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2. A TRILHA SONORA

2.2 COMPONDO UMA TRILHA SONORA

Hoje é lugar comum afirmar que uma informação em si não tem sentido (Aguiar, 2006; Amorim, 2003; Fals Borda, 1981; Freitas, 2003; Machado, 2002; Rey, 2002; Rocha-Coutinho, 1998; etc). No entanto, mais do que reconhecer que o sentido é produzido, é preciso compreender que sua produção se dá no acontecimento dialógico, entre posições singulares que se confrontam (Amorim, 2003), de tal forma que as análises propostas só são possíveis a partir de determinados elementos com os quais o pesquisador teve a oportunidade de dialogar – as pessoas com quem conversou, os acontecimentos que vivenciou, as leituras que lhe serviram de apoio para a compreensão das informações, etc.

O diálogo, nesta tese, não é apenas uma ferramenta para a realização da pesquisa, mas condição de sua produção, uma vez que “o sujeito como tal não pode ser percebido e estudado como coisa porque, como sujeito e permanecendo sujeito, não pode tornar-se mudo; conseqüentemente, o conhecimento que se tem dele só pode ser dialógico” (Bakhtin, 2010, p. 400). Além do mais, a dialogia é fundante de toda e qualquer relação entre os sujeitos, pois toda relação entre duas (ou mais) pessoas produz discursos que se apresentam de forma provisória e inacabada, abertos para uma resposta do outro. Neste sentido, as análises desenvolvidas aqui não são concluídas, mas sugeridas, já que “não existe a primeira nem a última palavra, e não há limites para o contexto dialógico” (Bakhtin, 2010, p. 410).

Reconhecer o diálogo como dimensão fundamental da produção de conhecimento demarca que a pesquisa é um processo atravessado por questões afetivas – no sentido de que sujeitos e contextos da pesquisa são afetados uns pelos outros mutuamente. Isto significa que o pesquisador estuda “com” e não “os” sujeitos, e que a relação que se estabelece entre os sujeitos é o que há de mais rico no pesquisar. É onde os sentidos são coletivamente produzidos e onde contextos e sujeitos são transformados conjuntamente (Groff, Maheirie & Zanella, 2010).

Estas reflexões me colocaram diante da necessidade de me aproximar dos jovens e da cultura Hip-Hop em Blumenau, posto que o conhecimento dialógico se dá no encontro (Bakhtin, 2010). Por isso não me inseri no campo como um pesquisador que busca colher informações, mas como um flaneur9 que circula pela cidade e “acredita que ao caminhar pensa melhor, encontra soluções para os seus problemas” (Fonseca, 1992, p.11). Procurei conversar e conviver com estes jovens, circulando pela cidade e vivenciando o que os encontros com eles me proporcionavam – busquei participar do maior número possível de eventos ligados à cultura Hip-Hop em Blumenau. Meu interesse era entender as relações estabelecidas entre os jovens, a cidade e o Rap, perguntando sobre que jovem, que cidade e que Rap era esse que eu estava encontrando pelas ruas de Blumenau. Assim, meu olhar estava voltado para a experiência (Larrosa, 2002) destes jovens, para a maneira como eles viviam, eram afetados e se apropriavam da cidade e da música.

As conversas e observações desenvolvidas a partir dos encontros que tive com os jovens foram propostas numa perspectiva discursiva, dialógica e polifônica, considerando que o texto do pesquisador traz sua voz como orquestrador das vozes dos outros participantes, reconhecendo que o campo nos confronta com eventos de linguagem marcados pela interlocução (Freitas, 2003). Além disso, o recurso da análise documental também foi utilizado a partir da mesma perspectiva, já que os discursos sobre a forma como se articulam Rap, cidade e os jovens podem ser encontrados em diversas fontes, tais como: letras de Rap, videoclipes, fotos de shows/eventos realizados na cidade, etc.

O processo de análise das informações foi desenvolvido mediante a análise do discurso. Tal proposta, a partir da perspectiva sócio-histórica em Psicologia e das contribuições do Círculo de Bakhtin, considera a linguagem como mediadora das relações sociais, constituinte do sujeito e da sociedade, reconhecendo-a como uma

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Há algum tempo que eu entendo a pesquisa como um processo de diálogo entre sujeitos. Entretanto, contraditoriamente, percebi que eu estava muito distante de meu objeto de estudo e precisava me aproximar dele como um flaneur, circulando pela cidade a fim de compreender as relações que se estabelecem entre os jovens, a cidade de Blumenau e o Rap. Agradecimento especial aos professores Andrea Vieira Zanella, Adriano Henrique Nuernberg e Rafael Menezes Bastos, que fizeram parte da banca de qualificação desta tese e me incentivaram a conversar e conviver com os jovens que eu pretendia entrevistar.

dimensão constitutiva do humano e não apenas como um recurso técnico para o estabelecimento de significados (Bakhtin, 2010; Vygotski, 1992). Deste modo, a análise do discurso consiste em propor um entendimento sobre um dado texto a partir de sua correlação com outros textos – “o texto no sentido amplo como qualquer conjunto coerente de signos” (Bakhtin, 2010, p. 307). Trabalhar a partir desta perspectiva significa que pesquisar não é fazer uma transcrição de informações, mas, sobretudo, dialogar, pois sua ação central é a instauração de novos sentidos.

Partindo desta perspectiva, e considerando as contribuições de Rocha-Coutinho (1998), entendo que a análise do discurso se configura como uma proposta na qual o pesquisador oferece uma interpretação de um dado texto, que, por sua vez, é estruturado por interlocutores específicos, com finalidades específicas e localizado num determinado contexto histórico e social. O texto é assim concebido como ponto de partida e chegada, já que as categorias de análise, fornecidas pelo próprio texto, são tomadas a partir de sua articulação com o contexto das relações sociais historicamente constituídas nas quais a enunciação é produzida. Destarte, a análise do discurso permite compreender o problema de pesquisa a partir de sua interconstituição particular-social, interpretando a perspectiva singular do sujeito a partir de sua condição histórica e social (Rocha-Coutinho, 1998).

Vygotski também oferece importantes contribuições para o desenvolvimento desta investigação, alertando para o fato de que a pesquisa precisa “(...) mostrar na esfera do problema que nos interessa como se manifesta o grande no pequeno” (1995, p. 64). Esta tarefa não se restringe apenas a identificar as palavras expressas pelo sujeito, uma vez que o movimento de análise exige uma compreensão da tendência afetivo-volitiva, dos motivos e interesses, desejos e necessidades, afetos e emoções do interlocutor (Vygotski, 1992). Esta compreensão só pode ser alcançada, segundo o autor, se o pesquisador tentar entender o fenômeno estudado a partir das relações e elementos que o constituem, pois “explicar significa estabelecer uma conexão entre vários fatos ou vários grupos de fatos, explicar é referir uma serie de fenômenos a outra...” (Vigotski, 1996, p. 216).

Por fim, é preciso esclarecer que eu parto da perspectiva bakhtiniana (2010) sobre gêneros de discurso para investigar o Rap. Conforme Piedade, as idéias de Bakhtin sobre os gêneros de discurso podem ser aplicadas ao campo da música para pensar os gêneros musicais como “esferas onde há tipos relativamente estáveis de músicas do ponto de vista do conteúdo temático, do estilo e da estrutura

composicional (Piedade, 1997, p. 57). Um gênero musical, desta maneira, é uma construção cultural cujas fronteiras com outros gêneros são flexíveis, cambiantes e abertas (Menezes Bastos, 2007b). Além disso, é importante retomar Bakhtin (2010), para lembrar que os gêneros de discurso não existem fora da sociedade, mas nela e para ela, tão pouco podem ser reduzidos à sua materialidade lingüística ou dissolvidos no psiquismo de quem os produz e/ou contempla. Assim, proponho uma análise do Rap concebendo-o como um acontecimento dialógico, definido pelo diálogo com os interlocutores e com outros gêneros musicais, buscando compreender as diferentes vozes que nele (e a partir dele) se fazem ouvir e quais são as vozes ausentes e/ou silenciadas.

3. MÚSICA(S): COM O(S) SUJEITO(S) E COM A(S) CIDADE(S)

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