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2. Enquadramento teórico

2.3. Competência Metafórica

No âmbito da Linguística Cognitiva apresentado, defende-se que linguagem e cognição não podem ser dissociadas, bem como se constata que a linguagem figurada é um mecanismo essencial para concetualizarmos e expressarmos as nossas ideias, principalmente as mais complexas. Assim, pressupõe-se que qualquer falante necessite de compreender e utilizar metáforas no seu dia-a-dia, uma vez que estas estão presentes de forma predominante no pensamento e na linguagem do quotidiano.

À capacidade de entender e usar metáforas na comunicação natural damos o nome de competência metafórica (Danesi, 1993). Esta competência é essencial para que qualquer falante seja fluente numa língua e consiga comunicar de forma concetualmente adequada. Para Littlemore e Low (2006), a competência metafórica tem um papel preponderante em todas as áreas da competência comunicativa, contribuindo para a construção da gramática, a capacidade de textualização, a adequação sociolinguística e de outras competências estratégicas.

Como referido por diversos investigadores (Danesi, 1993; Littlemore e Low 2006; Batoréo, 2015), a competência metafórica é um termo muito amplo que implica a capacidade individual de compreender e usar mecanismos cognitivos relativos à linguagem figurada numa determinada língua no seu contexto natural. A competência metafórica integra a consciência metafórica e estratégias para compreender e criar metáforas e encontra-se permanentemente em desenvolvimento, graças à expansão do conjunto de metáforas concetuais dominadas pelo falante (Aleshtar e Dowlatabadi, 2014).

Sendo a competência metafórica uma competência complexa e abrangente, ela acarreta a capacidade de:

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i) distinguir diferentes domínios conceptuais (que podem servir ora como a Origem ora como o Alvo da projecção metafórica);

ii) conseguir diferenciar o papel dos domínios em línguas diferentes;

iii) saber reconhecer a linguagem metafórica usada por comunidades linguísticas (tanto a linguagem convencional como a criativa), típicas de uma dada cultura, e procurar entender a sua (parcial) motivação na criação da linguagem figurada;

iv) saber construir e criar metáforas culturalmente enraizadas em culturas diferentes, utilizando expressões figuradas e/ou fixas;

v) estar disponível para a reestruturação conceptual que a competência metafórica numa língua nova exige.

(Batoréo, 2018: 9)

Intrinsecamente relacionado com a competência metafórica, surge o conceito de fluência concetual, como sendo a capacidade de compreender e produzir imagens verbais compartilhadas por uma sociedade integrada numa determinada cultura (Batoréo, 2015). Segundo Danesi (1995), ser fluente concetualmente implica saber como uma língua reflete e codifica os seus conceitos, construindo, assim, a sua rede concetual metafórica.

Uma vez que a competência metafórica é um requisito indispensável para qualquer falante fluente, é necessário que a aquisição/aprendizagem de uma língua contemple o desenvolvimento desta competência. Neste sentido, um falante não-nativo, durante o processo de aquisição/aprendizagem de uma língua nova, necessita de se reestruturar concetualmente para não correr o risco de comunicar de forma desadequada. Se o falante não transformar a sua rede concetual, isto é, se comunicar na língua não-materna continuando a utilizar o sistema concetual da sua língua materna, podem surgir situações comunicativas onde não há a compreensão da mensagem pelo interlocutor nativo. Se tomarmos como exemplo o levantamento lexicográfico realizado (cf. anexos 1 e 2), um falante nativo de alemão, ao querer comunicar em português a ideia subjacente à expressão figurada ‘tirar o tapete debaixo dos pés’, pode cair no erro de traduzir literalmente a expressão alemã e dizer ‘tirar o chão debaixo dos pés’ (jemanden den Boden unter den Füßen wegziehen). Apesar de, neste caso, devido à semelhança concetual e lexical de ambas as expressões, o interlocutor poder compreender a ideia veiculada, a situação poderia ser risível e causar desconforto para o falante não-nativo. Por sua vez, há situações em que a discrepância concetual entre as duas línguas é tal que não permite a

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lexicográfico, poderíamos imaginar quão desadequado seria um falante alemão dizer em português ‘ele recebeu os pés frios’ (uma tradução à letra de: kalte Füße bekommen) para transmitir a ideia de que alguém está com medo.

Tal como apontam Yu (2007 apud Batoréo, 2015) e Batoréo (2015) a não compreensão pelo falante da necessidade de se restruturar concetualmente, quando comunica numa língua não-materna, conduz a uma verbalização na língua alvo, mobilizando conceitos já estabilizados da língua materna. Este fenómeno pode acarretar situações comunicativas desadequadas e, até mesmo, a não compreensão da mensagem transmitida.

Assim, ao adquirirmos/aprendermos uma nova língua,

“é indispensável aprender não apenas as construções e expressões de um sistema diferente do da sua língua materna, mas perceber, sobretudo, como elas são conceptualizadas na cultura de um outro povo pela sua tradição e pelos séculos da sua história, procurando reestruturar-se cognitivamante e não apenas revestir os conceitos de uma língua particular com as construções linguísticas e material lexical da outra.”

(Batoréo, 2015: 14)

Dado que a competência metafórica está intrinsecamente relacionada com a forma como uma cultura organiza concetualmente a sua realidade (Danesi, 1995), é necessário que um falante competente metaforicamente tenha uma compreensão e conhecimento culturais abrangentes, que é um processo que exige tempo e esforço no caso de uma língua não- materna (Aleshtar e Dowlatabadi, 2014). Tal como aponta Yu (2007: 83 apud Batoréo, 2015: 6)4,

“a aquisição de uma língua materna é viajar de dia, enquanto a aquisição de uma língua não- materna é viajar de noite, ou seja, os estudantes de língua não-materna têm de se sentir a caminhar no escuro. Ao introduzirmos o contexto cultural aos estudantes de língua não- materna, colocamos luzes nas ruas e sinais de trânsito para que estes vejam por onde vão e possam ir mais rápido.”

4 First language acquisition is “traveling by day”, whereas second language acquisition is “traveling by

night”. That is, second language learners have to “feel their way in the dark”. Introducing the cultural context to second language learners is to “set up street lights and road signs” for them so that they can “see” where they are going and “go faster” (Yu, 2007 apud Batoréo, 2015: 6 ).

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Neste sentido, o desenvolvimento da competência metafórica numa língua não-materna implica sempre um conhecimento e aprendizagem da nova cultura e uma reestruturação concetual.

Ao compreendermos a relevância do desenvolvimento da competência metafórica na aquisição/aprendizagem de uma língua não-materna, aceitamos que haja uma forte correlação entre a competência metafórica dos falantes e a sua proficiência linguística. Efetivamente, e como demonstram vários estudos (Danesi, 1992; Aleshtar e Dowlatabadi, 2014), quando os estudantes de uma língua não-materna alcançam um domínio razoável dessa língua, mostram-se capazes de compreender e utilizar a linguagem figurada e a competência metafórica pode, inclusivamente, ser utilizada como critério para diagnosticar o domínio do estudante nessa língua.

Se, para alcançar uma proficiência linguística elevada, o falante necessita de uma competência metafórica desenvolvida, torna-se imperativo e urgente que o ensino explícito desta competência comece a ser integrado nas aulas de língua, especialmente no caso das línguas não-maternas. Neste sentido, o ensino de uma língua não-materna deve permitir o desenvolvimento do sistema concetual dos estudantes, permitindo-lhes conhecer a nova cultura e transformarem a sua rede concetual da língua materna.

Apesar da importância da competência metafórica no processo de

aquisição/aprendizagem de uma língua não-materna, a atenção dada pelos professores é limitada e o ensino desta competência continua à margem dos programas curriculares (Danesi, 1992; Danesi, 2016). A integração curricular da competência metafórica permitirá um ensino mais significativo e efetivo das línguas e, consequentemente, uma proficiência linguística mais elevada dos falantes, pois, tal como afirmam Littlemore e Low (2006: 2)5,

“o domínio da metáfora é essencial para que os estudantes lidem com sucesso com falantes nativos”.

5 “control over metaphor is one of the essential tools for empowering learners to cope successfully with

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