redundância, opcionalidade e opacidade. Os fatores redundância e opacidade são relevantes para o uso do –s da terceira pessoa. A redundância diz respeito a uma forma que não é necessária do ponto de vista semântico, uma vez que o significado é também expresso por outro elemento na sentença. Este seria o caso do –s terceira pessoa, já que o sujeito explícito já traria informação de pessoa/ número (cf. Celce-Murcia e Larsen-Freeman, 1999).

A opacidade acontece quando há uma fraca relação entre a forma e o significado expresso por ela. Isto pode ser visto quando o morfema possui alomorfes distintos e ao mesmo tempo homófonos a outros morfemas gramaticais, o que torna a relação entre forma e significado difícil de ser percebida. Este é novamente o caso do –s no inglês, que pode marcar a terceira pessoa do singular no verbo, plural de substantivos ou o genitivo de substantivos, havendo os

mesmos três alomorfes para cada caso. Para a terceira pessoa do singular, a opacidade é ainda complicada pelo fato de que não há um mapeamento um para um, ou seja, o –s possui três diferentes significados: singular, terceira pessoa e tempo presente. O mesmo problema pode ser visto em plurais irregulares e passado irregular, onde o mapeamento forma- significado torna-se mais opaco (DeKeyser, 2005).

É possível que a baixa proporção de uso de morfologia de 3sg em relação ao uso da forma de suprimento do verbo to be possa ser explicada pela dificuldade dos aprendizes em adquirir o –s como marcador de tempo e concordância, uma vez que há fraca relação entre forma e significado, alomorfia e por ser uma forma redundante e opaca. Além disso, a revisão dos estudos de ordem de aquisição de morfemas conduzida por Zobl e Liceras (1994) mostrou que o paradigma flexional por suprimento é aprendido primeiro do que o paradigma por afixação. Veremos agora os resultados de uma meta-análise sobre os estudos de ordem de aquisição de morfemas, que corroboram a idéia de que a aprendizagem de morfemas flexionais é dependente de diversos fatores, representando, de fato, fonte de dificuldade para a aprendizagem de L2.

Goldschneider e DeKeyser (2005), doravante G&D, apresentam uma meta-análise de estudos relacionados à ordem de aquisição de morfemas70 em L2 inglês por aprendizes de adultos e crianças, realizados nos últimos 25 anos71. Dados de produção oral de um total de 12 estudos e 924 participantes foram selecionados para a meta-análise. O estudo investigou o potencial de cinco fatores determinantes em explicar a ordem natural de aquisição, a saber: saliência perceptual, complexidade semântica, regularidade morfo-fonológica, categoria sintática e freqüência. Em outras palavras, o propósito da meta-análise é determinar até que ponto a combinação dos fatores determinantes é capaz de prever a ordem de aquisição de morfemas72 observada na aquisição de L2 inglês. Para este fim, uma análise de regressão múltipla foi

70 G&D utilizam o termo functor em vez de morfemas, uma vez que este último não é aplicável à distinções como passado regular e irregular. Apesar de reconhecer esta diferença, mantenho aqui o uso do termo ‘morfema’ para evitar problemas com a terminologia.

71 Segundo Liceras (2007), Apesar das críticas recebidas, principalmente com relação à falta de explicação teórica dos trabalhos iniciais, os estudos sobre ordem de aquisição de morfemas não devem ser ignorados. Larsen Freeman e Long (1991), citados em Liceras (2007), ao discutirem estes trabalhos, concluíram que apesar das criticas, há muitos estudos com suficiente rigor metodológico e que mostram resultados gerais consistentes, mostrando que as generalizações não devem ser ignoradas.

72 Os seguintes morfemas foram analisados: -ing presente progressivo, -s plural, -s possessivo, artigos a, an e

realizada, examinando o efeito dos cinco fatores determinantes na dependente variável – escores de uso correto dos morfemas em contextos obrigatórios.

A influência da L1 não foi analisada, uma vez que os estudos individuais não fornecem dados de desvios separados por L1, tornando impossível a comparação entre os estudos. De fato, estabelecer efeitos da L1 não era o objetivo destes estudos. No entanto, G&D reconhecem que fatores que não os investigados na meta-análise, como o efeito de transferência da L1 podem também contribuir para a ordem observada.

Os resultados indicam que a combinação dos fatores saliência perceptual, complexidade semântica, regularidade morfo-fonológica, categoria sintática e freqüência são responsáveis por uma grande parte da variância total nos escores de uso correto dos morfemas. Apesar da alta variância atribuída aos fatores acima citados, ainda há a possibilidade de contribuição de outros fatores, como a transferência da L1. Os autores argumentam que os fatores considerados são homogêneos, tendo em comum o aspecto saliência, dentro do sentido mais amplo da palavra. Dessa forma, os cinco fatores responsáveis pela alta porcentagem de variância na ordem de aquisição de morfemas podem ser traduzidos em aspectos fonológicos, morfológicos, sintáticos, semânticos e numéricos da saliência73. A idéia de que a ordem de aquisição de morfemas pode ser atribuída, em grande parte, aos diversos aspectos da saliência, indica que o componente inato, anteriormente tido como responsável pela ordem observada, perde sua função explicativa. Em outras palavras, a releitura dos trabalhos realizados durante os anos 70 e 80 feita por G&D explica de maneira satisfatória a ordem de aquisição de morfemas do inglês L2, levando em conta fatores investigáveis empiricamente, retirando do componente inato a carga explicativa.

Podemos então dizer que o sucesso na aquisição de aspectos gramaticais na L2 é, em parte, influenciado pela maneira como a relação forma-significado é vista pelo aprendiz, seja pela saliência da estrutura lingüística, facilitação da percepção pela própria estrutura ou freqüência no insumo, além da experiência lingüística prévia. Possivelmente, pela falta de saliência do morfema -s do presente, ele leve mais tempo para ser adquirido em relação ao paradigma flexional do verbo to be. Da mesma forma, talvez o uso inconstante da marcação

73 Saliência perceptual é definida como a facilidade em se ouvir ou perceber uma dada estrutura. Saliência refere-se somente às características do insumo. Três subfatores são analisados ao se definir a saliência perceptual de um morfema: número de fones (substancia fonética), presença ou ausência de vogal na forma de superfície (silabicidade) e sonoridade relativa.

de passado nos verbos em inglês possa ser atribuído à dificuldade em adquirir estes formas, havendo o uso de formas default quando a forma alvo não é acessada.

Faz-se ainda necessário discutir os resultados dos testes estatísticos e a escolha por utilizar dois grupos em níveis distintos de proficiência. A escolha por dois níveis de proficiência se pautou pela hipótese de que, possivelmente, os aprendizes em estágios iniciais teriam menor proporção de uso de morfologia flexional. Assumindo a idéia de que a morfologia precisa ser aprendida (cf. Lardiere, 2005), talvez o conhecimento morfológico ainda não esteja prontamente disponível para o aprendiz na sua produção. De fato, os resultados mostraram maior proporção de uso para o grupo II, indicando que provavelmente seria necessário maior exposição ao insumo, ou saliência ao insumo, nos termos de G&D, para que se tornem salientes o bastante e sejam adquiridos.

Além disso, os dados mostram que o paradigma flexional do verbo to be não foi problemático para os aprendizes nos dois grupos avaliados, mostrando alta proporção de uso. Estes resultados confirmam as conclusões de Zobl e Liceras (1994), ao mostrarem que este paradigma flexional é adquirido em estágios iniciais de desenvolvimento interlingual. O uso adequado das formas do verbo to be, por instanciarem tempo e concordância, evidenciam que os mecanismos de checagem de traços de tempo e concordância estão presentes na representação sintática dos aprendizes em níveis iniciais, corroborando as idéias da HAFS. Para a HAFS, a sintaxe encontra-se intacta e a variabilidade seria resultante de um problema com a inserção de material morfo-fonológico ao produto da derivação sintática.

Apesar dos resultados dos testes estatísticos não revelarem diferenças significativas entre os grupos, possivelmente um aumento no número de indivíduos por grupo seria capaz de gerar resultados significativos, uma vez que houve diferenças entre as proporções de uso entre os grupos, nos dois tipos de tratamento e em todas as variáveis testadas. Um resultado significativo poderia reforçar a idéia de que as formas de flexão verbal são adquiridas à medida que a experiência lingüística na L2 também aumenta, envolvendo a ação de vários fatores, incluindo saliência e transparência da forma.

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