• Nenhum resultado encontrado

3. Gestão Hospitalar

3.5 Comorbilidades

Uma comorbilidade é um diagnóstico secundário, ou seja, uma condição de doença que não a principal, já existente aquando da admissão do doente. Por outro lado, uma complicação é uma condição adquirida durante o internamento hospitalar.

O estudo das comorbilidades é importante na investigação de serviços de saúde, nos estudos epidemiológicos e nos ensaios clínicos (Dominick et al., 2005; Schneeweiss e Maclure, 2000). O seu estudo é, também, muito importante no planeamento dos cuidados de saúde e na definição de políticas para a saúde, pois pode permitir perceber qual o estado de saúde da população em geral. Por outro lado, na literatura científica há indícios de que a variabilidade intra-GDH pode ser reduzida refinando os grupos de classificação (GDHs), de maneira a que considerem a presença de determinadas complicações e comorbilidades (Preyra, 2004).

Grande parte dos trabalhos sobre as comorbilidades estudam as suas consequências e poucos são os que estudam as suas causas (Gijsen, 2001). Em termos de consequências, as comorbilidades têm influência a vários níveis, por exemplo na mortalidade, na

qualidade de vida, na utilização de recursos de saúde e nas estratégias de tratamento. No entanto, as consequências de determinadas combinações de doenças dependem de muitos factores. As causas podem estar relacionadas com demografia, genética, riscos biológicos, estilo de vida, ambiente social, ambiente físico, cuidados de saúde, etc.

Existem várias metodologias para a determinação das comorbilidades (de Groot et al., 2003). Estes métodos podem incluir os questionários aplicados aos pacientes (Katz et al., 1996), a abstracção de registos clínicos electrónicos (Uldall et al., 1994) ou a utilização de bases de dados administrativas (Esper et al., 2006). Por conterem muitos dados e serem de fácil acesso, as bases de dados administrativas (conhecidas em Portugal como bases de dados dos GDHs) tendem a ser cada vez mais utilizadas. Apesar das suas virtudes, estas bases de dados têm também alguns problemas, nomeadamente relacionados com erros de codificação, casos omissos e outras inconsistências nos dados (Iezzoni, 1997; Schwartz et al., 1999).

Três dos principais índices de comorbilidades baseados em bases de dados administrativas são o de Charlson, o de Elixhauser e o RxRisk-V. O índice de comorbilidade de Charlson (Charlson et al., 1987) é um índice com pesos, que variam entre 1 e 6, associados a cada uma das 19 comorbilidades definidas. O valor do índice resulta da soma dos pesos de cada comorbilidade e pode variar entre 0 e 33. Os pesos foram obtidos através da observação da associação entre cada comorbilidade e o risco de mortalidade durante um ano, num coorte11 de doentes hospitalizados. O método de Charlson foi posteriormente adaptado para bases de dados que usem a Classificação Internacional de Doenças, 9ª Revisão, Modificação Clínica (CID-9-MC) (Deyo et al., 1992). O método de Elixhauser (Elixhauser et al., 1998) utiliza também os códigos ICD-9-CM e é também, tal como o anterior, utilizado para prever a mortalidade, mas tem um processo de cálculo e um leque de comorbilidades diferentes. Alguns estudos recentes apontam para uma melhor previsão da mortalidade pelo método de Elixhauser (Dominick et al., 2005; Southern et al., 2004; Stukenborg et al., 2001). O RxRisk-V é

11

O termo “coorte” é utilizado na medicina para designar um grupo de indivíduos que têm um conjunto de características em comum e que são observados durante um período de tempo para analisar a sua evolução.

um índice de comorbilidade baseado em dados da farmácia hospitalar e apresenta bons resultados na previsão dos custos totais de saúde (Sales et al., 2003).

As comorbilidades e complicações têm influência nos custos hospitalares, ao nível do tempo de internamento e do consumo de recursos, entre outros. Elixhauser et al. (1998) identificaram um conjunto de 30 comorbilidades (Tabela 2) que estão associadas a um aumento substancial do tempo de internamento, das despesas hospitalares e da mortalidade. Comparativamente com outros trabalhos na área, identificaram ainda comorbilidades que não eram normalmente medidas (por exemplo pelo índice de Charlson) e que eram também importantes indicadores dos resultados hospitalares, nomeadamente as doenças mentais, abuso de drogas, abuso de álcool, transtornos de fluidos e electrólitos, deficiência de coagulação, obesidade e perda de peso.

As comorbilidades são identificadas e separadas do diagnóstico principal de forma automática, o que permite uma fácil aplicação às bases de dados hospitalares (bases de dados dos GDHs), para um vasto leque de doenças.

Tabela 2 – As 30 comorbilidades, identificadas por Elixhauser et al. (1998), com influência nos custos hospitalares

Insuficiência cardíaca congestiva VIH e SIDA

Doença valvular Linfoma

Transtornos de circulação pulmonar Cancro metastático

Transtornos vasculares periféricos Tumor sólido sem metástases

Hipertensão, não complicada Artrite reumatóide / doenças vasculares do colagénio Hipertensão, complicada Deficiência de coagulação

Paralisia Obesidade

Outros transtornos neurológicos Perda de peso

Doença pulmonar crónica Transtornos de fluidos e electrólitos Diabetes sem complicações crónicas Anemia por perda de sangue Diabetes com complicações crónicas Anemia por deficiência

Hipotiroidismo Abuso de álcool

Insuficiência renal Abuso de drogas

Doença do fígado Psicoses

De realçar ainda que a separação entre complicações e comorbilidades, usando somente a informação constante nas bases de dados administrativas, não é um processo 100% fiável. Note-se que esta separação não existe tradicionalmente nas bases de dados administrativas e não pode ser claramente inferida a partir dos GDHs. De facto vários estudos mostram algumas falhas na separação entre complicações e comorbilidades para alguns diagnósticos (Roos et al., 1997; Glance et al., 2006; Stukenborg et al., 2004). Uma possível solução para esta questão poderá porventura passar por registar informação adicional para cada diagnóstico secundário, nomeadamente sobre se o diagnóstico estava presente ou não aquando da admissão do doente ao hospital (Glance et al., 2006).

As complicações hospitalares são normalmente esperadas devido ao curso natural das doenças ou devido a efeitos adversos de determinados tratamentos. No entanto, as complicações podem também estar relacionadas com uma maior ou menor qualidade nos cuidados de saúde prestados (Librero et al., 2004).

Como as comorbilidades e complicações são identificadas através dos diagnósticos secundários é importante verificar se o seu número se mantém ao longo dos anos ou, no caso mais provável, aumenta com os passar dos anos. Assim, é importante que exista um ajuste dos resultados obtidos à possível evolução do número de diagnósticos secundários. Em hospitais com sistemas de pagamento prospectivo, nomeadamente os que usam o sistema dos GDHs, é normal a existência de um aumento no número de diagnósticos secundários codificados ao longo do tempo (Serden et al., 2003).

Também neste domínio, a utilização de técnicas de data mining pode contribuir decisivamente para melhor se perceber quais as comorbilidades associadas a maiores consumos de recursos hospitalares e perceber também a sua evolução ao longo do tempo.