• Nenhum resultado encontrado

Complexos de Rutênio e seu Mecanismo de Ação

No documento FLÁVIA DE CASTRO PEREIRA (páginas 47-57)

2. REVISÃO DE LITERATURA

2.5 Complexos de Rutênio e seu Mecanismo de Ação

O Rutênio-102 é o elemento químico metálico de símbolo Ru, pertencente ao Grupo 8 da tabela periódica, o mesmo do ferro, presente na hemoglobina. Este elemento químico possui propriedades antitumorais semelhantes à platina, pertencente ao Grupo 10. É um metal branco, duro e brilhante, com quatro formas cristalinas em seu estado reduzido. Se uma solução de clorato de potássio lhe é adicionada, reage explosivamente oxidando-se. Sendo um metal raro, o rutênio teve sua existência comprovada em 1844 na Rússia, pelo químico alemão Karl Karlovitch

seu conterrâneo, Gottfried Wihelm Osann, dedicado desde 1828 à pesquisa de um novo elemento do grupo da platina a partir de um minério encontrado nos montes Urais. O nome deriva de Ruthenia, topônimo latino para Rússia. Da classe dos metais de transição, os compostos de rutênio são sais metálicos cujo mecanismo de ação parece estar relacionado à sua estrutura espacial octaédrica (Greenwood & Earnshaw, 1997).

A exploração de complexos de Rutênio para o uso como agente anticâncer foi iniciada na tentativa de se obter uma droga menos tóxica e mais específica. Um exemplo de especificidade proposto para complexos de Ru(III) sugere que eles se liguem a transferrina e, conseqüentemente, podem ser alvos de células neoplásicas e regulares positivamente a expressão de receptores de transferrina na membrana celular, devido a um aumento do requerimento de ferro (Huxham et al., 2003).

A Transferrina (Tf), uma glicoproteína de aproximadamente 80 kDa, é o modo primário de transporte de ferro para células de mamíferos e está relacionada com a liberação de íons metálicos anticâncer em sítios tumorais (Frasca et al., 2001). Srivastava et al., (1981) mostraram que rutênio radioativo como o 103RuCl3 liga-se à

soroalbumina humana e à Tf na corrente sanguínea de animais experimentais. Contudo, o 103Ru-Tf foi preferencialmente encontrado em áreas de tumor, provavelmente por causa do grande número de receptores para transferrinas na superfície da célula tumoral (Frasca et al., 2001).

Desde que a Tf humana se encontra somente 30% saturada com o Fe+3 em condições fisiológicas, é possível que a Tf seja o veículo para outros íons metálicos trivalentes. Isto é relevante, porque as células tumorais apresentam um requerimento nutricional elevado, o qual é favorecido pela angiogênese, que promove o aumento do fluxo sanguíneo, e pelo aumento da permeabilidade das

membranas, resultando numa maior captação de nutrientes (Frasca et al., 2001). Em muitos casos, a molécula alvo para agentes anticâncer baseados em metal parece ser o DNA, mas outras interações moleculares também são importantes (Barca et al., 1999).

O composto de rutênio é caracterizado por um mecanismo completamente novo de ação: causa uma mudança de transferência de energia nas células (via mitocôndria). Este princípio é facilitado pela ação da transferrina, considerando que as células tumorais têm número aumentado de receptores para esta proteína, de forma que em tecidos saudáveis, a concentração da droga foi presumivelmente mais baixa e menos ofensiva (Frasca et al., 2001).

Uma das hipóteses sugere que os compostos de Rutênio (III) servem de pró- drogas que são reduzidas, in vivo, pelas condições citoplasmáticas das células tumorais: baixas concentrações de O2 em decorrência do consumo atípico de

nutrientes; pH baixo, devido à produção de ácido láctico na glicólise anaeróbia, compensatória da falta de oxigênio; e à presença de glutationa em níveis tipicamente altos. Essas alterações no ambiente citoplasmático das células tumorais podem favorecer a conversão de Rutênio(II) a partir do Rutênio(III), intensificando ligações ao DNA, com toxicidade seletiva às células tumorais (Figura 9) (Clarke, 2003; Silveira-Lacerda, 2009b).

Os possíveis mecanismos moleculares de ligação ao DNA têm sido pesquisados. Os resultados sugerem que os complexos de rutênio promovem

crosslinks entre as duas fitas de DNA, possivelmente favorecido pelas restrições

impostas pela geometria octaédrica destes compostos. Este mecanismo difere da formação de “crosslinks” intrafita induzida pela cisplatina e, conseqüentemente, as linhagens de células tumorais que têm desenvolvido resistência à cisplatina, pela

aceleração da taxa de reparo de “crosslinks” intrafita, que são ainda susceptíveis aos complexos de rutênio (Allardyce & Dyson, 2001).

Mestroni et al. (1989) sugeriram que o cis e trans-RuCl2(DMSO)4 interagem

com o DNA in vivo. Estudos de interação in vitro com nucleotídeos resultaram na ligação entre rutênio e DNA, que ocorre principalmente no N7 da guanina entre “clusters” na dupla hélice (Küng et al., 2001).

Figura 9 – Mecanismo de ação do rutênio no ambiente da célula tumoral (Adaptado de Clarke, 2003).

A redução do Ru(III) para Ru(II) pode ser um mecanismo fundamental da ativação celular de drogas de rutênio (Depenbrock et al., 1997). Os compostos de

Ru(III) podem ser reduzidos em áreas tumorais com hipóxia em espécie ativa, a qual é capaz de ligar-se rapidamente e causar dano ao DNA. Nestas condições, complexos de aminorutênio podem ser ativados in vivo para coordenar uma nucleobase em uma forma similar aos experimentos in vitro (Grguric-Sipka et al., 2003).

O cis e trans-RuCl2(DMSO)4 são conhecidos por exibirem atividade

anticâncer, enquanto o cis-[Ru(acac)2(L)2](CF3SO3) (L=Im=Imidazol ou N-Met-lm)

mostrou citotoxicidade seletiva à hipóxia em alguns carcinomas de camundongo (Wu et al., 2003). Muitos complexos de rutênio com estado de oxidação II ou III exibem atividade antitumoral, especialmente contra cânceres metastáticos. Segundo Keppler & Jakupec (2003) os complexos de rutênio têm atraído a atenção devido aos seus potenciais antitumorais.

Em estudo feito com Hind[trans-RuCl4(ind)2] e com tris(8-quinolinato)gálio(III),

observou-se que o complexo de rutênio tem atividade particularmente alta contra tumores coloretais, com melhor biodisponibilidade e concentração plasmática adequada que o Gálio. Quando comparado ao complexo de Gálio, o composto de Rutênio apresenta grande capacidade antiproliferativa e capacidade superior de induzir apoptose in vitro (Seelig et al., 2002; Keppler & Jakupec 2003).

Vilaplana et al., (2006), estudaram o cis-dicloro-1,2-propilenodiamino- N,N,N0,N0-tetraacetato rutênio (III) (RAP) de fácil solubilidade em água. Sua atividade antitumoral tem sido avaliada in vivo. Recentes resultados mostraram que o seu composto possui estabilidade quando se liga ao DNA e os danos causados no DNA diminuem de acordo com a retirada do complexo de rutênio do meio de cultura.

Outro resultado importante foi obtido com o complexo de Ru(II)-DMSO com ligantes imidazólicos, o qual desenvolveu atividade anti-metastática contra alguns modelos tumorais em camundongos (Cabrera et al., 2004).

Estudos iniciais com isômeros de Ru complexado, o cis e trans- RuCl2(DMSO)4 sugerem que os mesmos têm propriedades anticâncer,

especificamente anti-metástase em doses relativamente não tóxicas (Huxham et al., 2003). A química sintética de metais de transição é bem desenvolvida, particularmente com ligantes amino e imino, favorecendo para muitos pesquisadores a inovação na formulação de novos metalofarmacêuticos.

Devido à estabilização por um forte campo de ligação, a maioria dos estados de oxidação do rutênio [Ru(II), Ru(III) e Ru(IV)] em solução aquosa são usualmente octaédrico e, freqüentemente, inertes a substituição de seus ligantes. As vantagens da utilização dos complexos de rutênioamino no desenvolvimento de drogas são: (1) os métodos seguros de sintetizar complexos estáveis com estruturas previstas, (2) a habilidade e afinidade entre os ligantes, na transferência de elétrons e na razão de substituição e (3) um conhecimento prévio dos efeitos biológicos dos complexos de Ru (Clarke, 2003). Evidentemente, todos os compostos exibem diferentes mecanismos de ação baseados na acidez do metal, dos ligantes e do seu estado de oxidação (Meléncez, 2002; Grguric-Sipka et al., 2003).

Para Kapitza et al., (2003), o complexo trans- [tetraclorobisindazóliorutenato(III)] e seu sal de sódio análogo, se mostraram efetivos na terapia de tumor colo-retal autóctone de ratos, e o seu análogo imidazólico mostrou atividade significativamente mais baixa. O complexo trans- [tetraclorobisindazóliorutenato(III)] e seu sal de sódio análogo exibiram capacidade de induzir apoptose, além de despolarização da membrana mitocondrial, redução da

atividade do Bcl2 e ativação da caspase 3. Esses efeitos podem ser parcialmente inibidos pela N-acetyl-cisteína, indicando envolvimento do estresse oxidativo tanto na indução da apoptose quanto na indução de danos no DNA. A inibição pela N- acetil-cisteína é muito mais efetiva em células não malignas, apontando para um potencial efeito protetor dos tecidos normais pela ação antioxidante.

Para os compostos de Ru(III), a redução in vivo para o Ru(II) pode ser necessária para sua atividade. A captura celular deste rutênio também parece ser mediada pela proteína transportadora de ferro, transferrina. Em geral, a citotoxicidade dos complexos de rutênio está correlacionada com sua habilidade de se ligar ao DNA. Porém, uma exceção é a atividade antimetastática do NAMI e seu análogo (ImH)trans-[Ru(Im)(Me2SO)Cl4] que inibe a atividade colagenolítica tipo IV e

reduz o crescimento do tumor (Zhang & Lippard, 2003).

Um dos compostos a base de rutênio mais estudado é o NAMI-A (trans- imidazoldimetilsulfóxidotetraclororutênio), sendo um dos complexos metálicos antitumorais mais promissores desenvolvidos (Sava et al., 1999). Este composto corresponde à molécula de NAMI com um imidazol+H+ no lugar do átomo de Na+. NAMI-A foi inicialmente testado em modelos in vivo, manifestando efeitos antimetastáticos, como no carcinoma de Lewis em ratos (Sava et al., 1999; Sava et al., 2003), e com baixa toxicidade em ratos e cães (Bergamo et al., 2000). O composto NAMI-A aumenta a espessura da cápsula em torno do tumor primário e da matrix extracelular dos vasos sanguíneos tumorais e assim, previne a invasão pelas células tumorais em tecidos e em vasos sanguíneos sadios (Sava et al., 1998). Também testado em 24 pacientes humanos, inibiu a proliferação das células cancerígenas (câncer sólido-pulmão) (Sava et al., 2003).

Estudos pré-clinicos com KP418 e KP1019 [trans-

tetraclorobisimidazolrutênio(III)] mostraram atividade promissora no tratamento de tumores do colo retal (Kapitza et al., 2003; Hartinger et al, 2006). O RM175 [(N6C6H5C6H5)Ru(en)Cl]+, onde en-etilenodiamina é um composto organometálico de

rutênio que possui propriedades citotóxicas para estudos in vitro comparado com a cisplatina (Aird et al., 2002). Outro complexo metálico de relevância que está sendo estudado por Eric Meggers, na Universidade de Pensilvânia, o composto de rutênio

indolcarbozol que possui baixos valores de IC50 e mimetismo com estauroporinas

(Atilla-Gokcumen et al., 2006).

O NAMI-A (trans-imidazoldimetilsulfoxidotetraclororutênio) também possui atividade em tumores sólidos metastáticos, em fase experimental (Sava et al., 2003). Muitas drogas com compostos metálicos são usadas para outros tipos de tratamentos além do câncer, como a prata, que é usada para o tratamento de infecções microbianas, e o ouro, que atua no tratamento do câncer, vírus (HIV), asma, malária e artrite reumática (Claire & Dyson, 2001).

A empresa farmacêutica MMI - Medical Marketing International anunciou, no dia 30 de julho de 2007, a conclusão dos testes pré-clínicos de um composto de rutênio que ela denominou MMI/ONCO 4403. Seus estudos de toxicidade teriam demonstrado que o composto tem um perfil mais seguro que as substâncias baseadas em platina. Os testes de toxicidade aguda em doses repetidas com o MMI/ONCO 4403 não apresentaram supressão da medula óssea ou nefrotoxicidade significativas, após 28 dias de observação (MMI, 2007).

O composto cloreto de cis-Tetraaminodiclororutênio(III) (cis-[RuCl2(NH3)4]Cl)

revelou apresentar atividade citotóxica sobre as linhagens tumorais humanas Jurkat e HeLa, com IC50 de 190 e 3,5µM, respectivamente (Frasca et al., 2000). Silveira-

Lacerda et al., (2009b), trabalhando com o mesmo composto (Figura 10), verificou que o mesmo apresentava atividade citostática significante, em estudo realizados com células tumorais humanas e de camundongos. Os resultados indicaram que este composto apresentava atividade citotóxica e genotóxica sobre células tumorais A-20, SK-Br-3, e S-180, onde DNA de células tumorais tratadas apresentavam fragmentação do material genético. Esse complexo de rutênio atua como droga citostática ao impedir a progressão do ciclo celular da linhagem tumoral A-20 e induzir a apoptose. Observou-se também que a atividade citostática exercida pelo composto de rutênio sobre células mononucleares do sangue periférico humano foi menor quando comparadas à atividade citostática deste composto em outras

linhagens tumorais que foram testadas (Silveira-Lacerda, 2009b).

Verificou-se ainda que a toxicidade do composto foi seletiva às células cancerígenas e com potencial efeito imunoestimulante sobre células mononucleares

do sangue periférico humano (Silveira-Lacerda, 2009a). A citotoxicidade destes

complexos de rutênio parece estar correlacionada com sua ligação ao DNA, no entanto, o mecanismo de ação destas drogas permanece ainda desconhecido (Menezes et al., 2007).

Menezes et al. (2007), estudou o mesmo complexo de rutênio e observou que

esse composto possui atividade antitumoral sobre a linhagem tumoral Sarcoma 180

de camundongos in vivo e in vitro; onde valor encontrado para a DL50 foi de 99,76

mg kg-1 de animal, relativamente alta comparada às DL50 observadas para outros

quimioterápicos derivados de metal. De acordo com as análises bioquímica e

hematológica do sangue dos animais correlacionadas a histopatologia dos órgãos, o

complexo de cis-[RuCl2(NH3)4]Cl não provocou efeito toxicológico grave, não foi

bactericida sobre Staphylococcus aureus e Escherichia coli, e demonstrou interagir com o DNA plasmidial pUC18.

Ribeiro e colaboradores (2009) avaliaram, através de um estudo de citogenética, cromossomos humanos em metáfase e possíveis fragmentação de DNA, detecção de aberrações espontâneas e/ou induzidas pelo uso do composto cloreto de cis-Tetraaminodiclororutênio(III), em cultura de linfócitos humanos do sangue periférico. Sendo que não se observou alterações em nenhuma das células tratadas, ou seja, sem danos no DNA.

Figura 10 – Estrutura Química do Composto de rutênio Cloreto de cis-Tetraaminodiclororutênio (III).

O complexo de Ditionato cis-Tetraamino(oxalato)rutênio(III) (Figura 11), assim como o cis-Tetraamindiclororutênio(III), mostrou ação contra o tumor acístico

Sarcoma 180 in vivo, estatisticamente significativa e dose-dependente, e se mostrou mais efetivo contra os tumores ascíticos em relação aos tumores sólidos (Barbosa, 2007).

Desta forma, o complexo de Ditionato cis-Tetraamino(oxalato)rutênio(III) por apresentar atividade antitumoral leva à várias investigações dos efeitos das propriedades químicas e biológicas destes complexos de rutênio, tanto na área dos antineoplásicos quanto na detecção de diferentes atividades para os mesmos compostos.

No documento FLÁVIA DE CASTRO PEREIRA (páginas 47-57)

Documentos relacionados