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2. DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO PARA A REPÚBLICA NOS DIAS

2.3 Como estabelecer uma governança estável e legítima na República?

Homo debe sequi aequitatem legis, no proprii capitis. A teoria política republicana, como doutrina consequencialista sobre a ética e a política, objetiva a promoção da liberdade como não-dominação no Estado de direito. Essa concepção evita o erro metafísico e deontológico de colocar a liberdade como “sumo bem” e reintroduz a concepção pragmática de realização da teoria política. De certa forma, a teoria política de Pettit se fundamenta na perspectiva pós-metafísica e se aproxima do conceito rawlsiano de “equilíbrio reflexivo” porque a forma deliberativa de interação comunicativa entre os participantes do debate racional é que produzirá o significado axiológico da comunidade política. O caráter pós-metafísico da teoria de Pettit resulta na rejeição da dedução dos princípios políticos e normativos a partir de princípios a priori, como na teoria kantiana da moral. A teoria política republicana tem como consequência a observação do funcionamento das relações sociais como forma de interação comunicativa e fornece valor ou significado à realidade social. De acordo com Berten (2007, p. 22):

A teoria de Pettit é consequencialista (não deontológica) no sentido de que se a liberdade como não-dominação é um “bem”, e um bem que deve ser maximizado, ela não pode ser considerada como um valor absoluto, uma vez que a sua maximização implica às vezes o seu não respeito (parcial ou provisório, como a maximização da paz pode implicar em certas circunstâncias de fazer a guerra).

A teoria consequencialista de Pettit se constitui em uma teoria do correto, isto é, essa perspectiva de filosofia prática estabelece o que os indivíduos e a instituição devem fazer como válido. Em geral, as teorias éticas estabelecem uma noção de “bem” que deve ser perseguida pelos indivíduos e instituições sociais e serve de orientação para as ações sociais. Segundo Pettit (1991, p. 231): “Os consequencialistas consideram instrumental a relação entre valores e agentes: se necessitam de agentes para levar a cabo aquelas ações que têm a propriedade de fomentar um valor perseguido, incluso as ações que intuitivamente

deixam de respeitá-lo”. Essa teoria moral se estabelece a partir dos princípios normativos que constituíram a associação política e se tornaram constitutivos para a persecução e a concretização destes objetivos políticos e sociais. O círculo de geração de valor (bem) estabelece a organização dos agentes e, simultaneamente, constituem as premissas de ação dos indivíduos e fomentam a ação da associação política.

Pettit realizou uma guinada na forma de pensar do republicanismo contemporâneo ao distanciar o exercício da cidadania de perspectiva “neo-ateniense”, que enfatiza a necessidade participação política pela discussão pública e a persecução de uma ideia de bem na comunidade política. Nesse sentido, Pettit localiza a cidadania a partir do viés “neorromano”, que compreende o exercício da liberdade sem dominação como um bem do cidadão e que não necessariamente implicaria o autogoverno e a participação política em assembleia pública (Cf. LARMORE, 2001). Ele contrasta a liberdade como não-dominação como uma maneira de agir livre (agency-freedom) com a liberdade como opção livre (option-freedom), sendo a capacidade de escolha ilimitada e a proteção efetiva e extensiva perante a interferência.

Sua primeira formulação corresponderia à maneira republicana porque promoveria maximização e a promoção da liberdade (Cf. PETTIT, 2003c, p. 395). O indivíduo pode ser considerado cidadão se ele possuir a proteção contra qualquer arbitrariedade em suas escolhas. A liberdade como não-dominação solicita que haja uma imunidade perante a arbitrariedade que possa ser exercida por algum indivíduo ou pelos órgãos estatais. No governo republicano, edificado sob o ideal de não-dominação e resguardado pelo ordenamento jurídico, os cidadãos gozam de uma igualdade de proteção da sua liberdade para o agir (agency-freedom) (Cf. PETTIT, 2003c, p. 400). A liberdade expressa a ideia de que o sujeito não se encontra submisso à uma vontade arbitrária ou dominado por outros indivíduos. Na instância política, essa concepção de liberdade representa a configuração de uma política institucional que garanta a proteção e a regulação das ações dos indivíduos a partir desse ideal político.

A questão do controle do poder político é central no pensamento republicano por causa da possibilidade de corrupção e de predomínio das paixões sobre os indivíduos. A corrupção política poderá acontecer mediante a entrega do poder político ao governo popular, estabelecendo uma tirania da maioria (Cf. DAHL, 1989, p. 27-28). Como medida de contenção dos anseios egoístas dos indivíduos ou da maioria, a ideia de um império da lei (rule of law) se tornou central na concepção republicana de defesa perante os

desejos gananciosos dos cidadãos. O incentivo para a prática virtuosa também se constitui em uma medida de contenção da degeneração da república. O virtuosismo dos cidadãos teria a capacidade de comover os indivíduos para a prática da justiça no Estado.

A realização de uma teoria política a partir da modernidade encontra o dilema relativo à prática das ações morais e jurídicas pelos cidadãos. A factibilidade das ações sociais se encontra entre uma ação motivada pelo mandamento moral ou pela ação calculista que observa os prejuízos que as sanções da lei poderão causar aos interesses pessoais. O interesse egoísta de facções políticas ou de indivíduos se centra na motivação para o descumprimento do dever jurídico e a satisfação dos interesses pessoais. O instrumento legal deve buscar os mecanismos que motivem o cumprimento do dever jurídico e moral e que ele tenha a capacidade de dissuadir a prática delituosa em relação aos prejuízos e benefícios da ação transgressora. A viabilidade moral do ideal republicano reside no problema do estabelecimento e da estabilização das instituições republicanas e a viabilidade psicológica reside na questão da possibilidade de realização e obediência das normas sociais pelos agentes sociais.

A questão da estabilidade da república dividiu os teóricos republicanos em dois grupos. O primeiro é mais pessimista perante a corrupção da natureza humana quando alcança o poder, e o segundo, em um posicionamento mais otimista, compreende que os indivíduos não são necessariamente corruptos, mas corrompíveis. As duas perspectivas apresentam vícios em seu diagnóstico sobre as relações entre o poder político e as paixões humanas. A primeira porque perdeu a ênfase na defesa da virtude política, e a segunda porque concebe a efetivação da corrupção humana perante a possibilidade de corrupção no poder. A regulação centrada na punição e no desvio da conduta moral e jurídica dos atores políticos impede a formação da virtude e não desenvolve a capacidade de agir autonomamente pelos cidadãos.

Para Pettit, a melhor perspectiva seria aquela que reunisse recursos reguladores que dificultassem a corrupção dos agentes políticos. Esses recursos reguladores podem ser caracterizados pelo estabelecimento de sanções e de filtros que impeçam a corrupção e o domínio das paixões na política. As sanções possuem dois aspectos: o positivo é a atribuição de recompensas e o negativo significa a aplicação de castigos aos transgressores da moralidade política. Os filtros se constituem em uma opção mais inclusiva porque eles operam sobre os agentes e sobre as opções que eles possam ter no exercício do poder político.

A regulação centrada na ação dos cumpridores tem a característica de valorizar a orientação dos indivíduos que cumprem a ação motivada pela virtude política. A correção da debilidade política, a corrupção, e o controle do domínio das paixões deverão seguir três princípios: 1. A possibilidade de que o filtro apresente primeiramente as opções e posteriormente as sanções; 2. Os mecanismos de sancionamento devem ser introduzidos pela via da deliberação pública; e 3. Os mecanismos de sancionamento devem ser motivadores efetivos para o cumprimento da justiça.

A necessidade de postular os filtros como anteriores às sanções tem o objetivo de oportunizar o destaque aos bons cidadãos e de realizar a qualificação daqueles que irão ocupar ou que poderão estar aptos para o exercício do trabalho em cargos públicos. Outra motivação para essa ordem é porque as sanções vêm em benefício dos cumpridores e devem conservar e reforçar o incentivo ao cumprimento espontâneo (virtuoso) pelos cidadãos. Neste aspecto, Pettit salienta que se deve fugir à característica das sanções como elementos centrais na ação social. Além disso, seria necessário que elas gerassem a observância forçosa pelos destinatários. Neste caso, as sanções devem ser estruturadas segundo a possibilidade de desvio de conduta e terão que se transformar em barreiras às ações egoístas. As sanções possuem a finalidade de reduzirem o dano potencial que a ação transgressora possa causar e se transforma em elemento de restauração da seguridade jurídica que todos os membros da comunidade política devem desfrutar, segundo a forma de direitos.

3. COM E PARA ALÉM DOS MODELOS DE DEMOCRACIA