3. Apresentação dos resultados
3.2. Competências
3.2.1. Competências essenciais
Com base nas respostas dadas pelos professores portugueses à pergunta B1 (“Quais as três competências essenciais que o aluno deverá ter adquirido no final do ano?”) obtivemos a tabela seguinte, da qual constam as competências cuja aquisição durante o primeiro ano de iniciação estes participantes consideram essencial (Tabela 3).
Competências Auditivas Expressivas De Leitura Motoras Nº de Professores/ Código 3 A; B; C 2 A; B 1 D 4 A; B; C; D
Tabela 3 – Competências que o aluno deverá ter adquirido no final do ano, de acordo com os professores portugueses
Como podemos observar, os quatro professores portugueses entrevistados mencionam as competências motoras. Neste âmbito, os professores A e B referem-se especificamente a um aspecto postural – a ausência de tensão muscular excessiva48 – enquanto os professores C e D aludem à coordenação envolvida na execução de uma peça, escala ou padrão rítmico com ambas as mãos:
Professor A:
Fazer com que a criança consiga relaxar. É muito importante o relaxamento dos bracinhos e do pulso, principalmente.
Professor B:
(…) passa pela descontracção e relaxamento do corpo (…).
Professor C:
(…) [os alunos] devem ser capazes de fazer dois na mão direita contra três na esquerda. Ou seja, no final desse ano, a coordenação motora deve estar o mais desenvolvida possível.
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Por considerarmos ser necessária alguma tensão muscular para executar o instrumento, entendemos que ao falar de relaxamento e descontracção estes professores se referem à ausência de tensão muscular excessiva. Por conseguinte, optamos por utilizar a expressão “ausência de tensão excessiva” em detrimento dos termos “descontracção” e “relaxamento”, uma vez que estes últimos podem remeter para uma ideia de inexistência de controlo motor.
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Professor D:
(…) [o aluno] deve ser também capaz de tocar pequenas peças. Estas podem ser apenas uma melodia repartida entre as duas mãos, não é necessário que tenham melodia e acompanhamento. Mas têm que utilizar os cinco dedos de cada mão. […] [Os alunos] devem conseguir tocar uma escala, já com a dedilhação certa, a uma oitava, pelo menos em movimento contrário. […] A escala que têm mesmo que conseguir tocar é a de Dó Maior.
No que concerne às competências auditivas, o professor A menciona que o aluno deverá adquirir o “(…) sentido da pulsação (…)”. Por seu lado, o professor B refere que tenciona que o aluno procure o som que pretende obter, quer em termos de intensidade, registo e dinâmica: “(…) forte e piano, graves e agudos (…), lento ou rápido.” Segundo a mesma, é de grande importância que estas competências estejam o mais desenvolvidas possível nessa fase (…)” para que se possam desenvolver também as competências expressivas. A docente relaciona, ainda, a importância destas competências com a o facto de “(…) a primeira aula consistir na exploração do piano e do seu som.” O professor C menciona que o aluno deve ser capaz de percepcionar o movimento de um conjunto de notas (ascendente ou descendente) e ainda de “(…) perceber a distinção entre o intervalo de segunda e o intervalo de terceira (…)”. Sob o seu ponto de vista, as competências auditivas devem preceder as de leitura, para que a criança não fique com a percepção de que “(…) o som está na partitura como algo mais ou menos estático” mas, pelo contrário, perceba que este “(…) tem muita vida e está em permanente alteração.” Para além disso, “(…) essa formação auditiva será, pela vida fora, uma mais valia (…)” ao nível da leitura, improvisação, música de conjunto e percepção sonora. Os professores A e B indicam também as competências expressivas, mais precisamente o direccionamento frásico, como sendo de essencial aquisição no primeiro ano de iniciação: Professor A:
O que eu também considero muito importante é que as crianças fiquem já com algumas noções do direccionamento frásico.
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Professor B:
O que eu procuro é que num simples dó-ré-mi-fá-sol eles [alunos] tenham expressividade. Procuro que não pensem digitalmente.
Apenas o professor D indica as competências de leitura. Segundo ele, no final do primeiro ano, “(…) o aluno deve ser capaz de ler na clave de sol [de dó central ao sol superior] e na clave de fá [de dó central ao fá inferior]”. Contrariamente, o professor A refere que não o preocupa “(…) que as crianças não consigam ler no final do ano.”
Finalmente, há a salientar que o professor C considera que, mais importante do que a aquisição de certas competências é a manutenção da vontade de aprender, por parte do aluno:
Professor C:
Essa é a primeira grande batalha que nós, professores, temos que travar. Acho que é importante ganharmos a criança. Se ela tiver curiosidade de aprender cada vez mais, as competências mais atrasadas acabam por ser recuperadas.
No decurso das entrevistas, os professores A, B e C fazem referência a algumas estratégias que utilizam tendo em vista a aquisição de determinadas competências por parte do aluno. O professor C aborda uma estratégia relacionada com as competências auditivas, nomeadamente no que se refere à percepção do movimento – ascendente ou descendente – do som:
Professor C
(…) se nós [professores] tocamos um dó e depois tocamos outro dó situado duas oitavas acima, facilmente ele [aluno] consegue dizer se subiu ou se desceu. Mas depois vamos estreitando os intervalos, para ele se ir familiarizando com a distinção entre intervalos maiores e mais pequenos.
No âmbito das competências expressivas, mais precisamente no que concerne ao sentido frásico, os professores A e B mencionam a analogia com o discurso falado:
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Professor A:
O que me importa é que o aluno consiga perceber que há uma frase que aqui é um bocadinho mais “forte” e ali um bocadinho mais “piano”. Eu faço muito uma analogia com as frases faladas. Bem, uma frase tem sempre que terminar, não é? Ela tem um princípio, meio e fim. E muitas vezes as crianças não compreendem o que é isso do final de frase, de terem que fazer um bocadinho mais piano da penúltima nota para a última. Então eu dou-lhes uma ideia de como nós dizemos as palavras. Por exemplo, eu uso muitas vezes a palavra “casa” [diz “caaasa”] para a criança entender que é “mais, menos” [diz “maaais", "menos”].
Professor B:
(…) mostro-lhes como é que a ligadura da frase tem que soar. É como quando nós falamos: a ligadura é o início, é quando começamos a falar; e depois, no final, tal como não acentuamos as últimas sílabas das frases ao falar, também não vamos acentuar as últimas notas ao tocar.
Já no que respeita às competências motoras, os professores B e C abordam estratégias utilizadas no sentido de obter o relaxamento dos ombros e de adquirir coordenação, respectivamente:
Professor B:
Nesta idade, o aluno não tem noção da descontracção, do relaxamento dos ombros. Então eu digo: “Faz assim com os ombros, puxa-os até às orelhas! Agora larga. O que é que sentiste?”. Portanto, brinco com o aluno para que ele possa sentir a parte física relaxada. E isso é muito importante.
Professor C:
(…) considero pertinente fazer algum trabalho de movimentação corporal fora do piano: batimentos, fora do piano, no próprio corpo,
77 andando, batendo palmas, fazendo ritmos de um contra dois – mesmo não sendo necessário saber quais as figuras rítmicas que está a utilizar. Importante é distribuir os movimentos similares, trocar de movimentos, etc., para haver uma certa coordenação dos movimentos.
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3.2.1.2. Professores de Leste
Com base nas respostas dos professores de Leste à pergunta B1 (“Quais as três competências essenciais que o aluno deverá ter adquirido no final do ano?) obtivemos a tabela que se segue (Tabela 4).
Competências Auditivas Expressivas Leitura Motoras Metacognitivas Nº de professores/ Código 3 E; G; H 2 F; H 3 E; G; H 3 E; F; H H 1
Tabela 4 - Competências que o aluno deverá ter adquirido no final do ano, de acordo com os professores de Leste
No que se refere às competências auditivas, o professor E refere que, no final do primeiro ano de iniciação, os alunos deverão conseguir “(…) tocar pequenas melodias de ouvido.” Para além disso, menciona também que deverão “(…) desenvolver o sentido rítmico.” Por seu lado, professor G tenciona que os alunos sejam capazes de “(…) conhecer os diferentes géneros de música(…)”: “(…) se é música para andar, dançar, correr ou marchar.” Finalmente, o professor H defende que os alunos deverão ser capazes de “(…) conhecer auditivamente as notas (…)” e tocar com aquilo a que chama “controlo auditivo”, ou seja, que consigam identificar e corrigir eventuais notas erradas através da audição. Porém, ressalva que o facto de muitos alunos não conhecerem “(…) canções infantis (…)” dificulta a aquisição dessa competência:
Professor H:
O aluno deve ser capaz de tocar peças simples com controlo auditivo. Ou seja, deve conhecer auditivamente as notas e tocar com esse controlo auditivo. Estas peças podem ser, por exemplo, canções infantis. O problema com que me deparo aqui é que muitos alunos não conhecem canções infantis, esse seu repertório é muito limitado.
Os professores E, G e H referem-se também às competências de leitura. O professor E explica que no final do ano o aluno deve ser capaz de ler as notas – pelo menos na clave de sol – e os professores G e H fazem ainda menção à leitura do ritmo:
Professor E:
(…) a clave de sol é aquela que deve estar dominada no final desse ano. Já a clave de fá vai depender do que o aluno conseguir assimilar.
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Professor G:
(…) o aluno tem que ser capaz de adivinhar, a partir do dó central, as notas até uma quinta abaixo - fá - e até uma quinta acima - sol. […] No fim do ano o aluno deve também conhecer as durações das notas.
Professor H:
Têm também que conhecer diversos padrões rítmicos (…)
(…) a leitura do ritmo e das notas são duas das tarefas que eles devem conseguir fazer sozinhos quando chega ao final do ano.
No âmbito das competências motoras, o professor E refere a coordenação envolvida na execução de peças com ambas as mãos – tal como os professores F e H – e na execução de escalas e arpejos:
Professor E:
no final do primeiro ano já tem que ser capaz de tocar algumas peças assim fáceis, com as duas mãos. […] (…) no final do primeiro ano o aluno já deve ser capaz de tocar a escala de Dó Maior com as duas mãos em movimento contrário: isso já é coordenação. Para além disso, já deve ser capaz de fazer arpejos de três notas com as duas mãos em simultâneo, o que implica dedilhação diferente em cada uma delas: de novo a coordenação.
Professor F:
(…) outra coisa que eu procuro que ele [aluno] consiga no fim desse ano: conseguir tocar com as mãos juntas, fazendo já polifonia, ou seja, tocar duas vozes diferentes, mesmo que uma delas seja composta por notas longas.
Professor H:
(…) [o aluno] deve conseguir coordenar a execução de ambos os braços: deve ser capaz de executar uma melodia simples distribuída
80 entre as duas mãos e de executar uma melodia simples sobre um intervalo de quinta sustentado na esquerda.
Paralelamente à coordenação, os professores F e E referem-se a aspectos posturais, em particular à realização da passagem do polegar sem alterar a posição do pulso e à aquisição da forma da mão, respectivamente:
Professor F:
Outra coisa que eu trabalho muito nesse primeiro ano é a passagem do polegar com o terceiro dedo. Eu tento que no final do ano os alunos já consigam fazê-la sem perder a posição, sem quebrar a linha horizontal que o pulso vai fazendo.
Professor E:
[os alunos] Têm também que trabalhar a postura das mãos (…).
Ainda no âmbito das competências motoras, o professor F menciona que pretende que no final do ano o aluno seja capaz de “(…) distinguir e tocar (…)” três articulações diferentes – “(…) legato, non legato e staccato” – e o professor H faz referência à realização de diferentes dinâmicas – “(…) mais forte ou mais piano (…)”.
As competências expressivas são apontadas pelo professor F, o qual se refere especificamente à realização de frases – como um todo – em detrimento de notas isoladas, e pelo professor H, que, para além de mencionar especificamente a realização de ajustes de dinâmica, alude também à imaginação aliada à execução:
Professor F:
Outra coisa que eu acho muito importante é que o aluno não toque por letras: eu procuro que ele consiga tocar com palavras e frases. Ou seja, não quero que ele toque só notas: tento que ele já faça frases.
Professor H:
(…) considero que o aluno deve ser capaz de tirar sons diferentes do piano, ou seja, deve conseguir fazer nuances – mais “forte” ou mais
81 “piano” - e tocar imaginando cores, uma vez que este trabalho desenvolve a imaginação.
Finalmente, as competências metacognitivas são unicamente referidas pelo professor H. Professor H:
Têm também que (…) desenvolver a capacidade de trabalho em casa.
No decorrer das entrevistas aos professores de Leste, surgem referências dos professores F e G a estratégias utilizadas visando a aquisição de competências de leitura (professor G) e competências motoras (professores F e G). No âmbito das competências de leitura, o professor G apresenta dois jogos com os quais ensina o aluno a identificar as notas, e uma história contada para ensinar aos alunos a duração de figuras rítmicas como a semibreve, a mínima, a semínima, a colcheia e a semicolcheia:
Professor G:
(…) o aluno tem que ser capaz de adivinhar, a partir do dó central, as notas até uma quinta abaixo - fá - e até uma quinta acima - sol. Para isso, eu uso muitas vezes este quadro de brincar que tem uma pauta escrita e umas bolinhas com íman. O aluno coloca-as nos espaços e nas linhas, e assim aprende que há notas que se escrevem nos espaços e outras que se escrevem nas linhas, e que às vezes é preciso adicionar linhas à pauta, ou seja, aprende que existem linhas e espaços suplementares.
Também tenho mais um jogo para a identificação das notas: nesta tabela, está escrita uma nota em cada quadrado. Depois, as mesmas notas estão escritas nestes cartões. O aluno tira um cartão e, se conhecer a nota, coloca-a sobre o quadrado correspondente.
No fim do ano o aluno deve também conhecer as durações das notas. Para explicar este aspecto, recorro à sua imaginação. Peço que imagine uma família – composta por avó, mãe, filho e cachorrinho – que vai subir uma escada. Cada passo da avó, mais lento, é uma semibreve; cada passo da mãe, um pouco mais rápido, é uma mínima;
82 cada passo do filho é uma semínima; e cada passo do cachorrinho, o mais rápido, é uma colcheia. Então pergunto: “Quem é que vai subir mais rápido? E mais devagar?”. E eles percebem logo. Depois toco qualquer música e peço que ande mostrando os passos da avó, depois os da mãe, depois os do filho e por fim os do cachorrinho, isto à medida que vou tocando a música mais rapidamente.
Já no que concerne às competências motoras, as estratégias mencionadas prendem-se com a obtenção do relaxamento do braço em geral (professores F e G), ou do pulso em particular (professor G). O professor F refere, tal como mencionamos anteriormente, que compara os braços relaxados às “(…) mangas dos palhaços, vazias”:
Professor F:
(…) o que fazemos [professor e aluno] é libertar os braços. Digo para ele imaginar as mangas dos palhaços, vazias. É essa a sensação que deve ter quando tocar, a sensação de que os braços estão libertos.
Por seu lado, o professor G aponta dois exercícios que conduzem ao relaxamento do braço, e um terceiro, que visa especificamente o relaxamento do pulso:
Professor G:
Eu penso que o relaxamento é muito importante. E existem muitos exercícios nesse sentido. Por exemplo, eu digo ao aluno que imagine que é um robot, todo feito de ferro e muito duro, e peço que, sentado, coloque os braços elevados à altura dos ombros. Se o aluno não percebe, eu faço igual e peço para ele tocar nos meus braços e pescoço, e digo que tenho tensões. De seguida, relaxo, e peço que torne a sentir para perceber a diferença. Depois, quando já compreendeu, o aluno imita essa tensão e relaxamento.
Outro exercício consiste em elevar os braços, esticados, acima da cabeça. Peço, então, que vá relaxando por partes: primeiro as mãos, depois até aos cotovelos, e depois o resto do braço, cujo relaxamento é acompanhado pelo movimento de deixar cair o tronco.
83 Um aspecto ao qual eu tenho muita atenção é ao relaxamento do pulso. Como as crianças muitas vezes não percebem o que são tensões, não uso esse termo. Costumo, sim, dizer que têm que ter uma mola no pulso. Ou então conto a história de uma raposa que queria roubar o peixe a um pescador. Como era muito boa actriz, colocou-se no meio da rua e fingiu estar morta. Assim, quando o pescador levantou a sua patinha e a largou, esta caiu no chão porque estava muito relaxada a partir do ombro, pelo que o pescador acreditou que estivesse morta. Então, quando ele se distraiu, a raposa correu e roubou-lhe um peixe. Uma vez contada a história brincamos um pouco: ora eu faço de pescador e ele de raposa, ora o contrário. Faço isto para que eles entendam o que é o relaxamento e flexibilidade do pulso.
Ainda no âmbito da pergunta B1 o professor E refere que, visando uma consolidação da aprendizagem feita na aula, estabelece com os alunos o seguinte:
Professor E:
(…) tudo o que eles aprendem na aula devem explicar em casa aos pais, por exemplo. No fundo, eles assumem a função de professores.
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3.2.2. Aquisição da postura da mão