• Nenhum resultado encontrado

PARTE I – PORTUGAL, SEUS DOMÍNIOS E A COMPANHIA DE JESUS

II. A Companhia de Jesus em Portugal

Neste trabalho, sustentamos a ideia de que a Companhia de Jesus era uma congregação religiosa voltada tanto para assuntos de caráter espiritual quanto para organização supranacional de abrangência global, cuja disciplina, espírito empreendedor e pragmatismo favoreceram a expansão do catolicismo no Novo Mundo. Em relação especificamente a Portugal, a instituição exerceu, dentre outras funções, a missão civilizadora, no papel de agente colonizador, proporcionando um sólido alicerce para a concretização de uma América Portuguesa.

Nascida às vésperas do Concílio de Trento (1545-1563), considerada um dos três concílios fundamentais da Igreja Católica, convocada para assegurar a fé e a disciplina eclesiástica, a Companhia de Jesus é um dos símbolos da reação católica ao cisma representado pela Reforma Protestante. A ruptura da unidade cristã foi, em parte, consequencia de novas e profundas transformações, que provocaram rearranjos nas tradicionais estruturas sociais europeias, assim como a ascensão de novos grupos de poder.

Pela Europa afora, alguns espíritos ousados, a exemplo de Lutero, Calvino e Erasmo, desafiavam os cânones e as práticas da Igreja Romana, e suas vozes podiam ecoar além dos púlpitos ou das praças públicas, com relativa velocidade, graças à invenção artesanal de Gutenberg.

Na esteira daquelas profundas transformações sociais que engendraram uma nova visão de mundo, as concepções geográficas sofreram radical reviravolta em decorrência da expansão marítima europeia, o que possibilitou conhecer novos territórios. Para o filósofo escocês Adam Smith, “A descoberta da América e de uma passagem para as Índias Orientais pelo Cabo da Boa Esperança” constituía “os dois maiores e mais importantes eventos registrados na história da humanidade”.47 A Europa, cada vez mais urbana e ligada internamente pelo seu florescente comércio, recebeu renovado impulso com as trocas mercantis entre as duas metades do mundo. Os monarcas, em forte ascensão, ao reforçarem a autonomia dos reinos, gradualmente, passaram a desafiar o universalismo político romano nas questões de ordem internacional. Destarte, impôs-se, forçosamente, uma nova ética secular para o

45

jogo político baseada em interesses nacionais, definida como “razão de Estado”, que, no terreno da prática, vai superar, como afirmou Michel de Certeau, “a contradição entre razão e violência”48, amparada nos objetivos de negócio e poder. Assim sendo, “(...) reordena o país como empresa capitalista e mercantilista”.49

A América “descoberta” por Colombo desvelou a existência de outros povos que, para os cristãos europeus, viviam no abominável paganismo. Para os católicos, urgia retirá-los da cega ignorância, antes que “hereges” luteranos, calvinistas ou anglicanos o fizessem em seu lugar. Essa é também uma época de insegurança. O cisma religioso favoreceu certa desintegração política do Ocidente, resultando nas chamadas “Guerras de Religião”, que derramavam sangue pela Europa e dividiram reinos, a exemplo do Sacro Império Romano-Germânico e da guerra civil na França entre huguenotes e católicos, cuja violência e caos atingiram o paroxismo no episódio conhecido como Noite de São Bartolomeu (1572). Ademais, os turcos, em viril expansão, colocavam o Leste em intermitente Estado de alerta, a exemplo do Cerco de Viena (1529).

Nesse contexto conturbado, e na esteira de tantas transformações, foi criada a Companhia de Jesus – filha dessa contemporaneidade. Para Serafim Leite, o mais destacado historiador da Companhia de Jesus no Brasil, o evento foi “(...) um dos fatos mais significativos do século XVI, e Santo Inácio, o seu fundador, um dos homens de maior influência espiritual no mundo moderno (...)”.50 Não obstante a veracidade da afirmação, em nada exagerada, convém ressaltar que o peso do Instituto de Loyola não ficou circunscrito ao terreno espiritual, como anteriormente aludido. A sua influência retumbou igualmente nos terrenos da imanência com um poder jamais antes visto na história de nenhuma outra ordem religiosa, tornando a Companhia de Jesus, sem sombra de dúvidas, a mais polêmica de todos os tempos. Mas o que foi a Companhia de Jesus? Como ela ingressou em Portugal? Mais importante, como alcançou tamanho poder a ponto de sua incômoda influência levar o Estado português a torná-la proscrita do seu império e a perseguir violentamente todos os seus membros?

Para respondermos as duas primeiras questões, é imprescindível fazer breve apresentação do seu principal fundador e também apresentar a organização interna do

48 CERTEAU, Michel de. A escrita da história. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 159. 49 Ibid., p. 160.

50 LEITE, Serafim. A história da Companhia de Jesus no Brasil. Tomo I, Livro I. Lisboa/Rio de Janeiro:

46

seu Instituto e do seu ingresso em Portugal e no Brasil. Já a tentativa de entender o papel da Companhia de Jesus na política do Império português, a ponto de ser expulsa, é, dentro de alguns limites, o principal objetivo do presente trabalho. Aqui, o que entra em questão é a expulsão da Companhia de Jesus a partir do recorte regional – nominalmente do extinto Estado do Grão-Pará e Maranhão. A partir de uma perspectiva regional e circunscrita, pretende-se, ainda que modestamente, esclarecer algumas facetas da questão da expulsão dos jesuítas do Império português. Para tanto, parece-nos fundamental apresentar uma sinopse de como o poder jesuítico fez-se crescente no Brasil a começar pela chegada dos seus primeiros padres e também como enraizou-se desde o princípio da colonização na política local dos dois Estados que compunham a América portuguesa: o Estado do Brasil e o do Grão-Pará e Maranhão.

Inácio de Loyola (1491 -1556), o principal fundador da Companhia de Jesus, nasceu no Castelo de Loyola, de propriedade familiar, localizado próximo à aldeia de Azpeitia, província basca de Guizpúzcoa, na Espanha. Membro integrante da nobreza rural, o jesuíta sentiu, ainda jovem, pendor pela vida militar e pelos prazeres mundanos, como a jogatina, a bebida e a volúpia, o que lhe causou problemas com a justiça. Entretanto, os motivos desses problemas nunca ficaram totalmente esclarecidos.51 Por volta dos 13 anos de idade, foi enviado por seu pai a Arévalo, para ficar sob custódia de Velázquez de Cuéllar, então tesoureiro-mor do rei Fernando de Aragão. A experiência proporcionou-lhe o contato com um mundo nobiliárquico superior ao seu próprio.

Com o falecimento de Velázquez em 1517, Inácio tornou-se cavaleiro a serviço do vice-rei de Navarra, Antonio Manrique de Lara, duque de Nájera. Ele participou da defesa de Pamplona, quando os franceses invadiram a cidade para tentar reconquistar a região de Navarra, então possessão espanhola. Caiu ferido em 20 de maio de 1521, quando uma alabarda o atingiu nas duas pernas, sendo que uma delas ficou seriamente machucada. O acidente obrigou Inácio de Loyola a realizar repetidas e dolorosas cirurgias; embora tenha sobrevivido, ficou aleijado e jamais voltou a caminhar sem coxear.52

É no longo período de convalescença que ocorreu a “conversão” de Inácio. Para distrair-se do período de ócio causado pela imobilidade física, pediu que lhe conseguissem um exemplar das façanhas cavalheirescas de Amadis de Gaula. Na falta

51 Cf. LACOUTURE, Jean. Os jesuítas: a conquista. Vol. 1 Editorial Estampa: Lisboa, 1993. p. 19. 52 Cf. LACOUTURE, Jean. Op.cit. p. 98-99.

47

do livro, trouxeram-lhe a obra Vida de Cristo, de Ludolf, o Saxão, e uma coletânea de relatos hagiográficos – a Fábula Dourada, de Jacopo da Voragine. Aquelas leituras provocaram inquietações em Inácio, que, julgando que sua existência não tinha mais, até então, nenhum significado, interpretou sua angústia como um “chamado divino” e prometeu a si próprio dedicar a vida ao serviço de Deus.

Em fevereiro de 1522, sem estar completamente recuperado, decidiu partir em peregrinação para Jerusalém. Durante o percurso, resolveu visitar importantes santuários europeus e ensaiou pregações públicas. Frugal, pedia esmolas para seu sustento. Nesse ínterim, quando chegou a Manresa, na Catalunha, retirou-se para uma gruta e impôs-se algumas austeridades, como jejuns prolongados, orações e autoflagelações. Durante o retiro, leu com muita devoção a Imitação de Cristo, livro que se tornou para ele fonte de inspiração. Nessas condições, semelhante a um eremita, viveu por quase um ano. Em seu fervor místico, experimentou algumas visões, que considerou revelações divinas e, inspirado nelas, deu início à redação dos

Exercícios Espirituais, manual que, futuramente, seria a base da espiritualidade inaciana.

Ainda obstinado em conhecer Jerusalém, foi a caminho da Cidade Eterna para obter do pontífice autorização e benção para se trasladar à Terra Santa. Feita a concessão, embarcou para a Palestina onde ficou por poucos dias (entre 3 e 23 de setembro de 1523). Inácio chegou a Jerusalém em um contexto desfavorável para a segurança dos peregrinos, e os franciscanos que o abrigaram, e em relação aos quais estava sob autoridade, obrigaram-no a partir de volta para a Europa.53

Já em Barcelona, quando retornou a Espanha, em 1524, e ainda devotado às coisas espirituais, pôs-se a pregar publicamente e a divulgar os seus Exercícios

Espirituais. O pregador errante percebeu que a falta de uma educação formal era desvantajosa para alcançar seus intentos e, com quase 40 anos de idade, procurou adquirir estudo superior. Assim, logo que voltou da Terra Santa, começou a estudar latim na cidade de Barcelona. Dois anos depois, partiu para a Universidade de Alcalá e, em seguida, para a Universidade de Salamanca. A ousadia de suas pregações imediatamente chamou a atenção da Santa Inquisição, que cogitou ser Inácio um

alumbrado ou “iluminado”.54

53 Cf. MARTINA, Giacomo. História da Igreja: de Lutero a nossos dias. I – O Perído da Reforma. São Paulo:

Loyola, 1995. p. 229.

48

O movimento dos alumbrados teve grande repercussão na região de Castela na virada do século XV para o XVI. O termo era designado a indivíduos que praticavam e divulgavam isoladamente o cristianismo sem levar em consideração a hierarquia do clero romano ou das suas tradições. Inácio de Loyola levantou desconfianças causadas por suas pregações e pela divulgação dos seus Exercícios Espirituais. Essas denúncias resultaram no seu encarceramento por 42 dias. Depois de absolvido, passou pelo mesmo infortúnio quando viajou para Salamanca em busca do aprimoramento de sua formação. Novamente Inácio e seus Exercícios foram ilibados e, depois de 22 dias de encarcerado, ganhou a liberdade e recebeu autorização, até mesmo, para fazer suas pregações.

Influenciado pelo currículo da Universidade de Alcalá, de caráter mais humanista, entrou em contato com o movimento do humanismo Renascentista. Assim, dirigiu-se para a Universidade de Paris, um dos principais centros de estudos humanistas da Europa, por causa do patrocínio dado pelo monarca Francisco I para a divulgação do movimento em seu reino. Logo, aproximou-se do humanismo.

Em fevereiro de 1528, chegou a Paris. Nesse mesmo ano conseguiu ingressar no Colégio de Montaigu, onde alguns anos antes estudaram Erasmo de Roterdão e João Calvino. Posteriormente, mudou-se para o Colégio de Santa Bárbara. Em 1534, recebeu o grau de Mestre em Artes.55 No período em que estudou em Paris, Inácio travou conhecimento com jovens estudantes que junto a ele seriam fundadores da Companhia de Jesus. No Colégio de Santa Bárbara, por exemplo, conheceu Diego Laynez e Francisco Xavier, que foram seus companheiros de quarto. Alguns dos estudantes mais devotos sentiram o poder do carisma e a devoção cristã de Inácio, fazendo daquele veterano de longa experiência nas coisas espirituais o seu mentor. Muitos se tornaram praticantes dos seus Exercícios Espirituais. Desse cenáculo parisiense, surgiu o projeto da formação de uma ordem religiosa.

Assim, a semente do que seria a Companhia de Jesus nasceu em agosto de 1534, quando Inácio de Loyola e o núcleo de seus seguidores, todos eles ainda leigos, realizaram, na capela de Nossa Senhora na colina de Montmartre em Paris, os votos de pobreza, castidade, administração de sacramentos, além da promessa de irem à Terra Santa para converter os moradores. Os dez companheiros, além do próprio Inácio, eram os sabóios, Pedro Favre e Cláudio Lê Jay; dois franceses, Brouet e João Cordure;

49

e quatro espanhóis, Francisco Xavier, Diogo Lainez, Afonso Salmeron e Nicolau Afonso de Bobadilla; e o controverso português, Simão Rodrigues.56 Embora tenham recebido autorização do papa Paulo III (1534-1549) para realizar a viagem, a peregrinação à Palestina foi impossibilitada em razão dos endêmicos conflitos naquela região.

Obstinados em trabalhar pelo catolicismo romano, tendo em vista que Inácio e alguns dos companheiros de Montmartre já tinham sido ordenados sacerdotes, trocaram o plano anterior de viajar para a Palestina pela ideia de formar uma nova ordem religiosa. O projeto foi submetido à sanção do papa Paulo III em 1539 e logrou reconhecimento em 27 de setembro de 1540, oficializada na Carta Apostólica Regimi

militantis Ecclesiae. Nas Fórmulas da Companhia, aprovadas e confirmadas pelos papas Paulo III e Júlio III, ficou declarado o que deveria ser a missão da nova ordem, à qual seus fundadores batizaram de Companhia de Jesus, cujo membro seria denominado jesuíta. A opção pelo nome causou antipatia no círculo das ordens religiosas, pois a apropriação do nome Jesus foi considerada demasiada audaz e arrogante.

A base da organização dos padres estava assentada na disciplina e na obediência. A obediência era tão importante para a congregação que Loyola aconselhava aos jesuítas:

(...) deixar-se guiar e dirigir pela divina Providência, por meio do Superior como se fossem um cadáver que se deixa levar seja para onde for, e tratar à vontade; ou como o bordão de mesmo velho que serve a quem tem à mão, em qualquer parte, e para qualquer coisa em que o quiser usar. Assim o obediente deve fazer com alegria tudo àquilo em que o Superior o que quiser ocupar para ajudar todo o corpo da ordem.57

Daí surgiu o afamado lema da ordem, geralmente pronunciado em latim, que afirmava ter o jesuíta de viver “perinde ac cadaver” ou seja, “tal como um cadáver”. Apesar da impressão causada pelo conteúdo enfático da assertiva, vale lembrar que o seu cumprimento era apenas de jesuíta para jesuíta. A obediência não anulou os talentos individuais de muitos religiosos que foram formados nos quadros da Companhia. A lista de padres inacianos que se destacaram pelos seus talentos e feitos individuais na política é volumosa, tanto nas letras quanto ciências.

56 Cf. DICKENS. A. G. A contra-reforma. Lisboa: Verbo, 1972.

50

Além dos três votos obrigatórios a todas as ordens religiosas: pobreza, castidade e obediência, alguns jesuítas realizavam um quarto voto, o de obediência exclusiva ao pontífice, no que dizia respeito ao deslocamento às missões. Entre os jesuítas, havia diferentes graus, como, por exemplo, o professo de quatro votos, o professo de três votos e o coadjutor temporal. Os dois primeiros eram padres, o último ingressava como irmão leigo, sem receber ordens sacras.

Ao membro da Companhia de Jesus estava vetado ocupar qualquer cargo eclesiástico fora do quadro hierárquico da própria ordem. Jamais poderia ser bispo ou papa enquanto fosse membro da ordem. O quarto voto e a proibição de ocupar cargos seculares dentro da Igreja foram convenientemente interpretados pela Companhia de Jesus como Instituto que poderia agir livre da jurisdição episcopal, à qual, habitualmente, todos os católicos deveriam estar submetidos. Curiosamente, nas

Constituições ou na bula de aprovação não havia nenhuma menção explícita a essa prerrogativa. Por consequência, vários desentendimentos com bispos e arcebispos foram registrados na história da Companhia de Jesus, em diferentes partes do mundo, quando eles tiveram a autoridade desafiada e ignorada pelo Instituto de Loyola. Um dos primeiros desentendimentos entre ambas as jurisdições aconteceu exatamente na América Portuguesa, palco onde o atrito se repetiu inúmeras vezes, como veremos adiante.

O Instituto exortava os membros da congregação a observarem com rigidez os preceitos morais clericais, tais como o celibato e a pobreza individual, embora coletivamente pudessem possuir bens, desde que a aquisição atendesse à edificação da fé católica; a respeitarem o juramento de submissão e de obediência aos romanos pontífices; a responsabilizarem-se pela propagação da fé em regiões longínquas ou entre os gentios; a comprometerem-se pela catequese dos pagãos e pela renovação da Instrução dos já batizados; e, finalmente, no campo educacional, no qual a Companhia de Jesus tanto se destacou, permitiu-se à congregação fundar e gerir escolas e universidades, sendo que para sua fundação e manutenção, poderia receber doações de bens de raiz (bens imóveis), com autorização para produzir riquezas (a exemplo de fazendas produtoras de alimentos, gado, etc.), mas apenas para a manutenção daquele

51

propósito. Igualmente, o ensino seria gratuito e o reitor do colégio teria a obrigação de prover vestuário e alimentação para os alunos.58

Uma faceta interessante da Companhia de Jesus foi sua adequação, em muitos pontos, às transformações daquela contemporaneidade. A Companhia optou por uma espiritualidade mundana, atuante no espaço secular, impedindo seus membros de viver em mosteiros ou de levar uma vida contemplativa. Se os beneditinos ou cistercienses de tradição medieval e, portanto, de contemplação passiva, atuavam no meio rural, a Companhia de Jesus, ao contrário, teve predileção pelo espaço público, em conformidade com a proposta inaciana para o “(...) aperfeiçoamento das almas na vida e na doutrina cristãs, por meio de pregações públicas (...)”.59 Dessa forma, a instituição saiu do claustro e foi para as ruas.

Na Europa, em que a urbanização era a tendência, parecia lógica a opção da Companhia de Jesus em privilegiar seu desenvolvimento nas urbes, de tal forma que atuaria junto aos indivíduos com um maior dinamismo, em seu serviço filantrópico (hospitais e presídios), tal como reforçar seu tendente controle sobre as instituições universitárias, todas elas, ordinariamente, citadinas. Logo, os jesuítas viviam em “casas” ou em “colégios”, evitando os mosteiros ou conventos – típicos de regiões bucólicas. Para se ter uma ideia da opção urbana da Companhia de Jesus, quando os jesuítas se deslocavam para os meios rurais, aldeias ou vilas, era geralmente em caráter de missão – uma das preocupações da Igreja pós-Tridentina era reafirmar uma versão oficial do catolicismo em detrimento de práticas religiosas populares no espaço rural europeu, que cresciam por conta da ausência de clérigos ou pela sua má- formação. Os jesuítas, a exemplo de outras ordens, divulgavam a catequese naquele meio. 60 É curioso reparar que na América portuguesa, onde o ministério missionário jesuítico era mais desafiador, aconteceu o fenômeno contrário, com o isolamento dos missionários e seus catecúmenos em locais afastados dos colonizadores.

Loyola ainda lutou para criar uma ordem despojada de ornamentos. Cantar diariamente as Horas litúrgicas em coro, além da adoção de um vestuário padronizado era considerado por ele como embaraço para a boa execução dos ministérios da Companhia de Jesus, pautados na ação missionária. Nada obstante, o papa Júlio III

58 Cf. Fórmulas do Instituto da Companhia de Jesus. In: Constituições da Companhia de Jesus & normas

complementares. p. 29-36.

59 Ibid., p. 29.

60 MARTINA, Giacomo. História da Igreja: de Lutero a nossos dias. II – O absolutismo. São Paulo: Loyola,

52

(1487-1585), na carta apostólica de confirmação da ordem, a Exposcit Debitum, dada em 21 de julho de 1550, modificou a intenção original dos fundadores e exigiu a reincorporação dos aspectos supracitados, o que foi cumprido, mas houve alguma relutância.

Em 1547, com o início da redação das Constituições da Companhia de Jesus, pelo próprio Inácio, foi reafirmada a missão inicial da ordem e também a definição da sua organização interna, assim como os papéis a serem desempenhados pelos membros da congregação, dependendo da posição hierárquica e da função para a qual foram admitidos. No mais, a Companhia tinha uma administração centralizada na autoridade do Geral da ordem. Eleito pelo voto dos representantes das várias províncias, em Roma, cidade-sede da ordem, o Geral detinha poder absoluto e o seu parecer era definitivo. Por unanimidade de votos, foi eleito o primeiro-geral da