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Ao concluirmos esse trabalho, nos sentimos mais endividados com os autores do que quando o empreendemos, uma vez que, a preocupação com a obra de um autor (Mia Couto), pertencente a uma literatura que acabávamos de conhecer, nos desviou a atenção que deveríamos ter para com o outro – Guimarães Rosa. No entanto, isso não significa que conseguimos dar conta da obra do primeiro, pelo contrário: ao longo do trabalho, durante as leituras, as lacunas foram ficando cada vez maiores, pois sentimos que precisaríamos conhecer aquele país – Moçambique -, que os livros, por mais que seus autores se esforcem, não conseguem traduzir, mas apenas instigar o contato.

A obra que mais nos marcou foi a de Henry Junod, Usos e costumes dos bantu. Foi durante a leitura dessa obra, que percebemos que, para realizar um trabalho dessa envergadura, falar da cultura daquele povo e compará-la com a nossa, era necessária a vivência naquele meio. No entanto, diante da impossibilidade, fizemos o que foi possível.

No início desse trabalho, nós só tínhamos uma certeza: era a de que os dois autores utilizavam, na elaboração de seus textos, os elementos da tradição oral, porém, muitas dúvidas se ressaltavam no que se referia à distância entre eles, não somente no espaço, mas também no tempo. Logo de saída, descobrimos que na nossa cultura, apesar de resultante de imbricamentos que contemplam a cultura africana e, portadora de vários pressupostos que também fazem parte daquela, alguns valores são diferentes. Porém, uma semelhança se ressalta: o ponto de vista dos dois autores, uma vez que suas obras demonstram uma grande preocupação com a “modernização” de seus países.

A comparação entre Guimarães Rosa e Mia Couto foi muito instigante. Não analisamos suas obras no mesmo capítulo porque a nossa intenção era demonstrar como cada um utilizava esse recurso – a tradição oral -, bem como a maneira como suas obras repercutiram no meio literário e também, assinalar a importância dessa tradição, não somente para os autores, mas, principalmente para as comunidades de que elas fazem parte. Além disso, fez-se necessário enfatizar ainda, a questão da intertextualidade que permeia a literatura comparada em detrimento da influência, que

como já foi dito, foi tão recorrente nesses estudos e, com isso, deixar bem claro, que Mia Couto, na verdade não foi influenciado por Rosa, mas, através de sua obra, ao utilizar o mesmo estilo, tornou este seu “precursor”.

A escritura de Guimarães Rosa, que tantos estudos já propiciou, cada vez mais nos surpreende. Nesse trabalho descobrimos novas vertentes, como por exemplo, o trabalho que ele elabora, apropriando-se da lenda “O negrinho do pastoreio”, colhida por João Simões Lopes Neto, no Rio Grande do Sul, no interior do conto “O burrinho pedrês”. Descobrimos que o conto “Bicho mau”, retirado do volume de Sagarana, por não ter nada a ver com as demais histórias, na verdade, é caudatário dos mesmos pressupostos. Constatamos a preocupação do escritor com a “modernização” brasileira, naquele momento, na análise que realizamos em “São Marcos”, um dos contos também publicado em Sagarana. Além disso, descobrimos ainda, que na “cena” do julgamento, inscrita bem no meio da obra, Grande sertão: veredas, a carnavalização de que fala Bakhtin, ali se instaurou. Isso significa, que cada vez que se empreende um estudo sobre essa obra, mais ela se atualiza.

Trabalhar com a obra de Mia Couto foi muito interessante porque nos deu uma nova dimensão da criação literária e nos fez perceber que as escrituras, mesmo sendo oriundas de países diferentes, comungam sempre dos mesmos postulados que regem o seu discurso.

A escritura de Mia Couto, que apesar de recente, tantos estudos, também, já propiciou, nos abriu um vasto campo de possibilidades para se trabalhar com a tradição oral. Desde a primeira narrativa aqui analisada – “Afinal, Carlota Gentina não chegou de voar?”, publicada em uma de suas primeiras obras, Vozes anoitecidas, nos fez perceber os caminhos pelos quais o projeto estético do escritor estava enveredando. Uma narrativa que logo de saída nos apresenta uma personagem que nos mostra, senão a perda de sua identidade, pelo menos, a dicotomia ou mesmo pluralidade de culturas desse novo universo do qual faz parte e, a tentativa de entender os pressupostos da tradição sendo julgados por leis que desconhecem as suas. Essa situação se reverbera nas narrativas seguintes: “O adeus da sombra”, publicado em Estórias abensonhadas e n’A varanda do frangipani. Ali alcança uma dimensão que é como se a primeira narrativa tivesse sido apenas uma introdução, pois, a tradição é contemplada através de seus fragmentos. No entanto, esses fragmentos carregam em sua gênese uma ambigüidade: se por um lado o escritor não

recorre a seus postulados na íntegra, por outro nos remete a dizimação através da colonização, mas também, pelos horrores da guerra, que durante tantos anos assolou o país. Mas, é na obra; Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra, que o autor leva essa vertente ao seu ponto mais alto. Nessa obra, Mia Couto demonstra o imbricamento de culturas de uma forma mais abrangente, mais ampla e, com isso, consolida o seu projeto estético.

Comparar a obra de Mia Couto à de Guimarães Rosa foi instigante, porque nos levou a repensar a literatura em todos os seus âmbitos, principalmente nos pressupostos que regem a teoria literária e a literatura comparada, pois nos fez perceber a amplitude dessa arte diante do universo.

VI.- BIBLIOGRAFIA

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