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A maioria das blendas desenvolvidas é imiscível, gerando morfologias de fases segregadas. Como uma maneira de superar este inconveniente, técnicas de compatibilização foram desenvolvidas com o intuito de aprimorar as propriedades da mistura de polímeros imiscíveis, atingindo características desejáveis para seu emprego comercial. De uma maneira geral, o uso de compatibilizantes em blendas poliméricas visa promover um melhor desempenho dos polímeros envolvidos através de uma dispersão adequada da

morfologia de fases, homogeneização e estabilização desta morfologia, além de uma adesão forte entre as fases quando no estado sólido.

Tradicionalmente, a compatibilização de blendas poliméricas imiscíveis se dá pelo uso de copolímeros em blocos [30] ou enxertados [31] contendo segmentos com afinidade físico-química com cada uma das fases da blenda (Figura 2.5). A compatibilização por copolímeros pode seguir por duas rotas, sendo elas ou física ou reativa. A compatibilização física ocorre por meio do emprego de um compatibilizante previamente sintetizado, que deve difundir pela massa polimérica para chegar à interface das fases. Outra possibilidade é a compatibilização reativa, em que o compatibilizante é formado in-situ, ou seja, durante o processamento, sendo que nesta situação os polímeros da blenda devem possuir essencialmente grupos funcionais para que haja reação entre os mesmos para formação das moléculas do compatibilizante. [32]

Figura 2.5 - Compatibilização de uma blenda polimérica imiscível empregando copolímeros em bloco (a) e enxertados (b). [33]

Os compatibilizantes poliméricos atuam por meio de três mecanismos, redução da tensão interfacial, supressão do processo de coalescência e aumento da adesão interfacial.

O mecanismo de abaixamento da tensão interfacial em blendas poliméricas imiscíveis por compatibilizantes poliméricos ocorre com o fluxo polimérico convergindo o compatibilizante para as extremidades da partícula,

gerando um gradiente de tensão interfacial ao longo da superfície da partícula, favorecendo o mecanismo de quebra da partícula chamado tip streaming (Figura 2.6). [34]

Figura 2. 6 - Representação esquemática do abaixamento da tensão interfacial em blendas poliméricas imiscíveis mostrando o deslocamento das moléculas poliméricas do compatibilizante para as extremidades da partícula sob ação de fluxo extensional (a) e cisalhante (b) com consequente quebra da partícula pelo mecanismo denominado tip streaming (c). [34]

O mecanismo de supressão da coalescência das partículas de fase dispersa de blendas poliméricas imiscíveis por compatibilizantes poliméricos pode ser explicado por duas vias, uma na qual há uma imobilização da interface decorrente da formação de tensões devido ao gradiente de tensão interfacial ou pela repulsão elástica devido à compressão das cadeias de copolímero (Figura 2.7).

Figura 2.7 - Representação esquemática do processo de inibição da coalescência em blendas imiscíveis com a presença de moléculas do compatibilizante na interface resultando em imobilização interfacial (a) e repulsão elástica (b). [34]

Além destes mecanismos, as moléculas do compatibilizante, localizadas na interfase da blenda, possibilitam o entrelaçamento molecular entre as fases, o que leva ao aumento da adesão interfacial, resultando na melhoria da transferência de tensões e, portanto, no desempenho mecânico da blenda.

Contudo, apesar da ampla utilização de compatibilizantes poliméricos em blendas poliméricas imiscíveis, tanto do ponto de vista científico como industrial, existem alguns inconvenientes como, por exemplo, a presença residual de micelas do compatibilizante dentro das fases da blenda decorrente do processo de dessorção na interface em processos com alto cisalhamento, resultando em baixas propriedades mecânicas na blenda. [12] Para superar este fato, muitas pesquisas focaram em novos métodos e materiais que pudessem atuar como compatibilizantes interfaciais, sendo a dispersão seletiva de nanopartículas sólidas uma alternativa bastante atrativa. Estudos realizados em emulsões de fluidos Newtonianos confirmavam sua capacidade de estabilização das partículas de fase dispersa, atuando basicamente como surfactantes. Este conceito foi aplicado para blendas poliméricas, produzindo resultados promissores para a estabilização destes materiais. Por se tratar do foco deste trabalho, o processo de compatibilização empregando partículas sólidas será abordado à frente com maior detalhamento.

A maioria dos estudos empregando nanopartículas inorgânicas para estabilização de interfaces se concentra no campo de emulsões de baixa viscosidade. Há mais de um século, Ramsden [17] e Pickering [18] observaram que emulsões de óleo/água poderiam ter uma melhoria em sua estabilidade à coalescência com o emprego de partículas sólidas (partículas da ordem de 1 nm à 1 m), denominadas posteriormente como Pickering Emulsions. Da mesma maneira que ocorre com os surfactantes, as partículas sólidas devem estar adsorvidas na superfície das gotas para atuarem como estabilizantes. Contudo, diferentemente dos surfactantes que necessitam ter um caráter anfifílico para isso, a adsorção das partículas sólidas na superfície dos líquidos ocorre por meio de um molhamento parcial destas partículas por ambos os fluidos no qual estão imersas. A Figura 2.8 ilustra esta diferença. [35]

Figura 2.8 - Representação esquemática de emulsões de óleo em água estabilizada por surfactante (a) e por partícula sólida (Pickering Emulsion) (b).

Tambe e Shamrma em 1994 [19] observaram que o efeito de supressão de coalescência em emulsões era intensificado com o aumento da concentração de partículas de negro de fumo ou de sílica. Com isso os pesquisadores concluíram que o processo de estabilização de emulsões ocorre por meio de um impedimento estérico entre os fluidos e depende em parte da formação de uma camada suficientemente densa das partículas sólidas no entorno das gotas.

Outros pesquisadores como Binks e Lumsdon [36] estudaram extensivamente a estabilização bem como a inversão de fases de emulsões óleo-água contendo nanopartículas de sílica. Em seus resultados ficaram evidentes que emulsões tornavam-se estáveis à coalescência com a adsorção das nanopartículas na interface dos meios, além de haver uma maior resistência à sedimentação das gotas de água com o aumento de concentração das nanopartículas, por conta de uma maior viscosidade da fase contínua (óleo). Os autores ainda ressaltaram a importância do parâmetro de molhamento como peça chave para se determinar o posicionamento das partículas na interface das emulsões e, assim, promover sua estabilização contra a coalescência.

A Equação 2.8 descreve as variáveis envolvidas para determinação do parâmetro de molhamento (ω) de uma partícula sólida imersa numa mistura imiscível de dois líquidos, também conhecido como ângulo de molhamento

(Ɵw), sendo que γS-2 e γS-1 representam, respectivamente, a tensão interfacial

entre a nanopartículas e o meios 1 e 2, e γ1-2 é a tensão interfacial entre os

fluidos 1 e 2:

(2.8)

Como resultado da Equação 2.8 três possibilidades de posicionamento da partícula sólida são possíveis. Se ω > 1 as partículas sólidas ficarão retidas no meio 1, ao passo que para ω < -1 as partículas ficarão retidas no meio 2. Já para valores de parâmetro de molhamento no intervalo ≤ ω ≤ as nanopartículas ficam na interface e dessa maneira podem atuar na estabilização de emulsões. Para valores de Ɵw ≈ 90°, ou seja, ω = 0 a energia

necessária para remover as partículas desta interface seria da ordem de milhares de vezes o valor de k.T (k: Constante de Boltzmann e T: temperatura) e consequentemente esta adsorção pode ser considerada um fenômeno irreversível. [33] A Figura 2.9 revela possíveis situações onde partículas com diferentes características superficiais atuam estabilizando emulsões.

Figura 2.9 - Estabilização de emulsões por meio de partículas sólidas com características superficiais distintas.

No campo de blendas poliméricas imiscíveis, o emprego de partículas sólidas como compatibilizantes ocorre por meio de um balanço complexo entre forças termodinâmicas e cinéticas. De um ponto de vista termodinâmico o

posicionamento das partículas sólidas é guiado por variáveis como tensão superficial e parâmetro de molhamento, semelhante ao comportamento observado em emulsões de baixa viscosidade. Contudo, devido à alta viscosidade apresentada por polímeros fundidos, o equilíbrio termodinâmico é somente alcançado através de longos períodos de tempo, sendo os fatores cinéticos relativamente importantes para posicionamento e distribuição das partículas sólidas em uma mistura de polímeros. Estes fatores por sua vez sofrem influência de variáveis de processamento como, por exemplo, sequência de mistura, tensões de cisalhamento, tempo de mistura; de características dos polímeros como razão de viscosidade; ou de parâmetros específicos da carga, como tamanho, formato e química de superfície. [13]

Os estudos da utilização de nanopartículas como compatibilizantes de blendas poliméricas são relativamente recentes, embora o emprego de partículas sólidas em polímeros seja uma técnica comum e extensamente utilizada tanto para elastômeros quanto para materiais termoplásticos. O propósito inicial de incorporação de partículas em polímeros remete a busca por maior desempenho no produto final, como maior condutividade elétrica, ou melhora no desempenho mecânico. Neste momento as dimensões das partículas tradicionalmente adicionadas como talco, carbonato de Cálcio e Sílica eram da ordem das partículas de fase dispersa poliméricas, de maneira a não ocasionar mudanças significativas na morfologia da blenda. Entretanto ao se incorporar partículas nanométricas de negro de fumo, foram identificadas mudanças na morfologia final da blenda, uma vez que estas partículas com dimensões reduzidas tendem por dispersão seletiva se posicionar em diferentes fases da blenda ou até mesmo na interface. [10]

As alterações morfológicas ocasionadas pelo emprego de partículas sólidas foram avaliadas por muitos pesquisadores. Maiti e colaboradores [37] estudaram a distribuição de negro de fumo e sílica em uma blenda de borracha nitrílica (NBR) com borracha natural epoxidada (ENR). Entre as constatações, os pesquisadores evidenciaram que as nanopartículas de sílica migravam preferencialmente para a fase ENR, sendo atribuído este fato à baixa

viscosidade da ENR e as interações físicas entre os grupos epóxi da borracha com os grupos silanol da sílica.

Em 2001 Clarke e colaboradores [38] estudaram os efeitos morfológicos gerados por negro de fumo em uma blenda de borracha natural (NR) e borracha nitrílica (NBR). Foi evidenciado que, as partículas de negro de fumo possuem um alto potencial para atuarem como compatibilizantes quando posicionadas na interface da blenda. Além disso, evidenciaram que a quantidade de negro de fumo disponível na interface era influenciada pela incorporação preferencial no elastômero de menor viscosidade, uma vez que existe maior mobilidade das partículas sólidas para realizarem sua migração para a fase de maior afinidade.

Em diversos estudos, foi constatado que a química de superfície presente nos diferentes tipos de partículas sólidas possui forte influência sobre sua localização na blenda e por consequência em sua atuação como compatibilizante. Neste contexto, as partículas de Sílica ganharam destaque diante de sua versatilidade em possuírem diferentes comportamentos, ora hidrofílico ou hidrofóbico, dependendo do tratamento superficial ao qual a partícula foi submetida.

Elias e colaboradores [8,9] avaliaram as características morfológicas e reológicas de blendas poliméricas imiscíveis carregadas com nanopartículas de sílica com diferentes características superficiais. Em seu estudo realizado em 2007, foi empregada uma blenda de polipropileno e poliestireno (PP/PS) com composição 70/30 em massa com dois tipos de nanosílica, uma hidrofílica (sem tratamento superficial) e outra hidrofóbica (com tratamento superficial com hidrocarboneto). Nesse trabalho diferentes protocolos de mistura foram adotados com intuito de se evidenciar a dispersão seletiva das partículas de nanosílica nas fases de maior afinidade. Foi constatado misturando-se os três componentes simultaneamente (PP/PS/Sílica), que as partículas com caráter hidrofílico se concentravam na fase de poliestireno ao passo que a sílica hidrofóbica se concentrava na interface e parte da matriz de polipropileno. Em um segundo momento foi realizada uma mistura prévia de um dos polímeros com as partículas inorgânicas (PP/Sílica ou PS/Sílica) e posterior mistura à

fase dispersa polimérica, observando-se a migração da partícula de uma fase de menor afinidade para outra de maior afinidade. Este fato ficou evidente com o emprego da sílica hidrofílica previamente dispersa em PP, e que após a etapa de processamento estava concentrada na fase de PS, o que evidencia que o sistema teve tempo suficiente para alcançar seu estado de equilíbrio termodinâmico. Além deste fato, os autores concluíram que as partículas hidrofóbicas retidas na interface da blenda, atuaram com uma espécie de ―concha‖ protetora, prevenindo a coalescência das partículas de poliestireno.

Em 2014 Parpaite e colaboradores [12], realizaram estudos incorporando nanopartículas de sílica com características superficiais distintas, em uma blenda de poliestireno com poliamida 6 (PS/PA6). Os resultados de microscopia óptica e eletrônica de varredura corroboraram os cálculos de posicionamento por meio do parâmetro de molhamento. Além disso, foi evidenciado que a sílica retida na interface da blenda conferiu maior adesão às fases presentes e suprimiu o processo de coalescência das gotas de PA 6.

Embora muitos trabalhos exibam resultados que evidenciem a ocorrência de compatibilização por meio de partículas sólidas, os mecanismos envolvidos em tal processo ainda são fato de grande discussão. As partículas atuam de maneira geral reduzindo a tensão interfacial entre os meios e por consequência auxiliam na cominuição das partículas durante o processamento. Além desse fato, também auxiliam na supressão da coalescência das gotas, estabilizando a morfologia da blenda.

O que é consenso entre os autores é de que o posicionamento das partículas sólidas tem forte influência em sua capacidade de atuarem como compatibilizantes, devendo estar preferencialmente na interface da blenda. Esta segregação por sua vez pode ser prevista por meio do parâmetro de molhamento, embora os valores de tensão interfacial polímero-partícula obtidos são muitas vezes pouco precisos principalmente para a situação de temperaturas mais elevadas. Outro consenso para ocorrência de compatibilização é de que estando na interface, estas partículas atuem como uma barreira sólida à coalescência das gotas de fase dispersa que ao terem sua concentração aumentada levam a uma redução da energia interfacial

aparente e assim favorecem a formação de uma morfologia de fase dispersa com maior refinamento.

Embora o aumento da adesão interfacial seja um indício de maior compatibilidade entre os polímeros, tal fato ainda deve ser avaliado com certo cuidado. Isto se deve ao fato de que as avaliações de adesão interfacial serem em sua maioria realizadas de maneira indireta por meio de ensaios mecânicos. [10,13]

A partir de um ponto de vista de engenharia, a compreensão dos fenômenos termodinâmicos e cinéticos envolvidos na dispersão e localização de partículas inorgânicas, bem como sua influência sobre a morfologia da blenda formada são bastante relevantes para o desenvolvimento de materiais mais eficientes.

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