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2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.3. Compartimentação ambiental

O zoneamento ambiental é um instrumento de planejamento que caracteriza e organiza o espaço geográfico, subsidiando a tomada de decisões que podem intervir, de modo significativo, no meio ambiente e na sociedade. Sua potencialidade faz com que seja, inclusive, utilizado pelo poder público brasileiro como instrumento legal de normatização da ocupação territorial (Lei Federal n.º 6.938/1981). A prática consiste na compartimentação da área estudada em subunidades homogêneas (unidades, zonas ou compartimentos) em cujos limites se constata homogeneidade interna, ou seja, estrutura e funcionamento semelhantes na escala de estudo. Os compartimentos são delimitados pela análise integrada de dados ambientais, pelo agrupamento de componentes, fatores e atributos ambientais que possuem alto grau de associação dentro de uma paisagem. Assim, os compartimentos delimitados

possuem diferenças significativas nas variáveis analisadas, ao passo que, dentro de um determinado compartimento, as mesmas variáveis não apresentam variações significativas (desde que respeitada a escala de estudo), ou seja, os compartimentos diferem entre si, mas são internamente homogêneos (SANTOS, 2004; SILVA et al. 2006).

A compartimentação e o diagnóstico dos compartimentos são obtidos pela análise integrada de vários aspectos do ambiente – realizada, basicamente, por meio de três métodos: a sobreposição de cartas temáticas sobre mesa de luz; a sobreposição de cartas temáticas com agregação de dados em um Sistema de Informações Geográficas (SIG); ou pela análise multivariada dos dados ambientais – sendo os dois últimos os mais utilizados atualmente, inclusive de foma complementar. Com o diagnóstico de cada compartimento, é possível identificar as respectivas potencialidades, vocações e fragilidades naturais, bem como as relações sociedade-economia-natureza, possibilitando o uso racional e planejado do território (SÁNCHEZ, 2008; SANTOS, 2004; SILVA et al. 2006; 2007).

Com a ênfase sobre heterogeneidade, representatividade e funcionalidade na Conservação Biológica, desde o fim dos anos de 1990, o zoneamento ou simplesmente a compartimentação ambiental têm sido utilizados como ferramentas subsidiárias do planejamento conservacionista por facilitar a alocação de reservas, a indicação de áreas prioritárias de conservação e áreas destinadas à recuperação ambiental (e.g. SCARAMUZZA

et al. 2005). A lógica que norteia o uso do zoneamento na conservação é de que a vegetação e

flora são produtos diretos da variação geográfica dos fatores ambientais, logo o mapeamento geográfico da heterogeneidade ambiental (habitats) pode apontar diferenças entre formações vegetais, fisionomias e mesmo comunidades biológicas, poupando os dispendiosos esforços dos levantamentos fitossociológicos em grandes extensões territoriais.

É conhecido que as espécies que possuem padrões de tolerância parecidos tendem a ocorrer associadas em determinado habitat, constituindo uma comunidade biológica, sendo esse “habitat” ocupado por uma comunidade denominada de biótopo (WHITTAKER et al. 1973). Considerando que os compartimentos ambientais delimitados no zoneamento podem constituir biótopos e abrigar até mesmo comunidades biológicas diferentes, Scaramuzza et al. (2005) executaram um trabalho pioneiro no Brasil no que diz respeito ao planejamento estratégico da conservação. Os autores buscaram contemplar, basicamente, três princípios ao planejamento da conservação: a representatividade, a funcionalidade e a eficiência. Pela sobreposição de cartas temáticas de formações vegetacionais e unidades geomorfológicas, os pesquisadores delimitaram 96 unidades fitogeomorfológicas, com condições geoambientais e comunidades biológicas distintas no Estado de Goiás. Simultaneamente, foi estudado o grau

de conservação dos fragmentos de vegetação nativa e sua respectiva vulnerabilidade. Com base nesses dados, no mapeamento das unidades de conservação já implementadas e nos padrões de uso do território, os autores implementaram um sistema de suporte à tomada de decisões e propuseram um plano de manejo com novas áreas prioritárias, áreas de restauração e corredores ecológicos, contemplando todas as zonas.

O trabalho de zoneamento pioneiro no Ceará foi a “Compartimentação Topográfica do Ceará” (SOUZA et al. 1979), que serviu de subsídio a trabalhos posteriores como a compartimentação territorial do Estado (LIMA et al. 2000). Com o intuito de indicar diretrizes de utilização do solo no Estado, Souza et al. (1979) o compartimentaram em nove unidades (Tabela 1) – procedimento para o qual levaram em conta aspectos do relevo, altitude e clima e suas respectivas implicações sócio-econômicas.

Tabela 1. Extensão territorial dos compartimentos topográficos do Estado do Ceará.

Unidades Área (km²) Área (%)

1 Planície litorânea 746 0,50 2 Tabuleiros sub-litorâneos 14.484 9,79 3 Depressão sertaneja 101.992 68,91 4 Chapada do Apodi 2.146 1,45 5 Chapada do Araripe 2.586 1,75 6 Planalto da Ibiapaba 8.014 5,41

7 Maciços residuais cristalinos 11.402 7,70 8 Cristas residuais e inselbergs 2.306 1,56

9 Planícies fluviais 4.340 2,93

TOTAL 148.016 100,00

FONTE: Souza et al. (1979).

A compartimentação topográfica evoluiu para a “Compartimentação Territorial do Ceará” (LIMA et al. 2000) – um esboço de zoneamento geoambiental no qual os autores dividem o Estado em 20 unidades geoambientais. Trata-se de um estudo multidisciplinar mais profundo que a compartimentação topográfica, levando em conta, além dos aspectos físicos do ambiente, aspectos morfogenéticos, pedológicos, biológicos e socioeconômicos – possibilitando a análise do potencial geoambiental, limitações de uso dos recursos, vulnerabilidade ambiental e vocação econômica sustentável para cada uma das 20 unidades. A compartimentação territorial então subsidiou estudos mais detalhados como o “Zoneamento Geoambiental do Ceará” (FUNCEME, 2006), o zoneamento ecológico-econômico do Estado (ainda em execução), além de trabalhos de menor amplitude geográfica como o Diagnóstico da Zona Costeira (CAMPOS et al. 2003), e o Zoneamento Ecológico-Econômico do Açude Castanhão (CEARÁ, 2006).

Apesar de o zoneamento proporcionar uma abordagem conservacionista muito mais completa e de o poder público vir se utilizando dele como instrumento legal para o planejamento de ações e políticas públicas relativas à industria, comércio, turismo, agropecuária, etc. (SCARAMUZZA et al. 2005), o zoneamento ainda não foi utilizado como ferramenta de planejamento da conservação no Ceará, e poucos estudos acadêmicos têm sido realizados no intuito de subsidiar sua incorporação ao planejamento conservacionista no Estado. Apenas um estudo (ARAÚJO et al. 2003) analisou os padrões biogeográficos existentes na compartimentação ambiental estadual. Os autores analisaram a composição florística dessas unidades geoambientais por meio de Análise de Agrupamento, e constataram a existência de cinco grandes grupos florísticos bem definidos, associados a diferentes compartimentos geoambientais do Estado do Ceará: Cuesta da Ibiapaba, Chapada do Araripe, Depressão Sertaneja, Maciços Cristalinos e Planície Litorânea (Figura 5; Quadro 5).

Figura 5. Similaridade entre floras de diferentes unidades geoambientais do Estado do Ceará ao nível de 25% do índice de similaridade de Jaccard. FONTE: Adaptado de Araújo et al. (2003).

Uma vez que esses compartimentos diferem quanto a relevo, solos e clima (Quadro 5) e que esses fatores têm importante papel da distribuição dos seres vivos e dos processos ecológicos (como visto no tópico anterior) – o agrupamento obtido por Araújo et

al. (2003) sugere que a compartimentação geoambiental do Estado esteja relacionada com

uma possível compartimentação da biodiversidade.

Unidade Geoambiental Relevo Geologia Vegetação analisada Tipo Climático Cuesta da Ibiapaba Planalto Sedimentar Mata úmida/seca Tropical (sub)quente úmido Chapada do Araripe Planalto Sedimentar Mata úmida/seca Tropical quente subúmido Depressão sertaneja Depressão Cristalino Caatinga Tropical quente semi-árido Planície litorânea Planície Sedimentar Complexo veg. litorâneo Tropical quente semi-árido brando Maciço de Baturité Planalto Cristalino Mata úmida/seca Tropical (sub)quente úmido Quadro 5. Características das unidades geoambientais analisadas por Araújo et al. (2003). FONTE: Ceará (2009).

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