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Capítulo 6 – Agência, Empoderamento e Transformação Social

6.2. Como elas podem ser vistas

E., J. e C., que afirmaram de alguma maneira terem assumido novas funções em suas vidas no Brasil, eram casadas na RDC e estão sem seus maridos no Brasil (Anexo 2). Enquanto estavam em seu país de origem, as três deviam se restringir a exercer, somente, os papéis definidos pela sociedade congolesa à mulher, enquanto seus cônjuges detinham o poder dentro do âmbito familiar. Eles eram os chefes de casa e os responsáveis pelas tomadas de decisões. Além disso, elas deviam-lhes obediência e não possuíam autonomia jurídica, práticas as quais eram legitimadas pelo Código da Família do período em que essas refugiadas estavam na RDC. No entanto, no Brasil, além de não haver um aparato jurídico que corrobore esses costumes, seus maridos não estavam presentes para que essas tradições se mantivessem. Ainda, o fato de elas estarem, somente, com os seus filhos ou com amigos, lhes forçaram a assumir novos papéis. Na ausência de seus cônjuges, elas se tornaram as responsáveis integrais pelas despesas da família e pelas tomadas de decisões. Assim, a possibilidade de escolha existiu nesse novo contexto, ainda que a debilidade financeira e social as restringisse em muitos aspectos. Logo, é possível concluir que houve transformação na identidade de gênero dessas três congolesas.

As duas entrevistadas que negaram qualquer modificação em seus papéis relacionado à condição de mulher, provavelmente, desempenham novas funções no Brasil, apesar de não as perceberem. M. morava com a sua família na RDC, incluindo seus pais, já, no Rio de Janeiro, ela reside, somente, com a sua irmã. Antes, as despesas de sua casa, possivelmente, eram partilhadas entre os membros de sua família ou eram de responsabilidade, somente, do seu pai. Além disso, ele era o chefe da casa. Ademais, mesmo que M. fosse divorciada, provavelmente, sofria restrições vindas do seu pai, pois, na RDC, são os homens que detêm o poder de escolha. Logo, no Brasil, é possível que ela divida as tarefas e despesas, somente, com sua irmã e que não haja um chefe na casa por não existir membro do sexo masculino. Assim, elas mesmas são as responsáveis pelas tomadas de decisões. Então, a ausência de restrições e as novas responsabilidades no ambiente doméstico sugerem haver ocorrido transformações na sua identidade de gênero. Contudo, D., que morava com seu marido e seus filhos na RDC, reside em uma igreja no Rio de Janeiro (Anexo 2). Apesar de não habitar numa casa em que as despesas sejam seu encargo, agora, ela é a única responsável pelos seus filhos. Ainda, que D. more em uma instituição religiosa que disponha de regras e algumas restrições, essas são bem distintas daquelas estabelecidas por um marido na RDC. Ademais,

obedecer ao seu cônjuge e se submeter às suas decisões, lhe confere uma maior autonomia. Logo, ainda que sútil, D. apresentou novos papéis de gênero no Brasil.

Entre as congolesas que não relataram sobre o tema, as entrevistas de P. e I. indicaram que elas apresentaram modificações em suas identidades de gênero. P., assim como E., C. e J., morava com o seu marido na RDC e foi sem o mesmo para o Brasil. Neste país, ela teve seu filho e divide a residência com uma outra congolesa (Anexo 2). Logo, assim como as outras três entrevistadas, P. adquiriu novos papéis e ainda contraiu mais funções por ter se tornado mãe. I. apresentou história análoga a da C. e a da E.. Ela morava com seu cônjuge e seu filho na RDC e foi para o Rio de Janeiro, somente, com o último e estando grávida. No entanto, diferentemente das demais, ela declarou que mantinha contato com o marido e que ele esteve no Brasil por um período, porém como não encontrava emprego neste país, decidiu ir para a Angola (Anexo 2). Assim, talvez, ele lhe envie dinheiro para ajudar nas despesas. Contudo, ainda, que ele colabore com os gastos domésticos, I. está só, precisando administrar sozinha a casa e tendo autonomia para as tomadas de decisões, mesmo que seu marido, de longe, interfira em parte delas. Logo, é possível perceber que I. passou a desempenhar novos papéis.

Todavia, K. e Y. que não expuseram nada sobre o tema, foram as únicas que vieram acompanhadas de seus maridos. Logo, os papéis dessas congolesas, provavelmente, se mantiveram os mesmos por reproduzirem uma igual estrutura familiar que dispunham na RDC. Y., assim como em seu país de origem, cuida dos afazeres domésticos e dos filhos, enquanto o marido trabalha. Contudo, K., continua com as mesmas tarefas relacionadas ao lar, mas não exerce mais a profissão de cabeleireira. Ela e o marido estão desempregados no Brasil, K. não consegue trabalho por estar grávida e ele foi demitido por faltar devido a problemas de saúde (Anexo 2). No entanto, ela comercializa alguns grãos na Cáritas. Todavia, a ausência de emprego do homem não costuma alterar os papéis de gênero desempenhados na RDC, tampouco foi relatado qualquer mudança por K..

Por fim, é importante realçar, que ainda, que a maioria das entrevistadas tenham recorrido ao auxílio de terceiros para suprir suas despesas domésticas, as responsáveis por buscar essas assistências foram elas mesmas. Logo, o fato das participantes não possuírem recursos próprios para quitar os gastos de suas casas, não interfere no fato delas serem as chefes de casa e as provedoras de suas famílias.

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