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1.3 Os Tribunais de Contas no exame dos atos e contratos para Compras Públicas

1.3.2 Competência das Cortes de Contas para o exame dos atos de licitação e para

No Brasil, as Cortes de Contas procedem à análise de legalidade dos atos administrativos – a exemplo dos editais de licitação, sobre os quais estão autorizadas a assinar prazo para que os gestores públicos elidam eventuais irregularidades detectadas – podendo, para tanto, impugnar tais atos ou até mesmo sustá-los, com a comunicação ao Poder Legislativo respectivo, tal como prevê o art. 71, IX e X, da CRFB.158

A competência sobre a matéria em destaque é comum a todos os TCs brasileiros porque o dispositivo constitucional referenciado foi reproduzido pelo Poder Constituinte Derivado Decorrente, que, nas palavras de Cruz, destina-se à “[...] elaboração das constituições dos Estados federados e das leis orgânicas dos Municípios”.159 A exemplo, tem-se a previsão do art. 47, VIII, § 1º, da Constituição do Estado de Rondônia;160 e, ainda, as Leis Orgânicas dos Municípios que contêm esses órgãos de controle.

158 “Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: [...] IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade; X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal; XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados. [...] § 1º No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis. § 2º Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito [...]”. BRASIL. Constituição da

República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 10 jun. 2019.

159 O “[...] Poder Constituinte Derivado é instituído pelo Poder Constituinte Originário, que instituiu a Constituição [...]”. CRUZ, Paulo Márcio. Política, poder, ideologia e Estado contemporâneo. 3ª ed. (ano 2002), 1ª tir/Curitiba: Juruá, 2003, p. 79-80.

160 “Art. 49. O controle externo, a cargo da Assembleia Legislativa, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado, ao qual compete: [...] VIII - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada a ilegalidade, sustando, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Assembleia Legislativa. § 1°. No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pela Assembleia Legislativa, que solicitará de imediato, ao Poder respectivo, as medidas cabíveis. § 2°. Se a Assembleia Legislativa ou o Poder respectivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito”. RONDÔNIA. Constituição do

Estado de Rondônia (CE/RO). Disponível em:

Além da análise de atos licitatórios, os TCs também detêm a competência constitucional para examinar as regulares execução e liquidação das despesas efetivadas com aquisições de bens, ou a contratação de serviços e obras, estes que comumente necessitam da celebração de contratos administrativos pelas Administrações Públicas, diretas e indiretas, de quaisquer dos Poderes da União, dos Estados ou dos Municípios, conforme estabelece o art. 71, XI, §§ 1º e 2º, da CRFB.

Nesses casos, a fiscalização da entrega dos objetos ou da execução dos serviços e obras, dispostos nos contratos administrativos, é realizada por meio de auditorias, conforme os regramentos dispostos nas Leis Orgânicas e nos Regimentos Internos das Cortes de Contas.

Nas auditorias é aferido se as condições encontradas, relativamente à entrega de bens, à prestação de serviços ou à construção de obras de arquitetura e engenharia, são compatíveis com os critérios definidos no ato de licitação; e, acaso não o sejam, os TCs emitem recomendações e determinações de fazer aos administradores públicos para que realizem o saneamento das inconsistências.

Portanto, detectada irregularidade grave ou não saneados os vícios levantados na auditoria, os TCs podem representar ao Poder Legislativo – respectivo à esfera de sua competência – para que este adote as medidas cabíveis; e, em caso de omissão, as Cortes de Contas também devem decidir pela sustação dos contratos administrativos que apresentem ilegalidade.

Por conseguinte, tem-se que os ilícitos administrativos que ensejam a atuação dos TCs, como será disciplinado ao longo deste estudo, podem revelar máculas a impedir o cumprimento do princípio da sustentabilidade nas licitações e nas contratações públicas.

Nesse particular, mostra-se premente a atuação dos TCs, como órgãos integrantes do Poder Público, por exemplo, para garantir a obtenção da proposta mais vantajosa ao ente contratante (art. 5º da nova Lei de Licitações, com previsão

anterior no art. 3º da Lei n. 8.666/93 e no art. 31 da Lei n. 13.303/16),161 a qual, necessariamente, deve ater-se ao atendimento dos anseios sociais e propiciar um meio ambiente ecologicamente equilibrado, tudo em benefício do bem-estar das presentes e das futuras gerações de vida na Terra.

Por esta ótica, ao tratarem do tema “Cidades sustentáveis e o direito à água”, Souza e Albino destacaram que “[...] faz-se necessário a criação, o desenvolvimento e a implementação eficaz de políticas públicas reais e efetivas [...], [...] aliados à rigorosa fiscalização pelos órgãos competentes”.162

Frente ao descrito, já é possível perceber que as Cortes de Contas devem efetivamente contribuir – com medidas fiscalizatórias sobre os atos e os contratos administrativos emitidos ou formulados pela Administração Pública de quaisquer dos Poderes – no sentido da implementação da sustentabilidade nas dimensões ambiental, social e econômica, pois contêm a devida autorização constitucional para tanto.

No cerne, é por bases constitucionais e legais que se defende a competência fiscalizatória das Cortes de Contas em matéria de sustentabilidade.

161 “Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento

nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de

1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro)”. (Sem grifo no original). BRASIL. Lei n.

14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm>. Acesso em: 05 abr. 2021. “[...] Art. 31. As licitações realizadas e os contratos celebrados por empresas públicas e sociedades de economia mista destinam-se a assegurar a seleção da proposta mais vantajosa, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto, e a evitar operações em que se caracterize sobrepreço ou superfaturamento, devendo observar os princípios da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da eficiência, da probidade administrativa, da economicidade, do desenvolvimento nacional sustentável, da vinculação ao instrumento convocatório, da obtenção de competitividade e do julgamento objetivo”. (Sem grifo no original). BRASIL. Lei n. 13.303, de 30 de julho de 2016. Dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa

pública, da sociedade de economia mista. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13303.htm>. Acesso em: 21 jun. 2019.

162 SOUZA, Maria Cláudia da Silva Antunes de; Albino, Priscilla Linhares. Cidades sustentáveis e

o direito à água: como garantir o direito humano fundamental à água em meio à crise hídrica. In:

SOUZA, Maria Cláudia da Silva Antunes de (Org.). Sustentabilidade e Meio Ambiente relação multidimensional. Lumen Juris: Rio de Janeiro. 2019. p. 43-56.

Assim, não se pode suprimir uma atuação que visa à preservação da vida no planeta163 (questão maior),164 em face de discussões no campo da competência (questão menor), pois os TCs se integram como sustentáculos para o exercício do controle externo na busca da implementação de práticas e políticas públicas de governança e de sustentabilidade, tal como tratar-se-á ao longo desta pesquisa.

Com isso, compreende-se que os TCs detêm competência,165 em matéria de exame de atos de licitação e da fiscalização de contratos administrativos, por auditoria, sobre toda a Administração Pública.

Por essa ótica, cada Tribunal – exercendo seu papel na esfera que lhe é peculiar, inclusive, podendo existir a troca de experiências positivas entre eles para o aumento da governança – revela-se como salutar na atuação integrada para uma melhor orientação da atividade de controle externo sobre a legalidade e a legitimidade desses atos e contratos.

163 Segundo Garcia e Souza, “é imperativo o controle do desenvolvimento, sua limitação a um nível de racionalidade que permita a manutenção da qualidade de vida e possibilite essa mesma qualidade a todos, sem comprometer os recursos não renováveis, reduzindo o nível de contaminação a fim de evitar o comprometimento da vida humana no planeta”. GARCIA, Denise S. Siqueira; SOUZA, Maria Cláudia S. Antunes de. Direito ambiental e o princípio do

desenvolvimento sustentável. Revista Eletrônica Direito e Política, Itajaí, v.2, n.2, 2º quadrimestre

de 2007. ISSN 1980-7791. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica. Acesso em: 26 maio 2021.

164 No art. 7º do Programa de Ação (2014-2020), a União Europeia descreveu um “[...] Environment Action Programme to 2020 – ‘living well, within the limits of our planet’”. Programa de Ação em matéria de meio ambiente para 2020 – ‘viver bem, nos limites do nosso planeta’ (tradução livre). Hoje já se questiona se, em 2050, viveremos bem, nos limites ecológicos do planeta. EUROPEAN UNION. Decision n. 1386/2013/EU of the European Parliament and of the Council of 20 November 2013 on a General Union Environment Action Programme to 2020 ‘Living well, within the limits of our planet’ Text with EEA relevance. Disponível em: <http://data.europa.eu/eli/dec/2013/1386/oj>. Acesso em: 14 jul. 2019

165 Competência ou jurisdição especial de contas, entenda-se para a apreciação de atos e contratos administrativos, a qual não se confunde com a função jurisdicional típica do Poder Judiciário. Nessa linha, tem-se o conceito de Tribunal de Contas disposto por Nascimento. Veja-se: “[...] órgão que atua na linha auxiliar do Poder Legislativo, no exercício constitucional do controle externo. Dotado de autonomia financeira, técnica e administrativa, executa atividade de natureza meramente administrativa, em face da unicidade de jurisdição contemplada pelo direito positivo brasileiro. Assim, suas decisões não têm caráter jurisdicional, como aliás já tem decidido o Supremo Tribunal Federal”. NASCIMENTO, Carlos Valder do. Curso de Direito Financeiro. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 164.

Diante do exposto, restam estabelecidas a competência e a esfera de atuação dos TCs, tendo como norte primário a garantia de concretização da sustentabilidade nas compras e contratações do Poder Público.

1.4 Atuação dos Tribunais de Contas diante da força normativa do Princípio da