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Capítulo 1 – Introdução

1.2. Complexos metálicos como agentes anticancerígenos

1.2.2. Complexos de ruténio Modo de actuação dos complexos de ruténio

1.2.2.3. Complexos de ruténio (II) com ligandos ciclopentadienilo

A actividade anticancerígena da família de complexos derivados do fragmento [(η5-C

5H5)Ru]

encontra-se ainda pouco estudada. No entanto, nesta família de compostos, resultados promissores têm vindo a ser observados. Alguns potenciais do fragmento (η5-C

5H5)Ru são os seguintes [121, 122]:

 Complexos de ruténio coordenados com inibidores de proteína cinases

As cinases catalisam a transferência de grupos fosfatos (e.g. adenosina trifosfato, ATP) para diversos substratos, controlando assim diversos processos celulares importantes. A mutação e desregulação das cinases estão na base de muitas doenças, incluindo o cancro, pelo que constituem um dos alvos dos fármacos [40, 123, 124]. Estas enzimas possuem mais de 500 membros de proteínas com domínios de ligação ao ATP altamente conservados [125].

A staurosporina é uma biomolécula que apresenta uma elevada afinidade para o local de ligação do ATP nas proteínas cinases, impedindo a ligação do ATP e inibindo a função da cinase [123, 124]. Todavia, esta biomolécula apresenta uma selectividade limitada [124] e uma estrutura tridimensional com uma conformação e orientação espacial específica que são difíceis de sintetizar [123].

Eric Meggers explorou a facilidade de sintetizar compostos organometálicos de ruténio com uma conformação específica para mimetizar a staurosporina [123, 126]. Deste modo, a substituição do açúcar presente na estrutura da staurosporina pelo ruténio coordenado com substituintes resultou numa família de produtos com uma elevada afinidade para as enzimas cinases (figura 36). Para além disso,

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ao contrário da staurosporina, através da variação do tamanho e da forma do complexo metálico, uma especificidade acrescida para determinadas cinases poderá ser observada [99, 124, 127, 128].

Figura 36 - Estrutura química da staurosporina e dos compostos de ruténio baseados nesta molécula (adaptado da referência [46]).

Os complexos de ruténio com ligandos ciclopentadienilo têm demonstrado resultados promissores como inibidores das enzimas cinases [126, 129-131], como é o caso do composto (R,S)- DW12. Na figura 37 encontra-se ilustrado a ligação do enantiómero (R)-DW12 no local de ligação do ATP na cinase PAK-1[125, 126, 132].

Figura 37 - Estruturas de raios-X da co-cristalização do composto (R)-DW12 com a cinase PAK-1 (a); e correspondência da estrutura molecular entre o sítio activo da proteína cinase PAK-1 e a esfera de coordenação do complexo (R)-DW12 (b) (adaptado da referência [125]).

O composto (S,R)-DW12 tem-se revelado um potencial agente anticancerígeno uma vez que demonstrou exibir actividade contra as linhas celulares de melanoma na ordem de grandeza do nanomolar [114]. Além disso, este composto é um inibidor eficaz da cinase Pim-1, a qual se encontra sobreexpressa nas células cancerígenas humanas da próstata [123, 124]. Estudos indicaram que o

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composto (S,R)-DW12 não interage com o ADN e o seu efeito citotóxico deve-se à sua capacidade de inibir as enzimas cinases [133];

De referir que a derivatização do ligando ciclopentadienilo do complexo de ruténio também tem sido explorada com o intuito de aumentar a sua eficiência de inibição e selectividade para com as enzimas cinases [131, 134]. Esta estratégia conduziu, por exemplo, a obtenção dos compostos (SRu)-1

e (RRu)-2 (figura 38), os quais demonstraram não só uma efeito inibitório acrescido bem como uma

maior selectividade para com as cinases Pim-1 e GSK-3, respectivamente [134].

Figura 38 - Estrutura dos complexos organometálicos (SRu)-1 e (RRu)-2 [134].

 Complexos de ruténio com fórmula geral [(η5-C

5H5)Ru(P-P)L]+

Recentemente, o grupo de Química Organometálica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (CCMM/FCUL) desenvolveu complexos de monociclopentadienilo de ruténio com propriedades anticancerígenas muito interessantes [71, 121, 128, 135-140]. Um exemplo é a classe de compostos com fórmula geral [(η5-C

5H5)Ru(P-P)L]+, onde P-P= 1,2-bis(difenilfosfino)etano (dppe)

ou trifenilfosfina (PPh3) e L= ligando monodentado ou bidentado. Segundo a natureza do ligando L,

os complexos pertencentes à família [(η5-C

5H5)Ru(P-P)L]+ podem ser agrupados em:

a) complexos com ligandos baseados em heterociclos monodentados (doador de um átomo de azoto) ou bidentado (doador de dois átomos de azoto) ou com ligandos ciano (doador de um átomo de azoto)

No geral, estes complexos (figura 39) demonstraram actividades anticancerígenas de relevo contra diversas linhas celulares tumorais com um efeito na ordem de grandeza do nanomolar e com valores de IC50 (concentração requerida para inibir 50% do crescimento celular) inferiores ao da

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Figura 39 - Estrutura de alguns complexos com fórmula geral [(η5-C

5H5)Ru(PP)L], onde

PP = 2 PPh3 ou dppe (adaptado das referências [128, 135-138]).

De entre os complexos mais potentes, destaca-se os que o possuem o ligando bipiridil (bipy) como o [(η5-C

5H5)Ru(2,2’-bipy)(PPh3)][CF3SO3], conhecido também por TM34 (figura 39,

estrutura 6) [71, 121]. Este complexo apresenta um vasto espectro de actividade contra as células cancerígenas, ultrapassando consideravelmente a eficiência da cisplatina. Algumas das propriedades físico-químicas observadas para este complexo foram:

i. capacidade de estabelecer ligação com a albumina, indicando que poderá ser transportado na corrente sanguínea por esta proteína. Além disso, esta interacção não parece afectar a actividade citotóxica do composto [121];

ii. estável em meio aquoso e apresenta uma toxicidade reduzida para com as linhas celulares não cancerígenas [121];

iii. forte inibidor da poli(ADP-ribose)polimerase 1 (PARP-1), a qual se encontra envolvida nos mecanismos de reparação do ADN e nas vias da apoptose [121];

iv. ensaios realizados nas linhas celulares humanas provenientes de adenocarcinoma do ovário (A2780) e da glândula mamária (MDA-MB-231, independente de estrogénio) revelaram que o composto apresenta [71]:

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 localização preferencial na membrana celular e no citosol, sendo que apenas uma pequena percentagem de composto foi observado no núcleo;

 actividade celular por um processo dependente de temperatura, provavelmente o complexo entra na célula por um mecanismo dependente de energia (e.g. endocitose, macropinocitose);

 capacidade de inibir a enzima fosfatase ácida dos lisossomas.

Estes resultados foram essenciais para elucidar os mecanismos de acção dos complexos baseados no fragmento [(η5-C

5H5)Ru] [71].

Recentemente, com o intuito de aumentar a selectividade do complexo TM34 para as células cancerígenas foi reportado, pelo mesmo grupo de investigação, a preparação do composto [CpRu(PPh3)(bpyPLA)]+, onde bpyPLA = 2,2’-bipyridine-4,4’-D-glucose end-capped polylactide

(RuPMC, figura 40) [139].

Figura 40 - Estrutura do compexo organometálico de ruténio RuPMC [139].

O composto RuPMC apresentou actividade contra duas linhas celulares de adenocarcinoma humano da mama, nomeadamente a MDA-MB-231 e a MCF-7, e a linha celular A2780. Apesar do complexo de ruténio ter apresentado uma maior citotoxicidade na linha celular MCF-7 comparativamente à cisplatina, o composto revelou uma menor toxicidade relativamente ao complexo de ruténio TM34 para todas as linhas celulares testadas. No entanto, o tempo de permanência superior do complexo RuPMC no local do tumor poderá melhorar consideravelmente a sua eficácia terapêutica reduzindo a dose necessária para o tratamento. Além disso, o composto RuPMC apresentou uma maior actividade anti-proliferativa relativamente a alguns polímeros de cisplatina e ruténio reportados [139].

b) Complexos coordenados com ligandos N,O-heterocíclicos

Os complexos catiónicos de ruténio (II) com ligandos N,O-heteroaromáticos bidentados (figura 41) apresentam uma boa estabilidade ao ar e à humidade. Recentemente, um estudo demonstrou que estes complexos organometálicos possuem uma excelente actividade anti-proliferativa em diversas

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linhas celulares cancerígenas humanas com valores de IC50 significativamente inferiores ao da

cisplatina [128].

Figura 41 - Estrutura de alguns complexos de monociclopentadienilo de ruténio (II) com ligandos N,O-heterocíclicos (adaptado da referência [128]).

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